Estratégias eficazmente implementadas, podem ajudar a superar o desafio do déficit de mão de obra no setor, tornando-o mais atraente e sustentável para as futuras gerações
A crise de mão de obra no setor pecuário brasileiro, conhecida como “apagão de mão de obra”, é um problema crescente com múltiplas causas. Guilherme Cunha Malafaia, pesquisador da Embrapa Gado de Corte e coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne), destaca que a urbanização é uma das principais responsáveis por essa crise. A migração de trabalhadores para áreas urbanas, em busca de melhores oportunidades de emprego e acesso a serviços, tem deixado o campo sem mão de obra qualificada.
Além disso, a população rural está envelhecendo, e as condições de trabalho no campo, muitas vezes árduas e com baixa remuneração, tornam a carreira rural pouco atrativa para as novas gerações. Essas são apenas algumas das causas apontadas para a previsão de falta de mão de obra na pecuária até 2040.
A urbanização é uma tendência global, com a parcela urbana da população mundial aumentando de 30% em 1950 para 57% em 2021, e estimativas indicam que pode chegar a 68% até 2050. No Brasil, mais de 85% da população reside em áreas urbanas. Em 2023, houve uma diminuição de 5% na população ocupada na agropecuária brasileira, o que equivale a 432,99 mil pessoas a menos. No setor de bovinocultura, a redução foi de 2,7%, correspondendo a 55.090 trabalhadores a menos. Essa migração em massa é impulsionada pela busca por melhores condições de vida e serviços, deixando o campo desfalcado de mão de obra.
Paralelamente, a falta de qualificação entre os trabalhadores rurais que permanecem impede a adoção de técnicas agrícolas modernas e eficientes. As condições de trabalho, caracterizadas por longas jornadas em condições climáticas adversas e com baixa remuneração, desestimulam as novas gerações. Por outro lado, a agricultura, mais tecnificada e melhor remunerada, absorve a escassa mão de obra qualificada disponível. Essa combinação de fatores contribui significativamente para o “apagão de mão de obra” no setor pecuário, ameaçando a sustentabilidade e a eficiência do setor.
Capacitação é o grande desafio
Hoje, a crise de mão de obra no setor pecuário é marcada pela presença de trabalhadores desqualificados que mantêm métodos antiquados de trabalho. Muitos migraram para áreas urbanas, buscando melhores oportunidades, o que acentua a escassez no campo. A desvalorização da mão de obra rural impede o crescimento competitivo do agronegócio, que necessita de trabalhadores capacitados. A falta de mão de obra qualificada representa um grande desafio para a eficiência operacional nas fazendas.
A gestão inadequada dos rebanhos, decorrente da escassez de pessoal qualificado, resulta em alimentação irregular, falhas no controle sanitário e ineficiências na reprodução, aumentando a vulnerabilidade dos animais a doenças e afetando a qualidade do produto final. Para suprir a demanda, os proprietários de fazendas muitas vezes recorrem à contratação de mão de obra temporária, que é mais cara e menos eficiente. Isso leva ao pagamento frequente de horas extras, aumentando os custos de produção e reduzindo as margens de lucro, comprometendo a competitividade no mercado global.
Além disso, a falta de mão de obra qualificada complica as operações logísticas, com menos trabalhadores disponíveis para o transporte de animais e produtos, o que aumenta o tempo de movimentação das mercadorias. Esse atraso pode comprometer o frescor e a qualidade dos produtos pecuários entregues ao mercado.
Tecnologia ajuda em parte
A introdução de sistemas automatizados e robóticos na pecuária é uma solução eficaz para a escassez de mão de obra, além de aumentar a eficiência e precisão das operações. Tecnologias-chave, como sistemas de ordenha robótica, automatizam o processo de ordenha, reduzindo a necessidade de mão de obra e aumentando a produção leiteira. Fazendas que utilizam a ordenha robótica relatam um aumento significativo na produção de leite e melhorias na saúde animal, graças ao monitoramento constante proporcionado por esses sistemas.
A coleta de dados, como o peso do rebanho, é facilitada e precisa com dispositivos eletrônicos. Sensores eletrônicos monitoram as condições ambientais, como temperatura, vento, luz e umidade, proporcionando mais conforto aos animais e facilidade aos funcionários. O uso de drones com câmeras térmicas para monitoramento aéreo do rebanho e das pastagens permite a detecção rápida de problemas de saúde no gado e uma gestão mais eficaz das pastagens.
Sistemas automatizados de alimentação garantem a nutrição adequada de cada animal, atendendo suas necessidades específicas. Softwares avançados ajudam na integração e análise de dados, como condições climáticas, saúde do rebanho e produtividade das culturas, essenciais para decisões informadas e rápidas, otimizando as operações diárias e permitindo respostas ágeis a desafios. Essas tecnologias reduzem a dependência de trabalho físico intenso e promovem uma pecuária mais sustentável e produtiva, alinhada às necessidades modernas do setor.
Estratégias de capacitação e atração
A escassez de mão de obra qualificada no setor agropecuário é um desafio significativo para muitos produtores. Para superar essa dificuldade, é essencial investir na preparação individual dos trabalhadores. Cursos abrangendo desde gestão agrícola até técnicas específicas de manejo do solo e cuidado com animais, são fundamentais. Parcerias entre universidades e entidades privadas têm criado programas de estágio e residência agrícola, permitindo aos estudantes ganhar experiência prática enquanto completam sua formação.
Instituições como a Embrapa focam na aplicação de tecnologia e inovação no campo, conectando teoria e prática. A adoção de tecnologia também melhora as condições de trabalho, com ferramentas modernas de gestão de fazendas que reduzem a necessidade de trabalho físico extenuante e aumentam a eficiência. Empresas do setor têm liderado iniciativas para certificar operações sob normas de bem-estar animal e sustentabilidade, o que inclui melhorias nas condições de trabalho dos empregados.
Programas de qualidade de vida no trabalho, oferecendo desde aconselhamento psicológico até atividades de lazer, estão se tornando mais comuns. Esforços legislativos recentes visam melhorar a formação e as condições laborais no campo, tornando as carreiras agrícolas mais atraentes através de maior segurança jurídica e proteção social. Campanhas governamentais de valorização da agricultura familiar também ajudam a atrair novos talentos para o setor e a reter aqueles já envolvidos.
Estas estratégias, quando eficazmente implementadas, podem ajudar a superar o desafio do apagão de mão de obra no setor pecuário, tornando-o mais atraente e sustentável para as futuras gerações. A integração dessas medidas com tecnologia e inovação cria um ambiente dinâmico que não só retém talentos, mas também os atrai.
Motivar o trabalhador é fundamental
A permanência do empregado no trabalho é influenciada por diversos fatores pessoais e profissionais. Direitos respeitados, valorização do esforço, oportunidades de crescimento (como treinamentos e promoções), e um ambiente de trabalho seguro e respeitoso aumentam a probabilidade de retenção do funcionário. Investir nessas condições, muitas vezes mais comportamentais do que financeiros, como ouvir os empregados e envolvê-los nas decisões, é essencial para manter bons trabalhadores e melhorar a execução das tarefas.
De toda forma, a crise de mão de obra no setor pecuário brasileiro é um desafio multifacetado que exige uma abordagem diversificada para sua solução. Estratégias incluem a adoção de tecnologias avançadas e o fortalecimento da educação e treinamento vocacional. A melhoria das condições de trabalho e a implementação de políticas governamentais de apoio são essenciais para tornar a pecuária uma opção de carreira viável e atraente para novas gerações.