Animais foram “recriados” em laboratório por uma startup que pretende trazer à vida outras espécies extintas, como o dodô e o mamute
Recentemente, a internet foi inundada com a notícia de que um grupo de cientistas da empresa Colossal Biosciences(https://colossal.com/), nos Estados Unidos, teria conseguido recriar uma espécie de lobo extinta. Mas a história não é bem assim. Extintos há mais de 10 mil anos, os lobos-terríveis (do nome dire wolves, em inglês) ou lobo pré-histórico (Aenocyon dirus) formaram uma dinastia que imperou de forma absoluta nas Américas durante as épocas do Pleistoceno Superior e do Holoceno Inicial (entre 125.000 e 10.000 anos atrás). Grandes predadores, de cerca de 80 kg, destacavam-se por suas garras e dentes afiados, capazes de dilacerar presas muito maiores, como bisões-antigos e mastodontes. Sua extinção ocorreu durante o evento de extinção do Quaternário, desaparecendo junto com suas principais presas. Sua dependência de megaherbívoros tem sido proposta como a causa da extinção, juntamente com mudanças climáticas, competição com outras espécies ou uma combinação desses fatores.
Agora, a espécie, que ficou famosa na série de TV Game of Thrones, sendo o símbolo da família Stark, foi restaurada a partir de edição genética em laboratório pela startup Colossal Biosciences. Os animais nasceram em outubro do ano passado, mas o feito inédito foi anunciado apenas na semana passada. Três novos espécimes foram desenvolvidos: Remus e Romulus (em homenagem aos irmãos Rômulo e Remo, mitologicamente ligados à fundação de Roma e que foram alimentados por uma loba), ambos com seis meses, e sua irmã menor, chamada Khaleesi (menção a uma das protagonistas da série). De acordo com a empresa, os animais estão sendo tratados e nutridos em um centro de preservação da vida selvagem nos Estados Unidos. Contudo, a localização exata é mantida em segredo para evitar visitas de curiosos.
com o esqueleto de um lobo terrível (Aenocyon dirus)
DNA que serviu de guia aos cientistas – Foto: Colossal Biosciences
Jornalistas da revista Time visitaram os lobos e relataram que o comportamento deles é selvagem: apesar de filhotes, não interagem com os humanos e mostram desconfiança até mesmo com os cuidadores. Os lobos-terríveis, embora visualmente semelhantes aos lobos cinzentos (Canis lupus) e chacais (Lupulella adustus (chacal-listrado), Canis aureus (chacal-dourado) e o Lupulella mesomelas (chacal-de-dorso-negro)) de hoje em dia, tinham uma linhagem genética distinta. Segundo a empresa, ao contrário dessas duas espécies que podem produzir descendentes híbridos com espécies relacionadas, não há dados atuais mostrando cruzamento entre lobos terríveis e outros canídeos.
A Colossal explicou, em nota, que para clonar os lobos-terríveis, analisou o DNA preservado em fósseis de um dente datado de 13 mil anos e um osso de orelha de 72 mil anos. Após comparar os genomas de lobos cinzentos e lobos pré-históricos para identificar as diferenças genéticas responsáveis pelas características distintivas do lobo pré-histórico, a empresa fez edições no código genético do lobo cinzento para replicar essas características. Em seguida, para decodificar o genoma dos animais, reescreveu o código genético do lobo cinzento com ferramentas de edição genética, como o CRISPR Cas-9 – mesma tecnologia utilizada para desenvolver soja mais resistente à seca – e usou cães domésticos como mães de aluguel para os filhotes.
Foto: Colossal Biosciences
A empresa afirmou que essas pequenas modificações genéticas efetivamente revivem os lobos terríveis como espécie, embora “nenhum DNA antigo de lobo terrível tenha sido realmente inserido no genoma do lobo cinzento”. Destacou, ainda, que estuda a clonagem de outros animais extintos há milhares de anos, como o dodô (Raphus cucullatus) e o mamute-lanoso(Mammuthus primigenius), assim como o tilacino, popularmente conhecido como tigre-da-Tasmânia (Thylacinus cynocephalus), cujo último exemplar data da década de 1930. Para a Colossal “ressuscitar” espécies em extinção tem uma função nobre, visto que o conhecimento adquirido com o processo pode ser usado para ajudar outras espécies que estão ameaçadas, como o lobo-vermelho (Canis rufus). A startup já havia anunciado em março deste ano que conseguiu copiar o DNA do mamute, algo que pode auxiliar no desenvolvimento de espécies mais resilientes de elefantes, capazes de resistir às alterações de habitat causadas pelas mudanças climáticas.
A prática, contudo, não tem passado alheia às críticas. Cientistas de fora alertam que há dilemas éticos envolvidos na clonagem de animais extintos. Os lobos usados como barrigas de aluguel, por exemplo, correm o risco de morrer no parto e reintroduzir animais extintos há milhares de anos pode causar grandes desequilíbrios em ecossistemas já estabelecidos. Especialistas independentes discordaram da afirmação da Colossal Biosciences de que os animais são lobos terríveis revividos, explicando que os animais são apenas versões funcionais do animal extinto e são híbridos de lobos cinzentos geneticamente modificados. O paleogeneticista Nic Rawlence observou que o DNA antigo do lobo terrível está extremamente fragmentado para criar um clone biológico e que os lobos terríveis divergiram dos lobos cinzentos entre 2,5 e 6 milhões de anos atrás. Ele também criticou como a empresa fez apenas 20 alterações em apenas 14 genes para considerá-lo um lobo terrível e expressou preocupação com esse projeto passando uma mensagem errada sobre a conservação da biodiversidade.
Jeremy Austin, diretor do Australian Centre for Ancient DNA, afirmou que esses animais geneticamente modificados “não são lobos terríveis sob nenhuma definição de espécie já feita”, contestando a definição de espécie fenotípica usada pela Colossal Biosciences, argumentando que existem centenas de milhares de diferenças genéticas entre lobos terríveis e lobos cinzentos. Ele também questionou se os supostos lobos terríveis ainda teriam um lugar ecológico no mundo moderno ou se tornariam apenas animais de zoológico. Austin, afirmou que os animais apresentados são, na verdade, lobos-cinzentos geneticamente modificados para se parecerem com o que a empresa acredita ser um lobo-terrível.
Pelo que parece até o momento, trata-se de lobos-cinzentos que passaram por edições genéticas para se assemelharem aos lobos-terríveis. Apesar das alegações da empresa de biotecnologia, a pesquisa que sustenta o suposto retorno da espécie extinta ainda não passou pelo processo científico de revisão por pares — isso quer dizer que ela não foi validada por outros cientistas. Até o momento, tudo o que foi divulgado se resume a um comunicado de imprensa, acompanhado de imagens e vídeos dos filhotes.
Por outro lado, de acordo com o CEO da Colossal, Ben Lamm, e a diretora científica da empresa, Beth Shapiro, a pesquisa genética e a recriação desses animais é a forma mais eficaz de evitar a perda da biodiversidade. Ainda segundo a Colossal Biosciences, foram realizadas apenas 20 alterações no genoma dos filhotes. No entanto, especialistas afirmam que apenas 15 dessas mudanças se baseiam, de fato, em características do lobo-terrível — as outras cinco teriam sido feitas apenas para clarear a pelagem dos animais.
Como ainda não existem dados científicos, não há como provar que realmente se trata de um lobo-terrível verdadeiro. A maior parte dos cientistas da área criticou a pesquisa e a falta de dados, e sugere que é apenas uma versão de um lobo-cinzento.