Pesquisa mostra que cadeia de valor movimenta mais de R$ 2 bilhões, mas questões sociais e ambientais são praticamente desconsideradas no preço e no trabalho extrativista
Nem todo mundo sabe, mas a castanha-do-Pará (ou castanha-da-Amazônia) (Bertholletia excelsa), que está em alta entre dietas sugeridas por nutricionistas, é uma da poucas nozes do mundo com produção agroextrativista, cujas práticas são conservacionistas, de baixo impacto ambiental e alto valor social.
No Brasil, a extração gera renda para comunidades amazônicas (o que inclui povos indígenas e comunidades ribeirinhas) e é responsável por manter parte da floresta em pé, já que a atividade protege áreas de invasões, queimadas e desmatamento.
Apesar do grande valor socioambiental e dos potenciais nutritivos e econômicos, entretanto, estudo inédito divulgado pelo Observatório da Castanha-da-Amazônia (OCA) aponta que a cadeia de valor da produção da castanha brasileira sofre com uma estrutura complexa, com diversas variações no seu funcionamento por ser uma cadeia longa, geralmente com vários intermediários e canais de distribuição pulverizados que acaba por não remunerar adequadamente os elos mais frágeis, os extrativistas (coletores). Há diversos tipos e quantidades de elos, etapas e atores – que variam a depender da área de produção e origem; a logística de escoamento é bastante complicada e o volume das safras são de difícil previsão. Além disso, o perfil, localização e maturidade das organizações comunitárias é muito heterogêneo, assim como a demanda dos compradores.
Essas variáveis tornam a caracterização da cadeia uma tarefa árdua. Os números do estudo são aproximações dessa complexidade, mas têm o objetivo de contribuir para o debate da valorização dos seus diferentes elos e atores, especialmente o produtor extrativista, que é o grande responsável por gerar valores ambientais, sociais e culturais importantes, mas que não são reconhecidos e remunerados adequadamente pela cadeia.
O trabalho, “A Castanha-da-Amazônia: Aspectos Econômicos e Mercadológicos da Cadeia de Valor”, informa que o Brasil produz 33,1 mil toneladas de castanha in natura/ano, sendo que 45% são voltados à exportação e 55% para o mercado doméstico. O volume gera R$ 2,3 bilhões/ano. Desse montante, no entanto, os 60 mil produtores extrativistas ficam com apenas 5% (R$ 99 milhões), havendo situações em que a margem de lucro do produtor é inexistente. Por outro lado, a pesquisa estima que as margens dos elos seguintes variam de 12% a 30%.
André Machado, representante do secretariado-executivo do OCA, afirma que a cadeia longa é um grande gargalo para o amadurecimento do setor. “São muitos intermediários, os canais de distribuição são pulverizados e a maturidade das organizações é heterogênea. Isso sem falar na dificuldade com a logística”, relata. “Tudo isso faz com que a parte inicial da cadeia, os coletores, sejam prejudicados”, avalia.
Segundo o profissional, a existência de muitos atravessadores é um problema. Conseguir levar as indústrias para negociar diretamente com associações ou cooperativas de produtores será uma conquista para o setor.
Para os pesquisadores, existe espaço para o desenvolvimento de um comércio mais justo, com maior sensibilização de consumidores e compradores dispostos a pagar mais pelo valor ‘invisível’ que os produtos da sociobiodiversidade carregam, mas que essa solução sozinha não dá conta de resolver todos os problemas de estruturação da cadeia.
O estudo propõe que qualquer solução possível para a valorização do trabalho do extrativista exige um conjunto inteligente de esforços privados, públicos e da sociedade civil para maior valorização do produto, melhoria dos serviços prestados para a cadeia e novas e modernas regulações e políticas públicas de suporte e incentivo a essa atividade tão importante para o planeta.