O contato do inseto com a cama do aviário e com a carcaça de aves mortas, pode fazer do cascudinho o principal vetor de patógenos na avicultura industrial do Brasil.
O cascudinho (Alphitobius diaperinus) é uma praga que tem causado grandes prejuízos para a avicultura, sendo vetor de diversas doenças, como a Salmonelose, Escherichia coli, Streptococcus sp, Influenza, rotavírus e enterovírus, além de favorecer o desenvolvimento da leucose aviária. É também conhecido como praga secundária de farinhas, rações e grãos armazenados.
Tais condições apropriadas, como: constância da faixa de temperatura em operação no interior dos galpões, níveis de umidade naturalmente observados na cama, reaproveitamento desta no intervalo de lotes, disponibilidade de alimento, água e refúgio, favorecem a permanência e o desenvolvimento do cascudinho, no qual uma vez estabelecidos, multiplicam-se rapidamente. São encontradas altas populações em “camas de frango” de corte, de matrizes, e em fezes de poedeiras de ovos comerciais confinadas em gaiola. Práticas agrícolas de utilização de cama de frango como adubo favorecem a dispersão da praga.
As larvas do cascudinho são capazes de causar lesões na pele da ave, o que pode favorecer infecções secundárias e impactar no bem-estar e na qualidade da carcaça. Além disso, as aves, principalmente as mais jovens, acabam ingerindo o inseto ao invés da ração balanceada, o que prejudica os índices zootécnicos do lote.
De acordo com especialistas, a praga é recorrente em todas as épocas do ano, mas pode ser mais comum em períodos de maior umidade e temperatura mais elevada.
Outro ponto muito importante é a capacidade do cascudinho de transmitir doenças entre um aviário e outro. Segundo estudos, a bactéria Salmonella sobrevive no cascudinho por um período de 6 a 12 dias em adultos e larvas, e cerca de 20% dos insetos se mantém infectados na fase adulta. No entanto, não há evidências de que o cascudinho possa se deslocar entre as granjas. Os produtores devem estar atentos à presença da praga no aviário para adoção de medidas de controle e prevenção.
É importante destacar também que a ingestão acidental do cascudinho pelas aves pode prejudicar a alimentação do lote e aumentar a conversão alimentar, o que impacta diretamente nos índices zootécnicos do lote.
Características do inseto
O cascudinho (Alphitobius diaperinus), originário do continente Africano, é um inseto da ordem dos coleópteros pertencente à família Tenebrionidae. Foi introduzido em outros países por meio de alimentos contaminados e, com o sistema de criação intensivo, achou condições propícias para seu desenvolvimento no ambiente avícola. É uma espécie cosmopolita, e no Brasil encontrou nos aviários de frango de corte, matrizes e perus um ambiente ideal para proliferação.
Seu ciclo de vida varia de 40 a 100 dias, dependendo dos fatores ambientais. Em países quentes, como o Brasil, o inseto encontra, no verão, condições ideais de multiplicação. Depois de 6 a 10 do acasalamento, as fêmeas iniciam a postura. Os ovos de coloração esbranquiçada são depositados na cama de frango (substrato de palha de grãos ou resíduos de serrarias utilizados para acomodar as aves) ou em frestas das instalações. Seu ciclo de vida contempla as etapas: ovo, larva, pupa e adulto. Em temperatura e umidade relativa do ar adequados, a eclosão das larvas ocorre em 3 a 10 dias, as quais sofrem de 5 a 10 mudas com duração de 5 a 11 dias cada, atingindo o estágio de pupa/crisálida. Estas se desenvolvem de 4 a 14 dias, quando se tornam adultas e podem viver de três meses a mais de um ano. Os insetos adultos medem de 5,0 a 6,0 mm de comprimento e tem coloração castanha a negra.
O ciclo completo do cascudinho à temperatura constante de 28ºC é de 42,5 dias, o que indica que a cada lote introduzido na granja (o que ocorre a cada 50 – 60 dias, aproximadamente) pode ocorrer uma nova geração de insetos, podendo cada fêmea produzir acima de 2 mil ovos.
Possuem hábito noturno e durante o dia abrigam-se sob a superfície da cama, junto a colunas, frestas nos pisos e paredes ou sob os equipamentos, principalmente os comedouros. Esta versatilidade de refúgio em locais de difícil acesso traz dificuldades no controle, pois quando a cama nova é colocada, as larvas e adultos retornam rapidamente.
Alimenta-se de grãos, farinhas armazenadas, ração, fezes, carnes e órgãos internos de aves mortas ou moribundas. Os insetos adultos podem viver até 400 dias.
Importância econômica
O cascudinho pode afetar a saúde e desenvolvimentos das aves, direta ou indiretamente. O contato direto do inseto com a cama de frango (rica em excretas e restos de ração), associado ao hábito deste de se alimentar com carne e órgãos internos de aves mortas ou moribundas, faz desse coleóptero um possível veiculador de diversos patógenos, como: o vírus da leucose aviária; vírus da Doença de Gumboro; Coronavirus; bácterias como Micrococcus sp., Streptococcus sp., Corynebacterium sp., Bacillus subtilis, Staphylococcus aureus, Proteus mirabilis, P. vulgaris, Paracolobactrum intermedium, Escherichi coli, E. intermedia, E. freundii, Serratia marcescens, Klebsiella-Aerobacter, Pseudomonas aeruginosa e Salmonella sp.; fungos como Aspergillus flavus, A. niger, A. repens, A. candidus, Penicillium sp. e Candida sp.; e protozoários como Eimeria sp.
Outro fator importante é que as aves, principalmente quando mais jovens, em razão do seu comportamento de ciscar e comer material em movimento, acabam ingerindo o inseto ao invés da ração balanceada e em consequência disso a conversão alimentar aumenta, prejudicando os índices zootécnicos do lote. A ingestão desses insetos adultos, os quais possuem exoesqueleto e élitros rígidos, podem causar lesões no trato gastrointestinal, deixando-o vulnerável à entrada de patógenos. No abatedouro, pode ocorrer contaminação da carcaça quando se dá a extração do papo e a moela.
Cada pintinho pode ingerir, nos 10 primeiros dias de vida, 450 larvas desses besouros. As larvas podem também lesionar a pele do animal, causando infecções secundárias, prejudicando a qualidade da carcaça no frigorífico.
No que se refere à depreciação das instalações, as larvas do cascudinho escavam túneis no material isolante para empoparem e acabam destruindo a proteção de poliuretano e cortinas de isolamento, usadas para proteção térmica dos animais e, como consequência, as aves têm maior gasto energético na tentativa de se manterem em conforto térmico, diminuindo o ganho de peso. A ação direta da praga sobre as aves compromete o bem-estar animal, afetando o comportamento natural e influenciando o nível de conforto.
Controle
O controle do cascudinho tem sido considerado difícil. Característica como ciclo de vida curto do inseto e o comportamento favorecem reinfestações, já que os aviários mantêm um ambiente ideal para sobrevivência e propagação destas pragas, que inclui a elevada quantidade de material orgânico, com alta temperatura, umidade e abrigo nas instalações (fendas, rachaduras, abaixo dos comedouros e abaixo do solo, próximo aos pilares de sustentação dos galpões, etc.). Além disso, seus inimigos naturais são pouco conhecidos.
Resistência aos inseticidas, tipo de piso do aviário, reuso da cama por vários lotes consecutivos sem tratamento adequado, alto custo para aquisição de cama nova todo lote ou implantação de técnicas de enlonamento utilizando lona apropriada, mão de obra cada vez mais limitada no campo, bem como características intrínsecas ao inseto, como o ciclo de vida (já mencionado anteriormente) e comportamento, são fatores que também dificultam o controle do inseto.
Devido à falta de métodos alternativos, os produtores dependem, principalmente, do controle químico (o mais utilizado) para suprimir as populações de cascudinho nos aviários, sendo os inseticidas piretróides e organofosforados o método mais utilizado. No entanto, a alta quantidade de matéria orgânica nos aviários reduz a eficácia de muitos tratamentos, resultando em baixos níveis de controle e elevação no custo de produção, já que as aplicações, em geral, são onerosas. Outra preocupação adicional quanto à dependência de inseticidas químicos é o seu curto período residual, cuja utilização causa redução temporária e é limitada pela presença constante de aves nos aviários, além da possibilidade de ocasionar o aparecimento de resistência na praga e causar intoxicação aos animais e ao homem, quando não seguidas as recomendações do fabricante.
A aplicação de inseticida tem como alvo os besouros adultos e as larvas. Na prática, o que tem se mostrado efetivo para manter a infestação desse inseto a níveis aceitáveis é a integração estratégica de métodos de controle químico e físico, ou seja, a aplicação de inseticida e um programa minucioso de limpeza e desinfecção são fundamentais para o seu controle.
Controle químico dos cascudinhos
Dentre os ativos pertencentes à classe dos piretróides, encontra-se a Cipermetrina, inclusa na maioria dos produtos inseticidas contra cascudinho. Na literatura são relatados vários casos de resistência à Cipermetrina, pois além de ser um dos ativos mais utilizados no combate à praga, é, muitas vezes, empregado de forma irresponsável por produtores e técnicos.
Segundo pesquisadores que avaliaram a resistência de Cipermetrina, Diclorvós e Triflumuron em diferentes populações de cascudinho, verificaram que a suscetibilidade à Cipermetrina variou aproximadamente 10 vezes entre as diferentes populações. A população de cascudinho mais sensível à Cipermetrina foi coletada em granja que não recebeu inseticidas com o ativo nos últimos dois anos. Já as populações mais resistentes são oriundas de aviários que receberam inseticidas com o ativo nos últimos anos.
Alguns autores relataram a baixa efetividade de produtos comerciais à base de Cipermetrina. Uma alternativa para este cenário, é a utilização de produtos cuja base não seja Cipermetrina. Produtos à base de Deltametrina, por exemplo, entram como uma ótima opção no controle do cascudinho.
Recomenda-se uma aplicação imediata após o despovoamento, tanto dentro como fora do aviário, pois assim que a temperatura do aviário baixar os cascudinhos começarão a migrar para um local mais quente. A área externa do aviário deve ser pulverizada para impedir a migração para outros aviários nas granjas. Infestações graves podem necessitar várias aplicações.
Crucial seguir as orientações do fabricante relativas à segurança e mistura adequada dos inseticidas. Um plano comum de alternância dos inseticidas (grupos químicos diferentes) a pelo menos cada 3 plantéis, reduzirá as chances de que os cascudinhos desenvolvam resistência.
Ácidos orgânicos, como o cítrico, prolongarão o efeito dos piretróides e organofosforados e devem ser adicionados ao tanque quando esses tipos de inseticidas forem utilizados.
A utilização de condicionadores químicos na cama de aviário, como a cal hidratada, a cal virgem, o sulfato de alumínio e o gesso agrícola, entre outros, associada à fermentação por enleiramento e enlonamento no vazio sanitário, revelam-se alternativas para o controle de cascudinho. Os condicionadores químicos têm efeitos relacionados a mudanças nos gradientes de umidade na cama, produção de gases no interior das instalações, controle de micro-organismos de interesse epidemiológico e alteração das propriedades do adubo residual da atividade. A cal hidratada, especificamente, tem sido utilizada como dessecante, absorvendo o excesso de umidade e promovendo a secagem, criando assim um ambiente hostil para insetos e patógenos.
Controle físico dos cascudinhos
Baseia-se, principalmente, na implantação de um bom programa de limpeza e de desinfecção do aviário e áreas adjacente, seguindo criteriosamente os procedimentos descritos, garantindo que resíduos de cascudinho e qualquer contaminação bacteriana por eles deixados sejam removidos. Importante que após o despovoamento sejam retirados os restos de ração de comedouros e silos. Estes devem ser armazenados em local apropriado, fora dos aviários.
Em granjas com vários aviários, sendo possível, praticar o alojamento “todos dentro todos fora” (all in all out), evita a migração dos cascudinhos e facilita seu controle.
A estrutura do aviário também desempenha um papel importante, no qual os aviários fechados, com boa drenagem de água e um piso de cimento liso, reduzirão as populações de cascudinho.
Como no Brasil, a produção de frangos de corte se dá basicamente sob cama de reuso, o controle do inseto torna-se mais difícil. O alto custo para o produtor inviabiliza a troca de cama a cada lote, fazendo com que a reutilizem por até oito lotes consecutivos. Algumas agroindústrias e cooperativas agroindustriais chegam a reutilizar a cama por até 12 ou 15 lotes, realizando retirada gradual da cama. Em contrapartida, os produtores de frango da Europa não reutilizam a cama, e nos Estados Unidos utilizam a cama por até 30 lotes consecutivos.
Uma alternativa ao controle de cascudinhos sob cama de reuso tem sido o enlonamento de cama, realizado durante o intervalo sanitário. O enlonamento de cama pode ser realizado de duas formas: enlonamento sem enleiramento e o enlonamento com enleiramento. Tais métodos, além de promoverem redução da carga bacteriana na cama e melhora no desempenho das aves, podem contribuir para o controle do inseto.
O método fermentativo consiste basicamente na produção de calor devido ao metabolismo microbiológico da cama, sendo realizado no intervalo entre lotes, variando de 5 a 17 dias. O método fermentativo atinge, na maioria das vezes 60oC, havendo dificuldade em alcançar temperaturas uniformes no envelope. Tais métodos exigem adição prévia de água sobre a cama.
O método fermentativo por enlonamento de cama é um método de tratamento mais viável para auxiliar o controle de cascudinhos, tanto em aviários de piso de concreto quanto em aviários de chão batido. Dois a três dias após o início do enlonamento recomenda-se aplicar inseticidas líquidos nas bordas da lona, pois é nesta hora que o inseto procura sair de dentro do envelope, fugindo do calor e gases tóxicos.
Outro método empregado no tratamento de cama é o uso de cal virgem. A dosagem média varia ao redor de 0,5 Kg/m². A adição de cal sobre cama resulta em aumento na mortalidade de adultos e larvas de cascudinho.
Conclusão
Compreender a morfologia, o ciclo de vida, os hábitos e a importância econômica do cascudinho no ambiente avícola, assim como utilizar estes conhecimentos de forma inteligente, integrando estratégias de controle físico e químico, é possível manter níveis baixos infestações desta praga nos galpões.
O manejo de limpeza dos galpões e a aplicação de inseticidas antes da reintrodução de um novo lote não são suficientes para controlar de forma adequada toda a população de cascudinhos. É impossível eliminar 100% dos cascudinhos em um aviário. O controle deve ser feito utilizando inseticidas de forma racional e consciente para minimizar os problemas de resistência. Faz-se necessário combinar o uso de inseticidas químicos com novas moléculas, diferentes da Cipermetrina, e técnicas de tratamento de cama de reuso, como o método fermentativo.
Diante disso, é fundamental que os produtores adotem a limpeza e desinfecção regular do ambiente, o uso de telas e outros recursos para evitar a entrada da praga, e a adoção de medidas de biosseguridade para prevenir a transmissão de doenças entre os animais. Com essas medidas, é possível garantir a saúde e o bem-estar das aves, além de garantir a qualidade e a produtividade da produção avícola.