Nelas o alimento é identificado e a sua produção ou processamento passa a ser atribuído a um produtor com redução a zero ou a um mínimo de atravessador
Os sistemas agroalimentares impossibilitam que esses agricultores comercializem diretamente sua produção ou se assim fazem é com uma fatia de lucro minúscula, que mal sustenta a família. Basta olharmos para os produtores de aves e suínos através do sistema chamado integração, no sul do país. Esse sistema que não permite quase nenhuma mobilidade dos agricultores oferece uma margem de lucro mínima para os trabalhadores do campo, deixando-os em uma situação de fragilidade que a qualquer tempo estarão endividados, correndo o risco de falência e consequentemente abandono das suas terras.
Muito se fala sobre o peso das grandes produções – “agronegócio” (o termo agronegócio engloba todas as categorias, pequenos, médios e grandes, primários, secundários e terciários com alguma relação com o rural, com o agrossilvipastoril, não só o grande agro normalmente exportador como pejorativamente se menciona), conglomerados agroindustriais – para a balança comercial. Sim, há razão em alguns aspectos, mas, e se todo o investimento que sempre houve e continua havendo nos conglomerados fosse investido nos pequenos produtores? Qual seria o resultado?
Contudo, é importante que não fiquemos somente na discussão sobre a real necessidade de maiores acessos para os pequenos médios agricultores, mas que tenhamos, enquanto consumidores, ação positiva para com esses atores que alimentam nosso corpo e nossa alma todos os dias. E uma forma de atuar indo na contramão dos conglomerados alimentares que pressionam o congresso para que os rótulos de alimentos não tenham a informação básica se naquele produto contém transgênicos ou não, é buscar e fortalecer as cadeias curtas de abastecimento de alimentos – CCAAs.
O que são essas cadeias?
De acordo com inúmeros estudiosos sobre o tema, as CCAAs são aquelas em que um alimento é identificado e a sua produção ou processamento passa a ser atribuído a um produtor. Havendo, portanto, informações sobre a origem, o modo de preparo, e em muitos casos as histórias por trás da forma de fazer e produzir esse alimento.
Possuindo ainda outra característica fundamental, que é a redução a zero ou a um mínimo de atravessador. As cadeias curtas possibilitam que os alimentos sejam ressocializados, onde os consumidores poderão formar um juízo de valor sobre os mesmos a partir do seu conhecimento e experiência. Permitido desse modo um relacionamento entre produtores e consumidores.
As cadeias curtas podem ocorrer de três formas:
Face a face. O consumidor compra diretamente do produtor, aqui podemos exemplificar as feiras da agricultura familiar, Comunidades que Sustentam a Agricultura – CSA, cestas prontas, vendas de beira de estrada e a compra na propriedade.
Proximidade espacial. Os produtos são produzidos e comercializados em uma região especifica. Como por exemplo marcas regionais, mercearias e restaurantes locais, cooperativas de consumidores, roteiros temáticos, lojas especializadas e agricultura de base comunitária.
Cadeia espacialmente estendida. O produto é comercializado em áreas distantes do seu espaço de produção, mas, este produto leva consigo informações sobre o modo de produção e processamento. Para essa última forma de cadeia curta, podemos usar como exemplo os produtos com Identificação Geográfica, Denominação de Origem, orgânicos e Fair Trade.
O grande feito das CCAAs é a autonomia promovida aos agricultores, familiares e campesinos, uma vez que há uma redução na dependência de insumos externos e maior controle dos processos produtivos. Esses agricultores têm a liberdade de produzir de acordo com seus conhecimentos, valores e respeito a sazonalidade da natureza, e não de acordo com as exigências do mercado para atender as demandas de padronização e frequência de produtos.
Com as cadeias curtas, é possível criar entre quem produz e quem consome uma relação de confiança interpessoal, os produtos passam a ter identidade, valores sociais, culturais, ambientais e éticos. Nessas cadeias a natureza das transações comerciais são vistas a partir dos vínculos sociais.
A reconstrução dos elos e as ligações pessoa a pessoa nos processos de compra e venda através das CCAAs, busca responder a problemas como a perda de confiança por parte dos consumidores no que diz os rótulos e os certificados sanitários que as embalagens trazem. Essas cadeias originam mais que transações econômicas, promovem amizade, interconhecimento sobre o modo de produção, o passado rural, criam uma sociabilidade.
Através da consolidação das CCAAs, teremos a oferta de uma maior variedade de produtos saudáveis, com conhecimento da origem, além de uma redução no custo de produção e por conseguinte no preço de venda ao consumidor.
Além do mais, as cadeias curtas promovem para nós consumidores um espaço onde podemos manifestar nossa preferência por determinados alimentos, tipos de produção e modos de fazer. É possível ir contra a dita Revolução Verde que desde os anos 50 do século XX promete acabar a fome no mundo, mas em verdade tem acentuado essa mazela nos últimos anos, e por certo acentuará muito mais no pós-pandemia. É factível ir contra a proposta de vida fast food, onde na urgência para enriquecer os outros corremos e comemos, sem aproveitar as delícias que uma vida slow food ou mesmo a vida normal, humana pode nos proporcionar.
Valorize a produção da sua comunidade. Compre direto de quem produz. Busque alternativas de alimentos sadios que estão no seu entorno. Fortaleça as iniciativas da agricultura familiar, campesina e indígena. Revolucione-se!!! Coma comida de verdade.
Fonte: Resumo do artigo “Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar” – Organizadores Marcio Gazolla e Sergio Schneider – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2017.
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