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Árvore isolada em área com o solo preparado para agricultura

América do Sul perde vegetação natural e ganha pastagens e lavouras nas últimas três décadas e meia

Tiago Jokura
Edição 304 da Revista PESQUISA FAPESP (jun. 2021)

Entre 1985 e 2018, a área ocupada por vegetação nativa na América do Sul encolheu 16% e a das terras dedicadas à pecuária, agricultura e plantio comercial de árvores cresceu, respectivamente, 23%, 160% e 288%. Durante esses 34 anos, 268 milhões de hectares, um território quase igual ao da Argentina, foram modificados pelo homem. A soma da extensão de terras alteradas nesse período e das que tinham sido modificadas anteriormente pela ação humana atingiu, em 2018, 713 milhões de hectares, cerca de 40% da América do Sul. Os dados fazem parte de um estudo coordenado pela geógrafa boliviana Viviana Zalles, da Universidade de Maryland, Estados Unidos, com a colaboração de pesquisadores brasileiros, que foi publicado no final de março no periódico Science Advances. “É como se, nos últimos 34 anos, tivéssemos mudado o uso da terra de uma área média equivalente a 21 campos de futebol por minuto”, compara Zalles.

A mudança de uso da terra significa, geralmente, que uma área de floresta foi desmatada com o intuito de abrir espaço físico para o estabelecimento de uma atividade econômica, como agricultura, pecuária ou uma obra de infraestrutura. Mas, além da expansão da agroindústria sobre antigas áreas de vegetação, o estudo identificou que 55 milhões de hectares de paisagem natural foram alterados aparentemente sem nenhuma finalidade visível. “Essa área modificada é maior do que a Espanha e representa uma perda significativa para o funcionamento do ecossistema sem produzir nenhuma vantagem financeira”, comenta a geógrafa. “É uma situação em que todos perdem, tanto do ponto de vista ambiental como econômico.” No período do estudo, houve um aumento de 60% no tamanho da área modificada pelo homem. No Brasil, cujo território equivale a quase metade da América do Sul, o crescimento da extensão de terras com uso alterado foi o mais elevado do continente, de 64%, e a Amazônia foi o bioma mais impactado. Na Argentina, segundo maior país da região, a dimensão da área de terras com uso modificado subiu apenas 23% no período.

Para avaliar as mudanças causadas pelo homem no uso e na ocupação da terra, sobretudo em relação à cobertura natural, o grupo de Zalles utilizou como ponto de partida uma grande base de dados aberta ao público: imagens dos satélites Landsat, programa conjunto da Nasa, a agência espacial norte-americana, e do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). Lançada em 1972, a iniciativa tem como objetivo observar a superfície terrestre a partir de satélites com câmeras. O estudo usou dados a partir de 1985, primeiro ano completo em que a América do Sul foi monitorada por um satélite da família Landsat com 30 metros de resolução espacial. Os pesquisadores selecionaram imagens aleatórias de mil trechos do continente e registraram para que fim as áreas dessa amostra eram destinadas em cada um dos 34 anos cobertos pelo estudo. A partir dos registros e tendências desses trechos, a dinâmica de mudança de uso da terra foi calculada para toda a América do Sul.

O Brasil teve contribuição importante para o trabalho. Dados produzidos pelo Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso da Terra no Brasil (MapBiomas), iniciativa da organização não governamental (ONG) Observatório do Clima, e pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás (UFG), foram utilizados para validar as observações que embasam o estudo. Um dos coautores do artigo, o geólogo Laerte Guimarães Ferreira, da UFG, explica que os dados obtidos por Zalles a partir de mil amostras de imagens do Landsat foram confrontados com mais de 85 mil pontos amostrais fornecidos pelo Lapig. Ao comparar os dois conjuntos de dados, vimos que as estimativas de uso da terra para o Brasil apresentavam dinâmicas de transformação muito semelhantes e corroboram a precisão dos resultados publicados”, diz Ferreira. O geógrafo Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas, que não faz parte da equipe que assinou o artigo científico, também elogia o método empregado no estudo. “Os pesquisadores calcularam a estatística de mudança de uso da terra a partir dessas mil amostras”, explica Rosa. “É um método simplificado que obteve um ótimo resultado para estimar as mudanças e a perda da vegetação em toda a América do Sul.”

Commodities agrícolas

A produção de commodities agrícolas tem papel crucial nas mudanças de uso de solo observadas na América do Sul. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 1985, primeiro ano do estudo, a América do Sul produzia um quarto da soja mundial. Em 2018, último ano observado pela equipe de Zalles, o continente produzia mais da metade da leguminosa no mundo. A região também é a que tem o maior rebanho de bovinos, o que demanda mais pastagens. Alguns pesquisadores afirmam ser possível expandir a agropecuária no Brasil sem promover desmatamento. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no entanto, indicam que isso não tem ocorrido. Entre 2000 e 2018, a área agrícola no país aumentou 45% e a de pastagens com manejo, 27%. No mesmo período, segundo o IBGE, a extensão das florestas diminuiu quase 8% e a de vegetação campestre, 10%.

Para Zalles, o ritmo de diminuição do território ocupado por esses biomas é preocupante, sobretudo porque países como o Brasil não têm dado seguimento a políticas de preservação ambiental eficazes que, até pouco tempo atrás, eram adotadas. “O declínio das taxas de desflorestamento no Brasil entre 2004 e 2012 foi um exemplo para outros países”, diz a pesquisadora. “Contudo, para realmente preservar florestas e outros biomas naturais, esse progresso precisa ser contínuo e perdurar.”

Artigo científico

ZALLES, V. et. al. Rapid expansion of human impact on natural land in South America since 1985. Science Advances. 31 mar. 2021.

Fonte: Revista PESQUISA FAPESP

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