Um sistema de alerta e resposta precoce a violações de direitos humanos, operado por meio de uma linha telefônica para remediar conflitos e erradicar o trabalho análogo à escravidão
Os trabalhadores que trabalham em fazendas de café no Brasil agora podem conhecer melhor seus direitos e ter acesso a uma linha de ajuda onde podem tirar dúvidas gerais sobre o trabalho nas fazendas, apresentar suas reclamações sobre o trabalho e suas experiências e encontrar uma solução justa para seus problemas. Os mecanismos de reclamação são fundamentais na realização da devida diligência. Proteger os trabalhadores das fazendas de café no Brasil é o objetivo central da implementação do “Nossa Voz”, uma iniciativa liderada pelo Fundo Global para o Erradicar a Escravidão Moderna (Global Fund to End Modern Slavery – GFEMS), financiada pelo Departamento de Estado do Governo dos Estados Unidos da América para monitorar e combater o tráfico de pessoas.
Não só os trabalhadores mas também os cafeicultores estão começando a ficar atentos às questões ambientais e sociais e vêm aprimorando o trabalho de produzir café de qualidade com sustentabilidade. Para os cafeicultores, fazer parte do projeto é importante, como para o trabalhador, que as vezes fica acanhado em conversar sobre direitos trabalhistas com o empregador. Para a empresa rural também é importante, pois atua respaldada pela presença do sindicato nas negociações. O projeto “Nossa Voz” tem como objetivo a promoção de condições dignas de trabalho por meio de duas estratégias: um canal acessível e eficaz que serve para denúncias e sugestões dos trabalhadores e treinamentos sobre questões trabalhistas.
O programa funciona como um sistema de alerta e resposta precoce a violações de direitos humanos e é operado por meio de uma linha telefônica de ajuda simples e efetiva que incentiva o diálogo entre produtores e trabalhadores, oferecendo soluções para prevenção, remediação e mitigação de riscos sociais. Implementado pela LRQA (Lloyd’s Register Quality Assurance) e pela Confederação Nacional os Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), o programa conta ainda com o apoio do Instituto Trabalho Decente (ITD).
Segundo o GFEMS, trata-se de um mecanismo de reclamação que dá voz aos trabalhadores. A organização iniciou com o café porque como, os recursos do programa são oriundos de uma doação do governo americano, e essa é uma das commodities que os Estados Unidos mais adquirem do Brasil, fazia sentido, e, também, porque nos últimos cinco anos o café tem sido uma das cadeias com mais resgate de trabalho análogo escravo no Brasil. A ideia é implantar a iniciativa também em outras cadeias produtivas nos próximos anos.
Além de receber as dúvidas dos trabalhadores o “Nossa Voz” também atua na disseminação de informações por meio de parcerias com as fazendas. O programa realiza reuniões com os trabalhadores para difundir a iniciativa e discutir direitos trabalhistas. Outra vertente muito importante, principalmente na dinâmica da cadeia do café, é a de desenvolver um trabalho na origem do processo de contratação dos trabalhadores. Nos municípios dessa mão-de-obra, onde são normalmente recrutados, desenvolve-se um trabalho de concentração com esses trabalhadores antes deles serem contratados, mostrando-lhes quais direitos têm, para que, quando migrarem, já estejam conscientes desses direitos e da linha de ajuda do programa.
Ao longo dos últimos 12 meses, o “Nossa Voz” firmou parceria com importantes atores da cadeia produtiva do café. Até o momento, foram realizados treinamentos com cerca de 500 trabalhadores em 22 fazendas no sul e norte de Minas Gerais. Entre seus parceiros institucionais estão o Pacto Global, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Plataforma Global do Café, a Rainforest Alliance e as ONGs internacionais Verité e Solidaridad.
Para os técnicos que fazem parte do projeto, embora a cadeia do café tenha avançado em importantes temas como manejo de agroquímicos, saúde e segurança, boas práticas agrícolas de manejo do solo e de água, na agenda social, que vai além do cumprimento da legislação trabalhista, ainda existe muito trabalho a ser feito. O Brasil é o maior produtor mundial de café, detendo entre 30% a 45% do mercado internacional do produto, mas a produção ocorre em fazendas muito díspares. São 300 mil fazendas entre pequenas, médias e grandes. Destas, 80% são pequenos produtores familiares que demandam informações e apoio para que haja uma conscientização geral sobre o tema social.
A ideia é que o próprio representante dos trabalhadores receba as interações. Isso dá mais confiabilidade para que os empregados procurem o canal de ajuda. Os trabalhadores têm usado o canal mais para tirar dúvidas do que para realizar reclamações. As questões mais comuns são sobre Bolsa Família, jornada de trabalho, dúvidas sobre PIS e sobre os contratos vigentes. Identificando-se indícios de trabalho análogo à escravidão, mantém-se o sigilo, orientando o trabalhador sobre o que ele deve fazer para se manter em segurança, orientando-o a não dizer que denunciou. Imediatamente aciona-se a fiscalização trabalhista.
Os técnicos contam que o trabalhador ainda tem muita dificuldade em resolver as questões trabalhistas com o empregador porque a correlação de forças é muito desigual. Assim, a organização entra nesse diálogo dando um pouco de equilíbrio e com poder de negociação, autonomia e experiência para tratar as questões e encaminhar os casos. O WhatsApp do Nossa Voz (55 0800 591-2310) pode ser usado por qualquer trabalhador rural da cadeia do café, mesmo por quem não trabalha em fazenda parceira do programa.