
O novo vírus foi confirmado no Ceará e apresenta semelhanças ao causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio
Uma colaboração entre pesquisadores dos estados de São Paulo e do Ceará e da Universidade de Hong Kong resultou na descoberta de um novo coronavírus em morcegos, o primeiro na América do Sul intimamente relacionado ao causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS, na sigla em inglês). O estudo foi publicado no Journal of Medical Virology.
Segundo os cientistas, ainda não se pode afirmar se ele tem a capacidade de infectar humanos. No entanto, encontrou-se partes da proteína spike do vírus (que se liga à célula de mamífero e inicia a infecção) que sugerem uma potencial interação com o receptor utilizado pelo MERS-CoV. Para saber mais, planeja-se realizar experimentos em Hong Kong ainda este ano. No total, os pesquisadores identificaram sete coronavírus em amostras de cinco morcegos coletadas pelo Laboratório Central de Saúde do Ceará (Lacen), em Fortaleza, destacando a grande diversidade genética de coronavírus encontrada. Os animais pertenciam a duas espécies diferentes (Molossus molossus e Artibeus lituratus), sendo uma insetívora e outra frugívora. Em outro estudo realizado pelos grupos do Lacen-Fortaleza e da Unifesp, foram encontradas variantes de vírus da raiva de saguis-de-tufo-branco (Callithrix jacchus) em morcegos.

Os morcegos são importantes reservatórios de vírus e, por isso, devem ser alvos de vigilância epidemiológica contínua. Esse monitoramento permite identificar os vírus em circulação, antecipar potenciais riscos de transmissão para outros animais e até mesmo para os humanos. O coronavíus causador da MERS foi identificado pela primeira vez em 2012, na Arábia Saudita, e provocou mais de 800 mortes, com casos registrados em 27 países.
Os pesquisadores brasileiros conseguiram identificar uma sequência genética com 71,9% de similaridade ao genoma do MERS-CoV. O gene que codifica a proteína spike apresentou 71,74% de identidade com a spike do MERS-CoV, isolado de humanos na Arábia Saudita em 2015. Para verificar se ela pode se ligar às células humanas, será necessário fazer experimentos em laboratórios com alto nível de biossegurança. Esses testes estão programados para acontecer na Universidade de Hong Kong ainda este ano.
Em trabalho prévio, publicado na mesma revista, os pesquisadores identificaram um vírus emergente em humanos, o gemykibivirus, descoberto na mesma amostragem realizada no Lacen de Fortaleza. Os pesquisadores encontraram grande semelhança com um gemykibivirus identificado em amostras do líquido cefalorraquidiano humano. O mesmo vírus também foi identificado em amostras de bancos de sangue, o que havia dado origem a um trabalho liderado por pesquisadores do Hemocentro de Ribeirão Preto e do Instituto Butantan.

Trabalhos anteriores já haviam relatado a presença do gemykibivirus em pacientes com HIV, sepse de origem desconhecida, pericardite recorrente e casos de diarreia e encefalite de causa inexplicada. É a primeira vez que se identifica esse vírus em morcegos. O vírus encontrado exigiu o desenvolvimento de novos primers, pequenos trechos de DNA que se ligam a determinadas partes dos genomas que se quer conhecer. Neste caso, os primers foram desenvolvidos especificamente com base na sequência genética do gemykibivirus detectado em humanos.
Para os pesquisadores, a falta de sequências virais disponíveis em bancos de dados impediu analisar mais a fundo esses vírus. Ao mesmo tempo, o fato de identificar agentes virais tão pouco conhecidos torna o trabalho uma base para futuras investigações. Os estudos demonstram a importância de tornar esse tipo de análise mais sistemática, otimizada e integrada, com a participação de diversos setores, gerando dados em plataformas unificadas que possam ser utilizados pelos sistemas de saúde para monitorar e até prever novas epidemias e pandemias.
Por André Julião/Agência FAPESP