De junho a novembro, cetáceos saem da Antártica em busca das águas brasileiras para se reproduzirem e observar esses animais é uma atividade que vem ganhando cada vez mais adeptos
Quando as baleias começam a sair da Antártica e procuram as águas mais quentes do Brasil para se reproduzirem, é sinal de que está oficialmente aberta a temporada desses mamíferos em território brasileiro. A temporada de baleias no Brasil normalmente vai de junho a novembro. A viagem de lá para cá não é moleza, e as baleias levam cerca de dois meses para percorrerem os 4.500 km que separam as geladas águas antárticas do território tropical. É nesse momento que os inesquecíveis encontros entre baleias e humanos acontecem — e tem acontecido cada vez mais.
Observar o espetáculo de nados, saltos e esguichos desse incrível mamífero é uma atividade que vem ganhando cada vez mais adeptos. O Brasil ainda não aparece nos principais guias de avistamento de cetáceos internacionais, mas é só uma questão de tempo para entenderem que nosso litoral extenso é um paraíso para observarmos esses animais de forma consciente e responsável.
O turismo de observação de baleias (ou whalewatching) constitui uma importante ferramenta na sensibilização da população. É o conhecimento, admiração e empatia da sociedade por essa espécie que garantirá sua preservação e afastará as chances de retorno de sua caça comercial em muitos países. A observação de baleias vem crescendo no mundo inteiro, sendo realizada em mais de 100 países e gerando uma receita anual de quase 2,5 bilhões de dólares.
Os cetáceos
As baleias, assim como os golfinhos, pertencem à ordem dos cetáceos, que são considerados excelentes nadadores e os mamíferos mais bem adaptados à vida marinha. Eles têm uma estrutura corporal totalmente especializada neste ambiente e estão espalhados por todos os oceanos, além de alguns lugares de água doce.
Os cetáceos são representados hoje por 86 espécies, que estão divididas em dois grupos: os Mysticeti, ou misticetos (sem dentes), configuram as baleias e são essencialmente marinhos, e os Odontoceti, ou odontocetos (com dentes), que reúnem animais como os golfinhos, os botos, as orcas e os cachalotes.
Entre as baleias são 14 espécies. Oito delas são mais facilmente encontradas no Brasil, mas os grandes destaques ficam por conta da baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae) e a baleia-franca-austral (Eubalaena australis), as mais observadas por aqui. Ambas passam o período de alimentação em águas polares e vêm para águas tropicais na sua temporada de reprodução, que coincide com o inverno no hemisfério sul. Por isso, é frequente vermos por aqui mais baleias fêmeas e muitas delas acompanhadas de seus filhotes. Estima-se que cerca de 20 mil baleias-jubarte e 100 baleias-franca cheguem ao litoral brasileiro todos os anos para acasalar e dar luz aos seus filhotes. As baleias-jubarte são mais observadas nas regiões sudeste e nordeste do país, enquanto a baleia-franca aparece mais na região sul.
É incrível pensar que depois de seriamente ameaçadas de extinção pela caça predatória, essas baleias hoje podem ser observadas ao longo de quase toda a costa do Brasil. Vale lembrar que, normalmente, o turismo de observação de baleias possibilita também a observação de outros animais incríveis, como golfinhos e aves marinhas.
A baleia-jubarte
As baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae) são dóceis e podem medir até 16 metros de comprimento e pesar até cerca de 40 toneladas. Elas estão presentes em todos os oceanos e sua expectativa de vida é de 60 anos. As jubartes têm a coloração negra, a nadadeira dorsal pequena, as grandes nadadeiras peitorais, que podem chegar a ter 1/3 do comprimento do corpo, algumas com 5 m de comprimentos, e a típica cauda que possibilita a identificação de cada indivíduo. São famosas por seus cantos elaborados que podem ser ouvidas a quilômetros de distância. Elas se comunicam por meio de uma variedade de sons, incluindo assobios, grunhidos e gemidos. Mesmo com seus 14 a 16 metros, elas podem saltar completamente para fora da água em um movimento no qual parecem parar no ar no momento mais alto.
Em 2001, a quantidade de baleias-jubarte no litoral brasileiro era de 1,5 mil. No final de 2022, o censo aéreo realizado pelo Projeto Baleia Jubarte identificou a recuperação da população brasileira de jubartes, com uma estimativa de aproximadamente 25.000 indivíduos da espécie, número próximo ao de 200 anos atrás (27 mil a 30 mil baleias), que havia sofrido uma brusca queda devido à caça ilegal. A população de jubarte apresenta taxas de crescimento anuais que chegam a 12%. É importante sabermos que também é possível avistarmos baleias-jubarte no sul do país, uma vez que elas passam pela região no sentido do sudeste e nordeste do país. É mais raro, porém, que elas se aproximem da costa.
A baleia-franca
A baleia-franca-austral (Eubalaena australis) é considerada a mais dócil entre os cetáceos. Adulta pode alcançar até 18 metros, pesar 60 toneladas e viver por 80 anos. O filhote pode nascer com até 3 toneladas e bebe 200 litros de leite por dia. Esta espécie não tem a nadadeira dorsal, que é importante para o equilíbrio. Para compensar, suas nadadeiras laterais são mais largas, com a forma de um remo. As características que possibilitam identificar uma baleia-franca-austral são as cracosidades – verrugas brancas que ficam no topo e nas laterais da cabeça e funcionam como impressões digitais, permitindo que os pesquisadores identifiquem cada baleia individualmente. Ela também é a única com borrifo em formato de um V. O mesmo animal só é encontrado aqui de 3 em 3 anos. As baleias francas são animais poliândricos – vários machos cortejam e acasalam com uma mesma fêmea. Quando ela não quer mais um macho, vira de ventre para cima. A população de franca apresenta taxas de crescimento anuais que chegam a 4,8%.
Estas baleias migram na mesma época que as jubarte, também em busca de águas mais quentes para reprodução, e concentram-se na região sul, nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, mais precisamente na APA da Baleia Franca. A temporada reprodutiva das baleias-francas no Brasil é de julho a novembro, com pico de ocorrência em setembro. A principal área de concentração é APA que foi criada no ano 2000, justamente com o intuito de preservar o habitat da baleia-franca, que já foi considerada uma espécie em extinção, e também de ordenar as atividades turísticas e de pesquisa.
Ela tem uma área de 156 mil hectares, com 130 km de costa marítima, e abrange nove municípios, desde o sul da ilha de Santa Catarina até o Balneário Rincão. Desde 2012, está proibida a navegação embarcada para observação das baleias na região, já que os barcos desrespeitavam os animais, ignoravam limites de aproximação e ainda não havia plano de manejo adequado para a APA. Na APA as baleias-francas permanecem vários dias e até mesmo semanas nas mesmas enseadas. As baleias-franca dificilmente avançam para além da região sul do Brasil. Mas, de vez em quando, é possível encontrar uma franca mais ao norte. Em função da maior quantidade e baleias, o melhor período para observação é entre a segunda quinzena de agosto e primeira quinzena de outubro.
Já há registros de avistamentos de baleias em toda a costa Atlântica do país, do Amapá ao Rio Grande do Sul. Mas alguns lugares têm se revelado como destinos ideais para se observar baleias no Brasil. Além de estarem investindo no turismo de observação de baleias e golfinhos, esses destinos oferecem cenários incríveis para o seu passeio.
Destacamos 4 lugares para observar baleias no Brasil
- Costa das Baleias, Bahia – Baleias-jubarte
Não foi à toa que essa região de águas cristalinas no extremo Sul da Bahia ganhou o nome de Costa das Baleias. Ali estão alguns dos lugares mais especiais para se observar estes cetáceos, além de um turismo já bem desenvolvido, com opções para todos os gostos e bolsos. A Costa das Baleias engloba os municípios de Alcobaça, Caravelas, Itamaraju, Mucuri, Nova Viçosa, Prado e Teixeira de Freitas, além do Parque Nacional Marinho de Abrolhos(https://uc.socioambiental.org/en/arp/988), que costuma atrair 90% das baleias-jubarte que chegam ao litoral brasileiro e é seu grande berçário reprodutivo. Além da Costa das Baleias, também é possível fazer passeios de avistamento que saem de outras praias da Bahia, como Itacaré, Morro de São Paulo, Porto Seguro, Barra Grande, Caraíva e Praia do Forte.
- Vitória, Espírito Santo – Baleias-jubarte
Cerca de 20 mil baleias passam pela costa do Espírito Santo todos os anos para se reproduzir e cuidar de seus filhotes. O turismo embarcado responsável é uma oportunidade de ver as baleias de pertinho mantendo, é claro, a distância segura e adequada para não perturbar os animais. Embora o Espírito Santo ainda não tenha a fama da Bahia no tema avistamento de baleias, especialistas garantem que o espetáculo por lá é tão lindo quanto. As saídas para avistamento partem da capital, Vitória, e são sempre pré-agendadas. Para agendar um passeio, basta acessar o site QUERO VER BALEIA, preencher o formulário e aguardar uma agência parceira entrar em contato.
- Litoral Norte de São Paulo – Baleias-jubarte
Outra região que tem ganhado destaque no turismo de observação de baleias é o litoral norte de São Paulo, com passeios de barco saindo das cidades de Bertioga, Caraguatatuba, Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba. O Projeto Baleia à Vista já catalogou na região baleias das espécies jubarte, franca-austral e baleia-de-bryde (Balaenoptera brydei), além de orcas e golfinhos de diversas espécies. Em 2021, o projeto registrou a presença de 130 baleias no litoral norte. Ilhabela, no ano passado, registrou mais de 780 avistamentos de baleias, o que aumenta a expectativa para a temporada de 2024. Ainda não se sabe exatamente se essas baleias estão apenas a caminho do nordeste do Brasil ou se permanecem por ali.
- Rota da Baleia Franca, Santa Catarina – Baleias-franca
Abrangendo as cidades de Garopaba, Imbituba e Laguna, no estado de Santa Catarina, a Rota da Baleia Franca é um destino que também se consolidou para o avistamento de cetáceos. Por lá, como o próprio nome já diz, as estrelas são as baleias-franca. O avistamento embarcado está proibido nessa área. Por isso, a observação acontece em terra. Agências e guias especializados normalmente sabem os melhores pontos para observação.
Embora o turismo de observação de baleias e cetáceos possa gerar enormes benefícios econômicos e de conservação, além do entretenimento dos viajantes e moradores locais, é preciso monitorar se as iniciativas estão seguindo as normas de avistamento e sendo responsáveis, para não estressar ou prejudicar o comportamento dos animais, nem colocar as pessoas em perigo.
Infelizmente, já são costumeiros os encalhes, as mudanças climáticas e o lixo como grandes vilões para a preservação destes animais. De acordo com dados levantados pelo Projeto Baleia Jubarte, foram registrados 48 encalhes de baleias jubartes no litoral brasileiro apenas no primeiro semestre de 2021, um recorde para o país. O turista e observadores locais precisam estar atentos ao avistamento responsável e buscar empresas que também trabalhem com práticas conscientes.
Iniciativas como o Amigos da Jubarte, Projeto Baleia Jubarte e Rota da Baleia Franca são ótimas referências para encontrar agências certificadas, seguras e responsáveis.
O que podemos ver
No caso da baleia franca, geralmente pares de mãe e filhote são avistados, nadando muito próximo à costa, já que a espécie é costeira em seu período reprodutivo. Muitas vezes podemos visualizar diversos comportamentos, como a mãe expondo a enorme nadadeira peitoral quando vira de ventre para cima, ou a cauda quando está um pouco mais afastada da zona de arrebentação e dá mergulhos mais profundos. É possível ainda visualizar os impressionantes saltos fora d´água, realizados mais frequentemente pelos filhotes mas adultos também podem saltar – e tudo isso muito perto da praia e dos costões. A avistagem das francas a partir da costa depende das condições do tempo e do mar, já que em dias com mar agitado ou com chuva a visibilidade fica prejudicada e é mais difícil avistá-las, mesmo elas estando próximas, como é o hábito da espécie.
No caso da baleia jubarte, são bastante variados os comportamentos que podemos observar. Além do borrifo, que anuncia sua presença, formado na hora da respiração da baleia pela condensação do ar aquecido dos pulmões e por alguma água que fique sobre o orifício respiratório e é vaporizada na hora da exalação, existem diversas atividades à superfície que fazem parte do seu repertório de movimentos. Exposição da cauda, batidas de nadadeiras peitoral e caudal, e o movimento mais esperado, os magníficos saltos fora d’água, todos realizados e observados nas áreas de reprodução. O significado de cada comportamento para as baleias é ainda na maioria um grande mistério, mas para os turistas são motivo de festa.
Regras de avistamento
A cada temporada registram-se números crescentes de avistamentos de baleias e golfinhos. Essa atividade não apenas enriquece a oferta turística nas várias regiões de avistamento, mas também promove o turismo sustentável. Para garantir que a observação destes animais fascinantes não traga impactos negativos para as espécies e seja sempre segura para os turistas, tem-se investido em infraestruturas adequadas, como píeres de embarque e desembarque, treinamento de operadores, embarcações adequadas e conscientização a respeito das regras para a atividade.
O avistamento de cetáceos tem uma importância fundamental, pois este contato aproxima o homem da natureza e o sensibiliza sobre a necessidade de preservação ambiental e do desenvolvimento do turismo sustentável em uma região.
Para assegurar a proteção dos cetáceos e a sustentabilidade desta prática, são estabelecidas regras estritas de conduta durante o avistamento. É preciso estar consciente que essas regras e boas maneiras servem se aproximar do animal com a garantia de não estressá-lo. Por isso, destacamos uma série de dicas para que você consiga ver uma baleia de perto. Vale destacar que as baleias chegam ao Brasil em um período sensível, em ciclo de reprodução, o que fazem dessas regras ainda mais essenciais para um avistamento saudável.
É importante ressaltar ainda que a atividade de turismo de observação de baleias em águas brasileiras é normatizada pela Lei Federal nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987, que proíbe o molestamento intencional de qualquer espécie de cetáceo, e pela Portaria IBAMA nº 117, de 26 de dezembro de 1996, que define normas específicas para a atividade.
Essas diretrizes são essenciais para minimizar o impacto ambiental e garantir que o turismo de avistamento continue sendo uma fonte de fascínio e educação ambiental para residentes e visitantes. Por meio dessas práticas responsáveis, garante-se a atração de turistas nacionais e internacionais interessados na rica biodiversidade marinha do país.
Portanto, as embarcações são proibidas de:
- Aproximar-se de qualquer espécie de baleia com o motor ligado a menos de 100 m de distância do animal mais próximo;
- Religar o motor antes de avistar claramente as baleias na superfície ou a uma distância de no mínimo 50 m da embarcação;
- Perseguir, com motor ligado, qualquer baleia por mais de 30 m, ainda que respeitadas as distâncias estipuladas acima;
- Interromper o curso de deslocamento de cetáceo de qualquer espécie, dividindo-os ou dispersando-os;
- Penetrar intencionalmente em grupos de cetáceos de qualquer espécie, dividindo-os ou dispersando-os.
- Produzir ruídos excessivos, tais como música, percussão de qualquer tipo ou outros, além daqueles gerados pela operação normal da embarcação, a menos de 500 m de qualquer cetáceo;
- Despejar qualquer tipo de detrito, substância ou material a menos de 500 m de qualquer cetáceo;
- É proibida a prática de mergulho ou natação, com ou sem o auxílio de equipamentos, a uma distância inferior a 50 m de baleia de qualquer espécie.
Mais algumas dicas na observação dos animais:
- Nunca avance bruscamente na direção das baleias;
- Nunca se aproxime por detrás das baleias, mantendo-se afastado em posição lateral;
- Nunca religue os motores da embarcação sem avistar claramente os animais na superfície;
- Não faça ruídos desnecessários, nem jogue qualquer objeto na água;
- Não permaneça junto às baleias por mais de 30 minutos;
- Não sobrevoe as baleias com quaisquer aeronaves a uma altitude inferior a 100 m sobre o nível do mar;
- Para ver as baleias a partir de terra, procure locais elevados e leve binóculos (10×50 são os melhores);
- Se embarcado, siga as normas acima para não perturbar as baleias, assegurando sua presença por mais tempo;
- Previna-se contra o frio e os ventos com roupas adequadas, principalmente na região sul do país;
- Conheça e respeite a cultura das comunidades locais.
É importante sempre consultar um receptivo ou guia local para aproveitar ao máximo as experiências com segurança e respeito ao meio ambiente. Este tipo de turismo é benéfico por respeitar o habitat natural dos animais e por ser uma fonte de renda valiosa, gerando uma série de empregos diretos e indiretos, desde os guias de avistamento e pilotos de embarcações até a manutenção de barcos, operações de marinas, restaurantes e a rede de hospedagem. Isso fortalece o turismo ecológico e impulsiona a economia regional.
Acesse o Guia de observação de baleias – Identificação e boas práticas de avistagem CLICANDO AQUI.