Especialistas consideram que as condições dificultam a chegada da praga ao país
Uma nuvem de gafanhotos que já atingiu lavouras no Paraguai e se concentra atualmente na Argentina pode chegar ao território brasileiro, ameaçando plantações e pastagens do Sul do país. A nuvem é monitorada desde o dia 28 de maio, quando começou a passar por províncias da Argentina. O gafanhoto conhecido como sul-americano (Schistocerca cancellata) tem como hábito a formação de massas migratórias e pode viajar até 100 km por dia.
Os adultos dessa espécie de gafanhoto medem de 45 a 66 mm de comprimento, apresentando coloração pardo-avermelhada e asas amarelo-claras ou róseas. Por vezes se multiplicam enormemente e acabam migrando, causando danos vultosos à agricultura das áreas eventualmente invadidas. Também são conhecidos pelos nomes de gafanhoto-praga, gafanhoto-invasor e gafanhoto-migratório. Devido às suas características, estão agrupados em nuvens e se alimentam de todos os tipos de vegetação. Assusta e preocupa pelas dimensões que têm.
Especialistas estão monitorando as nuvens do inseto e apontam que os animais se concentram na região argentina de Santa Fé, a 250 km da fronteira com o Rio Grande do Sul. O alerta de proximidade às autoridades brasileiras chegou pelo Senasa (Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Agroalimentar da Argentina).
Um mapa divulgado pelo serviço argentino mostra áreas em que a nuvem pode chegar. A fronteira oeste do Rio Grande do Sul é demarcada como zona de perigo. Parte da divisa entre o estado gaúcho e Santa Catarina e áreas do Paraguai que fazem divisa com Paraná são consideradas regiões de precaução. O grupo destaca, porém, que a direção dos ventos e as condições climáticas favorecem o Brasil e levam a crer que a nuvem está se deslocando para o sul da Argentina e para o Uruguai.
Técnicos do governo argentino detectaram que os insetos, de até 15 cm de envergadura, entraram no país pelo Paraguai, nas províncias de Formosa e Chaco, onde há produção de mandioca, milho e cana-de-açúcar.
Em uma das áreas, a nuvem de gafanhotos chegou a 10 km de extensão. Um quilômetro quadrado da nuvem comporta ao menos 40 milhões de bichos. Eles podem comer em apenas um dia pastagens capazes de alimentar 2.000 rezes.
Pesquisador da Embrapa em Pelotas (RS), Dori Edson Nava afirma que outras pragas como essa já foram registradas na região, nos anos 1930 e 1940, e que há formas de contenção dos insetos. “Com essa situação do novo coronavírus, qualquer coisa pode parecer o fim do mundo, mas, apesar de ser uma situação nova, não é desesperadora”, afirma. Ele explica que a seca registrada nos últimos meses na região, com a consequente falta de alimentos para os insetos adultos, condicionou a migração dos gafanhotos. “O melhor seria combater esse tipo de praga enquanto elas são ninfas (mais jovens)”, diz.
Nava afirma que, pelo monitoramento, são poucas as chances de os gafanhotos chegarem ao Brasil. “Com a direção dos ventos e uma frente fria que está vindo para o estado, levando as temperaturas para abaixo de zero, é provável que os gafanhotos dispersem”, avalia.
A mesma condição climática favorável é descrita pelo meteorologista da Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul, Flávio Varone. “A tendência de queda nas temperaturas e a previsão de chuva para o estado nesta quinta-feira (25) tendem a amenizar o risco de dispersão da praga.” De qualquer maneira, o Ministério da Agricultura e outras instituições brasileiras estão orientando produtores a relatarem eventuais registros dos insetos às autoridades.
A Coordenação-Geral de Proteção de Plantas do ministério afirma estar acompanhando a situação em tempo real para minimizar impactos de eventual surto da praga no Brasil. O monitoramento se dá por meio do Grupo Técnico de Gafanhotos do Comitê de Sanidade Vegetal, que integra Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia.
Nava aponta para outro ponto favorável da região gaúcha mais próxima à nuvem de insetos: as plantações de arroz já foram colhidas. Mesmo assim, os bichos poderiam prejudicar culturas de inverno e, principalmente, pastagens. O pesquisador explica que somente inseticidas podem combater o gafanhoto. As aplicações exigem cuidados, já que há riscos de contaminação.
Aviação agrícola a postos
O Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola) se colocou à disposição dos órgãos públicos com sua frota de 426 aeronaves agrícolas para o combate da infestação. A entidade encaminhou ofício aos governos gaúcho e federal para alertar contra o avanço da praga dos gafanhotos sobre o Rio Grande do Sul e demais estados brasileiros.
De acordo com o Sindag, uma operação desta natureza exige um esforço de governo, com a devida autorização dos órgãos oficiais. Uma operação dessa natureza exige uma resposta muito rápida do poder público para surtir os efeitos esperados. Os produtores rurais do Rio Grande do Sul já enfrentam uma seca muito forte. Mais uma adversidade dessa natureza seria extremamente terrível para a produção agrícola da região.
Brasil tem só 2 produtos contra gafanhotos
Como previam os técnicos, a nuvem de gafanhotos entrou na província de Santa Fé nesta terça feira e, depois de percorrer quase 140 km, instalou-se perto da cidade de Lanteri. As nuvens de gafanhotos podem atravessar comunas, vilas ou cidades, mas não causam danos diretos aos seres humanos.
Dentro do país, os insetos avançaram da província argentina de Formosa, onde existem muitos produtores de mandioca, milho e cana de açúcar e do Chaco, até chegar finalmente à província de Santa Fé, com indicativos de que chegará em breve em Entre Rios e Córdoba. Na questão do Rio Grande do Sul, existe um alerta específico sobre a província de Corrientes, que faz fronteira com o Oeste do estado brasileiro.
O coordenador do programa nacional de gafanhotos do Senasa, Héctor Medina, afirmou que a nuvem se moveu quase 100 quilômetros em um dia devido às altas temperaturas e ao vento.
De acordo com especialistas, apesar de demandar monitoramento, é improvável a chegada ao Brasil da nuvem de gafanhotos que se encontra atualmente na Argentina. Se por um lado é importante monitorar a movimentação da praga, por outro preocupa a pouca quantidade de produtos registrados para controle deste inseto no Brasil.
Existem somente dois ingredientes ativos registrados no País contra a espécie Schistocerca cancellata: um piretroide, Deltametrina, que oferece ação de choque, e um produto para o controle de fases jovens, o Diflubenzuron.