Ícone do site AGRONEGÓCIO

Desmatamento e expansão agrícola ameaçam o berço do capim-dourado

A produtora Elizabete Melquiades dos Santos durante a colheita de capim-dourado - Foto: Fellipe Abreu

Este cenário ameaça não apenas o bioma, que é essencial para a biodiversidade, mas também as comunidades tradicionais que dependem do capim-dourado (Syngonanthus nitens) como principal fonte de renda.

Capim-dourado: riqueza cultural e econômica

O capim-dourado (Syngonanthus nitens), apesar do nome, não é um capim, ou seja, não pertence à família das gramíneas, sendo, na verdade, a haste de uma pequena flor branca da família das sempre-vivas (família Eriocaulaceae), nativa conhecida por sua cor brilhante, e que tornou-se símbolo da região que possui registro de Indicação Geográfica, vinculado ao Jalapão. Desde o início do século 20, a planta sustenta o artesanato local, especialmente entre as mulheres quilombolas, que transformam o capim em biojoias, bolsas e outros itens.

O manejo sustentável da planta é regulamentado por lei e ocorre apenas entre setembro e novembro, quando as sementes são devolvidas ao solo para garantir sua reprodução.

Produtora Elizabete Melquiades dos Santos durante a colheita
de capim-dourado – Foto: Fellipe Abreu
Detalhe de artesanato de capim-dourado na loja da Associação
Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros
(ACAPPM), em Mateiros – Foto: Fellipe Abreu
Mapa da região – Fonte: Mongabay
Vista aérea do Quilombo Mumbuca – Foto: Fellipe Abreu

As associações de artesãos da região, como a do Quilombo Mumbuca, são fundamentais para a economia local. Elas empregam principalmente mulheres, distribuindo a maior parte dos lucros diretamente para as artesãs. Apesar disso, relatos indicam a diminuição do capim nas áreas úmidas, atribuída a incêndios, mudanças climáticas e práticas de manejo inadequadas.

Ameaças ao Jalapão

Apesar de possuir o maior mosaico de unidades de conservação do cerrado, com quase 3 milhões de hectares protegidos, o Jalapão sofre com pressões do agronegócio e da especulação imobiliária. A monocultura da soja e a expansão de pastagens têm avançado sobre áreas quilombolas e de vegetação nativa. De acordo com dados recentes, o cerrado perdeu 5 milhões de hectares de vegetação nos últimos seis anos, com 72% dessa perda concentrada na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Além disso, o uso intensivo de agrotóxicos e a contaminação de recursos hídricos são problemas recorrentes. Comunidades que dependem de rios como o Galhão relatam queda na qualidade da água e aumento de problemas de saúde devido à aplicação de pesticidas.

Fogo: aliado e inimigo

Os incêndios descontrolados no cerrado cresceram 97% em 2024, afetando principalmente áreas de vegetação nativa. No Jalapão, as queimadas resultam tanto de negligência quanto de práticas criminosas para “limpar” terrenos. No entanto, o manejo controlado do fogo tem se mostrado uma ferramenta eficaz na preservação do bioma e no estímulo à regeneração do capim-dourado.

Por meio do Manejo Integrado do Fogo (MIF), comunidades e gestores ambientais utilizam queimadas prescritas para prevenir incêndios de grande escala. Esse método, aliado a outras medidas como aceiros e treinamento de brigadas, reduziu em 36% as áreas queimadas no Jalapão nos últimos anos.

Vista aérea do povoado do Galhão, com área de agronegócio próxima – Foto: Fellipe Abreu
Área de queimada próxima ao território do povoado do Galhão – Foto: Fellipe Abreu
Queimada em área próxima ao Parque Estadual do Jalapão – Foto: Fellipe Abreu

Conflitos fundiários e a expansão do agronegócio

A irregularidade fundiária é um problema crítico para as comunidades quilombolas do Jalapão. Apesar de terem sido certificadas, muitas áreas ainda não possuem a titularidade definitiva, o que favorece conflitos com grandes fazendeiros e permite o avanço da monocultura em áreas protegidas. Essa situação é agravada por alterações no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que têm sido usadas para regularizar irregularmente terras desmatadas.

As estradas recém-asfaltadas, embora bem-vindas pelas comunidades locais, também impulsionam a especulação imobiliária e o transporte de commodities agrícolas, como soja, para os estados vizinhos. Especialistas alertam que o solo arenoso e as condições climáticas da região não são adequados para a monocultura, e que a expansão do agronegócio pode trazer mais degradação ambiental ao Jalapão.

O futuro do Jalapão

Diante das mudanças climáticas e da crescente demanda por alimentos, o Jalapão enfrenta o desafio de equilibrar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental. O fortalecimento das práticas sustentáveis, como o manejo do capim-dourado e o uso controlado do fogo, é essencial para proteger o bioma e garantir a subsistência das comunidades locais.

No entanto, sem ações mais firmes contra o desmatamento, a especulação imobiliária e a contaminação dos recursos naturais, o futuro da maior área protegida do cerrado pode estar em risco.

Preservar o Jalapão é preservar não apenas a biodiversidade, mas também a cultura, a história e os modos de vida das comunidades que o habitam.

Fonte – Mongabay

Leia também:

Sair da versão mobile