Capacitação dos produtores para o cultivo de microrganismos “on farm” é um dos principais desafios para a disseminação da tecnologia
O uso de bioinsumos cresceu consideravelmente em 2023 e o potencial de crescimento segue na pauta do agronegócio brasileiro neste ano. Os bioinsumos são muito atraentes pois a pegada de carbono desses produtos é menor que a dos convencionais e além disso, ajudam a melhorar a saúde do solo, aumentam a eficiência no uso de nutrientes e a qualidade da produção agrícola.
Aí vem a pergunta: é possível ampliar o uso de biológicos na agricultura familiar? A resposta de pesquisadores brasileiros é sim, desde que o método seja fácil e não muito custoso. Esse é o caso da multiplicação de microrganismos na fazenda, sistema em que os agricultores podem ter acesso a bactérias ou fungos registrados no país e administrar seu uso na lavoura, sem comercializá-los.
Atentos ao desafio, pesquisadores do Campus Avaré do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) estudaram cinco tipos de moléculas – registradas no mercado brasileiro – que podiam ter um crescimento exponencial se manipuladas com auxílio de ingredientes inusitados: arroz parboilizado e panela de pressão.
Durante dois anos, a pesquisadora Marcela Pavan Bagagli e sua equipe de dez estagiários testaram diferentes técnicas de reprodução de microrganismos benéficos à lavoura até encontrarem o cereal como o meio sólido que teve o melhor resultado em pouco tempo de multiplicação. Para avolumar as cepas, é necessário submetê-las a processos de fermentação que exigem calor. Por isso, a panela de pressão foi a escolha dos cientistas para realizar o processo.
Essa atividade é simples, mas precisa de acompanhamento técnico. Durante visitas a propriedades de Avaré, os pesquisadores ofereceram um kit base para multiplicar os microrganismos. Ele continha seringas com um líquido branco que carregava o “elixir” de combate a pragas e insetos comuns em hortaliças, além de um efeito de nutrição no solo. É uma espécie de vacina que inocula a cepa no arroz. O combo tem ainda saquinhos plásticos que embalam o arroz cozido em alta temperatura. O cereal passa por cocção para receber a cepa. Esse “bolor” é o resultado da reprodução dos microrganismos que, a partir daí, poderá ser misturado na água e pulverizado nas plantas.
Produtores de hortaliças que nunca tiveram contato nem acreditavam no potencial dos biológicos, perceberam que suas hortas renderam mais com produtos visualmente mais bonitos. O experimento está sendo conduzido há seis meses, mas já se notou resultados depois de 20 dias da primeira aplicação. Segundo relatos, pragas como pulgões, que atingem principalmente a alface, traça do tomateiro, vaquinha e lagarta de rosca deixaram de atacar as culturas.
Todo o processo é feito dentro de um projeto de extensão e pesquisa do Instituto. Não se trabalha com novos produtos ou nova cepas, um processo que exigiria etapas legais mais complexas, mas sim com aquelas já identificadas como úteis para a agricultura e que têm o uso testado e aprovado de alguma forma. O IFSP testou cinco microrganismos, os mais “generalistas”, que podem ser aplicados para diferentes funções: Metarhizium anisopliae, Beauveria bassiana, Bacillus thuringiensis, Bacillus subtilis e Trichoderma harzianum.
O trabalho não é feito em um contexto de total substituição de insumos químicos. Ao contrário: o foco é atrair produtores de orgânicos ou que já utilizam bioinsumos por meio de comunidades de microrganismos. Qualquer produtor pode produzir microrganismos em sua propriedade se tiver acompanhamento técnico, com registro do estabelecimento e controle dos microrganismos utilizados ou cepas registradas no país. Mesmo sendo um método recente, o uso de biológicos para controle fitossanitário é disciplinado pela Lei 14.785 de 27 de dezembro de 2023.
O Projeto de Lei (PL) 658/2021, que tramita no Senado para contemplar diferentes características da cadeia de insumos biológicos, inclui o artigo 9º, conhecido entre os produtores e indústria por autorizar a produção de bioinsumos dentro das propriedades para consumo próprio. O texto veta a comercialização desses produtos denominados “on farm”. Não há regulamentação específica e, por enquanto, são regras de níveis de produção na propriedade rural, o que inclui a agricultura familiar. Enquanto o PL não é aprovado, o projeto está no limbo dos bioinsumos. Por isso, tudo está sendo feito no caráter de projeto de extensão, com componentes de produtos comerciais.
Biossegurança e efetividade são o outro lado da discussão sobre a produção desses insumos biológicos na propriedade. Se, por um lado, o acesso a esses produtos segue limitado, até mesmo para grandes produtores, por outro, ainda há argumentos conflitantes a favor e contra a produção de bioinsumos dentro das propriedades rurais, alerta Jerri Zilli, pesquisador em microbiologia do solo da Embrapa Agrobiologia. Zilli frisa que a produção na propriedade não pode ser conduzida de qualquer forma, sem embasamento técnico, e precisa responder a diretrizes já determinadas pelo Ministério da Agricultura. É preciso suprir a demanda de pequenas, médias e grandes propriedades, por isso é necessário se encontrar um caminho para os biológicos produzidos na propriedade rural que não pode ser traçado de qualquer forma.
Como saída, Zilli idealiza construir biofábricas em parceria com cooperativas e associações, uma forma de democratizar o acesso a microrganismos e dar segurança coletiva aos produtores, como um modelo de negócios regulado. Para ele, o cooperativismo e o associativismo podem reunir vários produtores e oferecer estrutura técnica especializada para viabilizar o biológico produzido na propriedade.
O pesquisador salienta que multiplicar microrganismos não é tão simples quanto multiplicar sementes. Como exemplo, ele relata que muitas análises realizadas em lavouras com bioinsumos nos últimos anos concluíram que as cepas dos microrganismos sequer estavam presentes nas plantações que supostamente os haviam recebido. A maior parte de produtores não tem conhecimento adequado sobre fungos e bactérias. Por isso é fundamental levar capacitação ao campo. Em breve, também será importante debater formas de financiamento público para expandir a tecnologia para hortifrútis, que ainda não vivenciaram a revolução biológica.
Origem: Isadora Camargo/Globo Rural