Foram encontradas discrepâncias entre o volume de madeira declarado às autoridades e o que foi estimado com base em imagens de satélite
Dois grandes projetos de carbono na Amazônia brasileira, cujos créditos foram vendidos a empresas como Gol, Nestlé, Toshiba e PwC, podem ter sido usados para lavar madeira retirada de áreas desmatadas ilegalmente. A conclusão é do Centro para Análise de Crimes Climáticos (CCCA, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos fundada por procuradores e investigadores. Com sede na Holanda, a ONG investiga emissores de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global.
Autoridades brasileiras já haviam investigado casos de lavagem de madeira nas áreas analisadas pelo CCCA. Uma destas investigações resultou na condenação do dono de uma empresa responsável por um dos empreendimentos.
O CCCA fez a análise a pedido da Mongabay, depois que uma fonte anônima apontou a participação de pessoas condenadas por lavagem de madeira nos projetos. O CCCA analisou dois projetos REDD+ – Unitor e Fortaleza Ituxi – no município de Lábrea, estado do Amazonas. Juntos, eles abrangem uma área de 140.862 hectares — o tamanho do município de São Paulo — e visam impedir a emissão de 660.598 toneladas de CO2 por ano ao evitar o avanço do desmatamento em uma das áreas mais pressionadas da Amazônia.
A sigla REDD+ significa Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. A ideia é que os proprietários rurais recebam dinheiro para proteger áreas que, sem este apoio, poderiam ser desmatadas. As emissões evitadas como resultado dessa proteção podem então ser vendidas como créditos de carbono. As empresas que compram estes créditos podem dizer aos seus clientes e investidores que estão “compensando” suas pegadas de carbono e ajudando a combater as mudanças climáticas ao manter em pé florestas estratégicas.
Os dois projetos analisados pelo CCCA apostam em planos de manejo florestal sustentável, um sistema em que a madeira é cortada e vendida sob rigorosas normas ambientais, como uma das principais ferramentas para garantir a vigilância da área e evitar o desmatamento ilegal. “A presença de trabalhadores nas atividades de manejo é o primeiro fator para inibir as pressões de invasões dentro da Área do Projeto”, informa uma apresentação do Fortaleza Ituxi. “A maioria das metodologias permite a exploração sustentável de madeira”, disse à Mongabay Bárbara Bomfim, engenheira florestal brasileira e especialista em carbono do Lawrence Berkeley National Laboratory, nos Estados Unidos.
Nesses dois casos, no entanto, o CCCA encontrou discrepâncias entre o volume de madeira declarado às autoridades e o que foi estimado com base em imagens de satélite – uma incompatibilidade que indica que essas áreas podem ter sido usadas para lavar o equivalente a mais de 4.200 caminhões de madeira.
No Brasil, toda madeira comercializada deve vir acompanhada de um DOF, ou Documento de Origem Florestal, também conhecido como crédito de madeira. Uma vez aprovado o plano de manejo florestal pelas autoridades ambientais, o proprietário está autorizado a emitir um número de DOFs correspondente ao volume de árvores que pode extrair daquela área.
A lavagem de madeira no Brasil é ilegal e envolve a compra de créditos de madeira falsos, oriundos de projetos de manejo florestal subexplorados. O crédito é emitido por projetos aprovados, mas as árvores a que esses créditos correspondem não são cortadas. Ao invés disso, os criminosos usam os documentos falsos para regularizar madeira retirada ilegalmente de áreas onde a exploração é proibida, como Terras Indígenas e áreas de conservação.
Alguns grupos criminosos no Brasil são especializados em obter a aprovação de planos de manejo florestal por órgãos ambientais apenas para emitir créditos falsos.
Para avaliar o tamanho das áreas exploradas nos planos de manejo florestal dos dois projetos REDD+, o CCCA usou uma tecnologia de imagens de satélite chamada NDFI (Índice Normalizado de Diferença de Fração, na sigla em inglês) que mostra as cicatrizes deixadas na floresta pelos madeireiros. A tecnologia já é usada no Brasil pela Polícia Federal, pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado do Pará, e pelo Simex, o sistema de monitoramento da exploração de madeira desenvolvido por institutos de pesquisa independentes, como Imazon, Imaflora, Idesam e ICV.
O CCCA multiplicou a área explorada mostrada nas imagens de satélite pelo volume médio de madeira por hectare registrado em cada autorização de plano de manejo florestal. Essa média é calculada a partir de um inventário florestal realizado in loco pelo proponente do projeto. O resultado mostrou ao CCCA uma estimativa de quanta madeira foi provavelmente extraída durante um determinado período. A seguir, essa estimativa foi comparada com o volume declarado ao Ibama no sistema DOF. As análises das áreas de manejo florestal dos projetos Fortaleza Ituxi e Unitor (NEG)mostraram diversas discrepâncias que são fortes indícios de possível lavagem de madeira.
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