
Desenhos foram encontrados em 2023 por funcionário da concessionária que administra o Parque Nacional do Itatiaia e indicam uma intensa circulação de ideias e símbolos entre os povos ameríndios
O Parque Nacional do Itatiaia, localizado na divisa entre Rio de Janeiro e Minas Gerais, foi palco de uma descoberta arqueológica inédita: pela primeira vez no estado do Rio de Janeiro foram identificadas pinturas rupestres que indicam vestígios de ocupação humana há milhares de anos. As pinturas rupestres são uma das expressões culturais mais antigas da humanidade, transmitindo informações sobre valores estéticos e simbólicos das sociedades que as produziram. Essas representações eram feitas com pigmentos naturais como carvão, argila, sangue e minerais, retratando cenas do cotidiano, figuras humanas, animais e símbolos abstratos. As mais antigas já encontradas têm cerca de 51.200 anos e estão localizadas em uma ilha da Indonésia. No Brasil, esta é a primeira vez que um registro desse tipo é identificado no estado do Rio de Janeiro, tornando o achado no Parque Nacional do Itatiaia um marco inédito.
Encontradas em uma gruta localizada a 2.350 m de altitude no parque, as primeiras pinturas rupestres do estado do Rio de Janeiro são desenhos em colorações que variam do vermelho ao amarelo-alaranjado, principalmente em formas geométricas, como círculos e traços, ou ainda zoomórficos, com formas que se assemelham a um lagarto. Esses desenhos foram descobertos no final de 2023 por Andres Conquista, funcionário da Parquetur, concessionária que administra o parque.

que administra o Parna de Itatiaia
Andres estava fotografando os lírios existentes nos campos rupestres do planalto e escalando uma pedra durante seu horário de almoço, quando ao subir em outra rocha e descer pelo lado oposto, avistou pinturas na superfície.
Após a identificação das pinturas, a área do sítio foi isolada para estudo científico. Assim que a descoberta foi confirmada, a gestão local do parque comunicou ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente responsável pelas unidades de conservação federais e notificou o IPHAN/RJ para o registro oficial e orientações sobre a proteção do sítio que foi batizado de Sítio Arqueológico Agulhas Negras. A pesquisa foi autorizada pelo Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (SISBIO) sob o título “Identificação, pesquisa e gestão de sítios arqueológicos no planalto do Parque Nacional de Itatiaia, RJ, Brasil”, com o número 98090-1. O achado pode abrir caminho para a descoberta de outros sítios arqueológicos na região.
Entre as instituições e os pesquisadores envolvidos, estão:
- Núcleo de Pesquisas Arqueológicas Indígenas da UERJ: Anderson Garcia, Diego Emmerich e Paulo Seda;
- Laboratório de Antropologia Biológica do Museu Nacional/UFRJ: Cláudia Carvalho e Marcos Davi Cunha;
- Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional: Madu Gaspar e Carlos Gabriel Paes;
- Laboratório de Imagem do Museu Nacional: Pedro Von Seehausen;
- Núcleo de Preservação Ambiental do Museu Nacional: Eduardo Barros;
- Laboratório de Geologia do Museu Nacional: Renato Ramos.

visitação da parte alta do Parque Nacional do Itatiaia a 2.548 metros de altitude

pelo descobridor das pinturas, Andres Conquista

As primeiras visitas de pesquisadores do ICMBio, IPHAN, UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e do Museu Nacional, ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), para a análise das pinturas foram realizadas em abril de 2024. Para os pesquisadores é possível que surjam outras informações e por enquanto, o sítio está isolado. Sua localização no planalto de Itatiaia pode indicar que diferentes paisagens foram habitadas por povos antigos. Essa identificação do sítio arqueológico também mexe em algumas noções no que se refere à distribuição espacial das pinturas rupestres, pois antes se imaginava que elas estavam restritas aos estados vizinhos, especialmente Minas Gerais. Os registros estão em uma pequena formação rochosa. O órgão fechou temporariamente a visitação ao local no sítio para permitir a realização das pesquisas científicas e, também, preservar o achado.
O ICMBio dispõe de estruturas de alojamento para pesquisadores que estão interessados no avanço científico das análises para melhor conhecer o patrimônio arqueológico do parque. Ainda não é possível determinar a idade das pinturas. A partir de estudos será possível avaliar a idade das pinturas, o que só pode ser feito por meio do uso de ferramentas de datação do material associado, como rochas ou outros elementos encontrados associados ao sítio e os estudos já estão em andamento.
Os desenhos do Itatiaia têm semelhança com a Tradição São Francisco, assim nomeada por ser relacionada às pinturas localizadas no médio e baixo curso do Rio São Francisco, entre os estados de Minas Gerais e Bahia. Caso essa relação se confirme, as pinturas de Itatiaia representarão a manifestação mais ao sul dessa tradição no Brasil. O sítio também pode ter relação com outros da região, como os localizados em Andrelândia, Baependi e Carrancas, no sul mineiro. Por ser ainda muito recente, é preciso intensificar a pesquisa, com arqueólogos especialistas em arte rupestre para fazer um trabalho sistemático, verificar a existência de outros sítios, a existência de sedimento nesses abrigos para fazer realizar escavações, tentar relacionar as camadas.

Foto: Equipe Museu Nacional/UFRJ/UERJ

de nossos parques naturais – Foto: Equipe Museu Nacional/UFRJ/UERJ
Além de seu valor artístico e cultural, o Sítio Agulhas Negras reforça a presença contínua de povos indígenas no Brasil antes da chegada dos europeus. A localização no planalto de Itatiaia, uma região de clima distinto dentro do sudeste, sugere que diferentes paisagens foram habitadas ao longo dos milênios. Além disso, as semelhanças com registros de outras partes do país indicam uma intensa circulação de ideias e símbolos entre os povos ameríndios. Em relação aos sítios arqueológicos da região, como os localizados em Andrelândia, Baependi e Carrancas, no Sul de Minas Gerais, o destaque fica para o Sítio da Serra de Santo Antônio, em Andrelândia, o mais estudado da região e associado à Tradição São Francisco. No nível arqueológico mais antigo escavado nessa área, uma datação revelou 3.030 anos antes do presente (AP). É possível que os autores das pinturas de Itatiaia tenham pertencido à mesma “onda cultural”.
Segundo os pesquisadores, qualquer contato pode danificar as pinturas milenares. A umidade das mãos e o toque direto aceleram o desgaste natural dos pigmentos. A visitação ao sítio não está autorizada no momento, pois é fundamental preservar o patrimônio enquanto os estudos avançam. O local está sendo monitorado 24h por câmeras e guarda-parques e o acesso irregular poderá resultar em multas pesadas, conforme a lei de proteção ao patrimônio. A proteção do sítio arqueológico é uma responsabilidade compartilhada entre ICMBio, pesquisadores, IPHAN e a sociedade. Com o desenvolvimento dos estudos, os pesquisadores avaliarão a melhor estratégia para visitação futura. Por enquanto, fotos e réplicas serão disponibilizadas no centro de visitantes do parque.

Essa descoberta reforça a riqueza arqueológica do Brasil e a importância da conservação de nossos parques naturais. Recentemente, novos sítios com arte rupestre têm sido revelados no Brasil. Tal conhecimento pode ajudar a desvendar a história dos primeiros povos que ocuparam o território e como eram seus hábitos e modos de vida. No caso do sítio de Itatiaia, ele pode alavancar estudos para entender como se deu o processo de ocupação na região sudeste. A colaboração entre pesquisadores e instituições é fundamental para expandir o conhecimento sobre a ocupação indígena e o patrimônio cultural na região.
As pinturas rupestres, consideradas uma das expressões mais antigas da humanidade, transmitem informações valiosas sobre valores estéticos e simbólicos dos povos que as criaram. O novo achado em Itatiaia reflete o papel crucial da preservação arqueológica para a valorização histórica e cultural, representando um marco para a arqueologia brasileira. Conforme as pesquisas avançam, elas poderão revelar conexões culturais entre povos antigos, ampliando o entendimento sobre a ocupação humana pré-histórica no Brasil, sobre as culturas que habitaram a região de Itatiaia e suas relações com outros grupos.