Daniel Afonso da Silva explica que a gravidade sanitária em que vivem se expande também para os estados onde as comunidades estão povoadas
O Censo Demográfico de 2022, conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trouxe pela primeira vez dados específicos sobre as comunidades quilombolas no Brasil. Segundo o levantamento, são 8.441 localidades quilombolas e cerca de 1,3 milhão de pessoas, ou 0,65% da população brasileira, que se autodeclararam como remanescentes de quilombos. Esse marco histórico revela a importância de se aprofundar na realidade dessas comunidades, que são descendentes de agrupamentos que resistiam à escravidão e enfrentam uma série de desafios.
Embora a Constituição de 1988 tenha reconhecido os quilombolas como patrimônio nacional — 100 anos após a Lei Áurea —, somente em 2022 essas comunidades passaram a ser incluídas formalmente nos dados censitários. Segundo Daniel Afonso da Silva, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri) da Universidade de São Paulo, o levantamento foi uma conquista social. “Pouco a pouco, o Estado brasileiro vai reconhecendo a relevância, a importância, e mais do que isso, vai formalizando o seu interesse em valorizar e considerar a relevância e a importância dos quilombolas no Brasil”, comenta.
Apesar dos avanços no reconhecimento formal, a realidade das comunidades quilombolas ainda é marcada por extrema precariedade. De acordo com o Censo, 90% dessas comunidades convivem com uma infraestrutura deficiente, especialmente em relação ao saneamento básico. Dados alarmantes mostram que serviços como abastecimento de água e coleta de lixo são frequentemente inexistentes ou precários nessas áreas, além de alguma parte da sua população não ter acesso a banheiros.
Contudo, o pesquisador chamou a atenção para o fato de que essa precariedade não é exclusiva das comunidades quilombolas, principalmente nos estados do Maranhão e da Bahia, onde se concentram 50% da população quilombola, ou seja, essa gravidade faz parte de uma realidade socioeconômica mais ampla que afeta grande parte da sociedade brasileira, apesar de ser ainda mais severa em comunidades marginalizadas. Ele complementa: “No Brasil, 24% da população, em geral, não dispõe de nenhum acesso a qualquer serviço de saneamento básico e metade da população brasileira não tem acesso à água. Quando nós pegamos esses dados gerais e projetamos nesses dois estados, o Maranhão e a Bahia, o número sobe. Então, eu não estou querendo minorar a gravidade da situação nas comunidades de remanescentes de quilombolas, mas a sociedade brasileira, como um todo, precisa avançar nesse quesito”.
Mesmo com avanços significativos desde a última Constituição, principalmente agora no Censo Demográfico de 2022, Afonso da Silva explica que os passos feitos são muito lentos e ainda faltam medidas concretas, através de políticas públicas, para melhorar as condições de vida dos quilombolas. “No fundo, a desigualdade no Brasil é crônica e a disparidade de acesso a serviços públicos básicos também é crônica. Quando nós seccionamos um segmento da população brasileira, como no caso dos remanescentes de quilombos, é evidente que a situação fica ainda mais grave. A sociedade brasileira precisa avançar, e talvez avançar mais rapidamente”, finaliza.
Fonte: Daniel Afonso da Silva (Nupri)/Jornal da USP
Imagem de topo – Fotomontagem com imagens de Johann Moritz Rugendas – José Cruz/Agência Brasil