A nova espécie foi identificada em cinco locais na região do Rio Madeira, mas apenas duas populações, dentro dos limites do Parque Nacional Mapinguari, estão relativamente seguras
Uma nova espécie de bambu foi identificada em Rondônia, mas sua existência já está em risco. A planta, batizada de Merostachys tonicoi, foi descrita por cientistas do Museu Paraense Emílio Goeldi, da Universidade de Brasília e da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília-DF), em artigo publicado pela revista Phytotaxa. O novo bambu foi identificado em cinco locais na região do Rio Madeira, mas apenas duas populações, identificadas dentro dos limites do Parque Nacional Mapinguari, estão relativamente seguras. Uma das populações foi perdida devido às inundações causadas pela usina hidrelétrica de Jirau e as demais estão pressionadas pelo avanço do desmatamento. Em função disso, a nova espécie foi classificada como “em perigo” de acordo com critérios da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Os pesquisadores alertam que o ritmo acelerado do desmatamento na margem direita do Rio Madeira, pode levar à extinção da espécie recém-descoberta antes mesmo que seu papel ecológico seja completamente compreendido, ressaltando a necessidade de medidas de conservação para proteger a biodiversidade amazônica. A pesquisa que identificou a nova espécie de bambu faz parte de um projeto de conservação da flora vinculado à Hidrelétrica de Jirau. A coleta foi iniciada em 2009, antes da construção da usina, com o objetivo de fazer um inventário da flora da região antes do enchimento do reservatório e da construção da barragem, além do resgate de sementes para armazenamento em bancos genéticos.
publicado pela revista Phytotaxa – Foto: Bianca Schindler
Durante a realização do projeto foram coletadas mais de 5 mil amostras para herbário de aproximadamente 1.500 espécies de plantas ao longo de mais de 100 km do Rio Madeira. Além da nova espécie de bambu, também foram publicadas novas espécies de peroba e de parente da goiabeira. A amazônia tem uma diversidade riquíssima e essa região não era tão conhecida, por isso o levantamento foi importante para ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade local. Paralelamente, os pesquisadores também realizaram um monitoramento de 26 hectares de floresta ao longo de 11 anos. O objetivo foi avaliar o impacto da criação do reservatório sob as espécies arbóreas da região. Forem mesuradas árvores de diferentes espécies e realizado o acompanhamento a cada dois anos para avaliar os impactos da cheia nessas plantas.
A Merostachys tonicoi é a quarta espécie do gênero registrada na amazônia brasileira. O nome foi escolhido em homenagem a Antônio José Barreto dos Santos, conhecido como “Tonico”, um parabotânico (profissional capaz de identificar espécies florestais em campo) que participou ativamente do projeto de levantamento da flora na região do Rio Madeira. Tonico era um dos parabotânicos mais conceituados e requisitados da amazônia, colaborando em diversos projetos em todo Brasil. Infelizmente ele faleceu precocemente aos 59 anos em janeiro de 2024. Com profundo conhecimento da flora amazônica, Tonico participou de dezenas de expedições de campo, contribuindo significativamente para o inventário da biodiversidade da região, tendo sido fundamental para o sucesso do projeto.
em reconhecimento à sua contribuição para a ciência – Foto: Pamela Moser
de mais de 100 km do Rio Madeira. Da esquerda para direita: Glocimar Pereira da Silva,
Gledson Alves Moreira, Pamela Moser, Antônio José Barreto dos Santos (Tonico), Juarez
Pereira do Amaral, Marcelo Simon e João Benedito Pereira – Foto: Marcelo Simon
Tonico nasceu em um seringal no interior do Acre, onde aprendeu a reconhecer as espécies de árvores enquanto fazia coleta de látex pelas trilhas da região. Quando mudou para Rio Branco, ingressou na carreira de parabotânico e se especializou em trabalhos na área de levantamentos florestais, aprendendo a escalar árvores e realizar coletas e identificações botânicas. Ele conseguiu unir sua vivência de vários anos morando na floresta com o conhecimento técnico que adquiriu por meio de cursos e principalmente por seus estudos. Era um grande autodidata, tendo memorizado nomes científicos de centenas de espécies amazônicas, sendo capaz de identificá-las como ninguém no campo.
Ele estava sempre disposto a escalar árvores e entusiasmado ao coletar espécies que ainda não havia sido registrada no projeto. Tonico faleceu aos 59 anos, em janeiro de 2024, devido a complicações de um câncer no cérebro, em um processo rápido que durou poucos meses. A morte de Tonico representou uma grande perda para a pesquisa botânica na amazônia, já que profissionais com sua experiência são raros. Como forma de homenagem, a nova espécie de bambu recebeu seu nome, reconhecendo sua contribuição para a ciência.