Serviços comerciais no espaço têm vasta gama e são um mercado em amplo crescimento, que pode movimentar trilhões de dólares ao longo da próxima década
De acordo com a agência da ONU (UNOOSA), desde o começo da era espacial, em 1957, com o lançamento da Sputnik, quase 9 mil objetos foram para o espaço, enviados por 80 nações e organismos multilaterais. A agência europeia tem uma estimativa ainda mais alta. De qualquer forma, ambos concordam que há hoje cerca de 2 mil satélites operacionais.
Um estudo recente divulgado pelo Morgan Stanley indica que essa indústria pode atingir US$ 1,1 trilhão ou mais de faturamento global até 2040, partindo dos atuais US$ 350 bilhões. Um salto astronômico. Para o mercado de satélites dedicados à observação terrestre, a empresa de consultoria Euroconsult prevê um crescimento de 9,4% ao ano até 2028.
Colheita Via Satélite?
De acordo com a firma de VC (venture capital – capital de risco) nova-iorquina Space Angels, entre 2009 e 2018 foram investidos quase US$ 20 bilhões em startups de todos os tipos que atuam no mercado de satélites. Segundo a empresa, serviços comerciais no espaço têm vasta gama e são um mercado em amplo crescimento, que pode movimentar trilhões de dólares ao longo da próxima década, previsão ainda mais ousada que a do Morgan Stanley. Ainda que num primeiro momento o CEO da Space Angels, Chad Anderson, tenha recomendado preservação de capital, o setor mostrou resistência ao coronavírus, na avaliação de outra empresa, a Space Capital.
Mais que isso, a Space Capital detectou um crescimento nos aportes financeiros na categoria “aplicações”, softwares construídos para tratar os dados obtidos por meio de observação espacial, como é o caso das soluções que servem ao agronegócio.
Muito tem se falado a respeito de financiamento a empresas durante a pandemia e um dos setores sensíveis continua sendo o crédito rural, que sempre esteve concentrado nas mãos dos grandes bancos e dos fornecedores de insumos agrícolas e eram inacessíveis para produtores que não conseguissem apresentar garantias reais, como provas do atual estágio da lavoura e o que estava plantado naquela área.
Sabe como é realizada a análise para concessão de crédito ao produtor rural?
Dados, é claro. Sempre eles. O produtor informa qual a área plantada, qual a cultura, em que estágio está a plantação, qual a previsão de colheita e várias outras informações essenciais para avaliação do risco de financiamento.
Até pouco tempo, a checagem costumava ser feita exclusivamente comparando imagens do Google Earth, enviando pessoas ao local ou nem isso, para fazer um cálculo por aproximação com base em dados genéricos de órgãos governamentais para aquela região específica.
Hoje é diferente. Há uma revolução tecnológica no campo que está mudando profundamente o mercado de crédito. As agfintechs, como são chamadas as startups que integram o agronegócio, mercado financeiro e tecnologia, coletam uma quantidade massiva de dados a partir da observação por satélite das lavouras.
Com isso, disponibilizam informações mais precisas e seguras que implicam num score de crédito mais confiável, risco menor para quem empresta, juros mais baixos para o produtor e, no final da cadeia, eventualmente, custo mais baixo ao consumidor.
Dependendo dos satélites com os quais se trabalha, as informações são mais ou menos precisas. Há muitas possibilidades com diferentes resoluções espectrais, espaciais ou temporais, permitindo atender diversas demandas do mercado.
Dependendo da composição de bandas que é feita, é possível enxergar não apenas quais os talhões de uma fazenda têm safras plantadas, mas também calcular o nível de umidade do solo e a quantidade de água na planta. Os dados são disponibilizados com bastante frequência (mensalmente e até mesmo diariamente, dependendo do satélite), o que é praticamente em tempo real para esse mercado.
Com base nestas informações e o uso de inteligência artificial, é possível fazer projeções mais confiáveis a respeito do histórico de retração ou expansão de uma lavoura dos últimos anos com uma confiabilidade maior que 90%.
Informações com esse nível de detalhe servem para ajudar o mercado na tomada de decisão. Seja o banco na hora de determinar o score de crédito do produtor, uma trading que está na dúvida se deve ou não comprar uma determinada quantidade de soja, milho ou cana ou até mesmo se uma operação de barter (empréstimo a ser pago com a própria safra futura) é segura.
Um dos maiores pesadelos de quem usa imagens de satélite são as condições climáticas, pois o tempo nublado prejudica a visualização. No entanto, atualmente já há diversos radares em operação que utilizam ondas para as quais as nuvens não são obstáculos, tornando os resultados confiáveis mesmo sob qualquer evento meteorológico extremo.
O céu (não) é o limite
O mercado está entrando em um ciclo virtuoso, já que na medida em que cresce a procura por satélites comerciais, mais empresas lançam objetos espaciais com novas soluções e podem recuperar o investimento mais rápido, o que faz crescer em quantidade e qualidade os serviços de análise dos dados.
Isso se reflete na redução do custo cobrado de quem utiliza o serviço, como é o caso das agfintechs. Nos últimos anos, o preço das imagens reduziu drasticamente.
Além da Airbus, atuam nesse mercado espacial diversas empresas, como, por exemplo, Planet, Maxar (antiga Digital Globe), JAXA, Kompsat, Ice Eye, Spire, Axel Space, a argentina Satellogic e até uma das pioneiras da ida do homem ao espaço, a NASA.
Graças ao aumento de competidores surgem soluções cada vez mais avançadas, como os micro e nano satélites, muito menores que os antigos. Ao mesmo tempo, a ampliação da rede de telecomunicações global facilitará serviços na nuvem com a possibilidade de se ter acesso a informações em tempo real.
A nova corrida espacial, portanto, pode ter como ponta de lança planos futuristas como levar o homem a explorar Marte e outros cantos do universo, mas seu foco principal é colocar em órbita constelações de satélites para coletar gigantescas quantidades de dados e resolver problemas “mundanos”, como o cobiçado crédito agrícola.
Fonte: Rafael Coelho – Administrador de empresas graduado pelo Insper-SP e Univ. Carlos III de Madrid (Espanha)
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