Com a reforma agrária em passos de tartaruga, levantamento aponta demanda por reforma agrária maior que a estimada pelo governo e pelo próprio MST
O Brasil tem pelo menos 145.100 famílias acampadas à espera de um lote de terra para cultivar. O número foi levantado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A pesquisa revela que há mais pessoas militando por terras do que o governo e o próprio MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) imaginavam. Até então, o movimento estimava cerca de 100 mil famílias acampadas. Este é o primeiro dado oficial sobre a demanda nacional por assentamentos e atende a uma determinação do presidente Lula, expressa pelo Decreto nº 11.637, de 16 de agosto de 2023. Segundo o levantamento, são 2.045 acampamentos de sem-terra no país.
Para o governo federal, as operações de combate a garimpos ilegais e para desintrusão de terras indígenas na amazônia contribuíram para o aumento do número de acampados, já que milhares de trabalhadores teriam sido retirados dessas cadeias econômicas ilegais. Já lideranças do MST apontam outros motivos. Eles afirmam que famílias pobres de zonas urbanas estão migrando para o campo em busca de melhores condições de vida. Além disso, o movimento critica a política de reforma agrária do governo e diz que o total de novos assentamentos é insuficiente para a demanda.
Até o final de 2024, o governo informava ter assentado 71 mil famílias, mas o MST diz que os dados são inflados, pois o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) contabiliza não só as famílias alocadas em terras novas (que seriam apenas 5.800), mas também as famílias que já estavam em lotes e passaram por processos de “regularização” ou “reconhecimento”. As 5.800 famílias assentadas, portanto, representariam apenas 4% da demanda total de acampados no país.
Mato Grosso do Sul e Bahia são os estados com famílias esperando
Fonte: Incra; Imagem: Rodrigo Bento/Repórter Brasil
O Pará é o estado com a maior demanda por terra, com 29 mil famílias acampadas. De acordo com o Incra, no maior acampamento do Brasil, o Terra e Liberdade, em Parauapebas (PA), há pelo menos 3.500 famílias à espera de terra. Lá, em dezembro de 2023, um incêndio iniciado por uma explosão na rede elétrica que atende o espaço matou nove pessoas. Lula determinou que o ministro Paulo Teixeira, do MDA, fosse ao local, quando prometeu assentar as famílias do território até o Natal daquele ano. Até hoje nenhuma delas recebeu um lote.
Segundo quem mora no local, de lá para cá, o acampamento só cresceu. Alguns conseguem plantar ao redor do aglomerado de habitações o que ajuda no sustento da família. Muitos nem sempre foram agricultores, mas resolveram se estabelecer no acampamento após perceber que a vida na cidade se mostrou cada vez mais difícil. Para muitos, vivem melhor no acampamento, contando com a ajuda de todos e buscando uma solução definitiva para a família. Muitas pessoas que compõem a demanda da reforma agrária são, na verdade, ex-moradores de cidades brasileiras pobres, que decidiram migrar em busca de melhores oportunidades de trabalho em municípios grandes, mas não as encontraram e, em vez de se estabelecerem em favelas, aderiram aos acampamentos.
município de Parauapebas, sudeste do Pará – Foto: MST
Parauapebas, por exemplo, é um centro de atração de migrantes. A população do município cresceu 73% entre 2010 e 2022, segundo o Censo de 2022, passando de 153 mil para 263 mil habitantes. É hoje uma das maiores cidades do estado. A migração para o município é explicada pelo aumento da atividade de mineração, onde está localizada a mina de Carajás, explorada pela Vale. Mas o trabalho da multinacional não garante empregos nem desenvolvimento para Parauapebas. O projeto atrai muitos migrantes em busca de oportunidade, mas a maioria não consegue uma colocação na atividade.
Os maiores acampamentos do país e os locais onde mais crescem são justamente nos territórios em que projetos extrativistas, de produção de commodities minerais e agrícolas, mais avançam. São projetos que têm apoio do atual governo, mas que geram conflitos pela terra. O presidente Lula e mais dois ministros estiveram em Parauapebas recentemente para anunciarem investimentos de R$ 70 bilhões da Vale para expansão da mineração de ferro e cobre em Carajás. Estima-se que o projeto Novo Carajás só aumente a demanda por terra no Pará, não apresentando contrapartida prevista para a situação dos acampados.
O perfil dos acampados e os motivos que os levaram aos acampamentos ainda não foram completamente mapeados pelo governo. O Incra aponta algumas razões para esse movimento crescente, dentre elas as operações de combate a garimpos ilegais e para desintrusão de terra indígenas. Existem histórias no Pará de gente que estava em Roraima em garimpo ilegal, de gente que saiu da terra indígena do Alto Rio Guamá, da Apyterewa, que podem confirmar essa hipótese. Desde o início do governo Lula, sete operações para desintrusão de terras – retirada de invasores não indígenas do local – já foram realizadas. Cinco delas ocorreram na região norte, a que tem o maior número de acampados. Quatro operações foram no Pará.
Foto: Gerson Oliveira/Correio do Estado
O governo está trabalhando para buscar alternativas de assentamento para os acampados. O Incra informou ao final de 2024 ter resolvido a demanda por terra de mais de 71 mil famílias em 2024, incluindo as que foram regularizadas ou reconhecidas como assentadas para inclusão no Programa Nacional de Reforma Agrária.
Ainda segundo o Incra, a pesquisa sobre famílias acampadas é um trabalho permanente, que será atualizado e aprimorado constantemente. Técnicos do instituto estiveram em cada acampamento conversando com cada família, pela primeira vez, coletando informações confiáveis. Existe a possibilidade de se voltar aos acampamentos para recontagens ou encontrar outros acampamentos não visitados, mas para o instituto, já se tem uma noção segura da demanda. Os técnicos ressaltam que o termo “acampados” é usado na pesquisa, mas não significa necessariamente que famílias estejam vivendo em barracas. Eles explicam que, como acontece no Terra e Liberdade, muitas famílias cadastradas vivem em casas precárias, sobrevivendo basicamente do Bolsa Família e de bicos que conseguem arrumar enquanto esperam por um lote.
Fonte: Repórter Brasil