MEIO AMBIENTE -  Como atrair corrupião

O mosquito Culicoides paraensis conhecido como maruim ou mosquito-pólvora - Foto: Dive

Para se ter uma ideia de como é difícil enxergar o mosquito, o maruim mede no máximo 3 milímetros, cerca de 12 vezes menor que o mosquito da dengue e 20 vezes menor que o pernilongo comum. Apenas as fêmeas se alimentam de sangue. Diferente do Aedes aegypti, o maruim tem preferência pelo período do início da manhã e no final de tarde, sendo esse último o preferido. Se a quantidade de maruim for muito alta na localidade, o inseto pode atacar ao longo de todo o dia e a sua presença está associada também ao incômodo à população, devido à picada dolorosa e persistência em se alimentar. O mosquito também é vetor da filária (Manzonella ozzardi) na América Central, do Sul e Haiti, encontrando-se alta prevalência de indivíduos parasitados em zonas endêmicas. Sabe-se que podem transportar diversos vírus e patógenos para mamíferos e aves silvestres. Há mais de 500 espécies de maruins no Brasil, sendo apenas uma, a Culicoides paraenses, incriminada como vetor da febre Oropouche.

O mosquito maruim é o principal vetor de transmissão da febre Oropouche
O mosquito maruim é o principal vetor de transmissão da febre Oropouche

MARUIM (Culicoides paraensis)

Características – “Maruí” e “maruim” são termos oriundos do termo tupi mberu’i, que significa “mosca pequena”. Também conhecidos como mosquito-pólvora ou mosca-d’água, são mosquitos pequenos, entre 1 e 2 mm de comprimento, no máximo 3 mm, com coloração escura, peças bucais picadoras curtas, antenas longas e pilosas nas fêmeas e plumosas nos machos. As asas têm venação característica, poucas nervuras, muitos pelos e sem escamas, com ápice arredondado.

Habitat – O maruim necessita, de forma geral, de três coisas, que são: a umidade, matéria orgânica e sombra. Dessa forma, vários tipos de plantações, como a de banana, café, cacau, margens de rios, solos úmidos, matéria orgânica e até lixo são locais propícios. São muito comuns próximos a cursos de água, principalmente em áreas de maré, ricas em matéria orgânica em decomposição, onde suas larvas se desenvolvem. Encontrado no interior, em matas úmidas, manguezais e brejos. É comum em regiões de mata atlântica, cerrado e pantanal, em áreas florestais e rurais. No norte do país, o maruim também é encontrado em área urbana. Nas cidades da região amazônica, as áreas urbanas estão mais próximas das áreas silvestres e há essa urbanização do vetor. Em alguns municípios fora dessa região, vê-se maruins em áreas urbanizadas próximas do ambiente rural. Recentemente, existem indícios de que o C. paraensis vem sendo encontrado em alguns centros urbanos do país, o que ainda necessita de confirmação. Ao que tudo indica, isso está ocorrendo em áreas onde houve modificação ambiental. Porém, é importante dizer que, até o presente, o maruim não é um vetor urbano, como o Aedes.

A coleção de Ceratopogonidae do IOC/Fiocruz guarda o neotipo da espécie Culicoides paraensis, entre outros tesouros - Foto: Josué Damacena
A coleção de Ceratopogonidae do IOC/Fiocruz guarda o neotipo da espécie
Culicoides paraensis, entre outros tesouros – Foto: Josué Damacena

Ocorrência – inseto nativo das Américas, encontrado na maior parte do continente americano, desde o sul dos Estados Unidos até a Argentina e, atualmente, presente em todo o Brasil, certamente pela contribuição também das mudanças climáticas.

Hábitos – apenas as fêmeas se alimentam de sangue (hematofagia) e podem picar com voracidade. O maruim tem preferência pelo período do início da manhã e no final de tarde (crepuscular), sendo esse último o mais comum. Se a quantidade de maruim for muito alta na localidade, o inseto pode atacar ao longo de todo o dia, dependendo da presença do ser humano ou de outro animal no ambiente, e a sua presença está associada também ao incômodo à população, devido à picada muito dolorosa e persistência em se alimentar. A picada dos mosquitos-pólvora do gênero Culicoides causa uma resposta alérgica em equinos conhecida como coceira doce. Em humanos, sua picada pode causar urticária, vergões vermelhos que podem persistir por mais do que uma semana. Para picar, o mosquito penetra no meio dos cabelos e pelo meio das roupas. O desconforto nasce de uma reação alérgica localizada com as proteínas em sua saliva, que pode ser de algum modo aliviado por anti-histamínicos tópicos. Adultos voam pouco, não indo muito além dos criadouros para realizar a picada. Ele tende a ficar próximo do seu local de reprodução. O voo próprio dele fica em torno de 500 m. Mas, como o maruim é muito leve, ele é dispersado pelo vento. Então, dependendo da velocidade do vento, ele pode alcançar até 2 km voando.

Maruins atacando a mão de um homem
Maruins atacando a mão de um homem
Especialistas da Coleção de Ceratopogonidae do IOC/Fiocruz já descreveram 91 novas espécies de maruins - Foto: Josué Damacena
Especialistas da Coleção de Ceratopogonidae do IOC/Fiocruz
descreveram 91 novas espécies de maruins – Foto: Josué Damacena

Alimentação – os maruins adultos, machos e fêmeas, se alimentam do néctar de plantas. Porém, somente as fêmeas picam seres humanos e animais, pois precisam de sangue para amadurecimento dos ovos. As fêmeas hematófagas causam um ardor no local da picada, o que justifica alguns de seus nomes: mosquito-pólvora ou simplesmente pólvora. Quem é picado pelo mosquito-pólvora fica com manchas vermelhas na pele. Além da alergia, uma das preocupações é com a febre oropouche. Quando o maruim pica, cria tipo uma bolinha, tipo de catapora e logo após a pele está toda vermelha, cheia de mancha.

Reprodução – suas larvas vivem na água doce ou salgada, conforme a espécie. A fêmea do maruim procura locais com bastante matéria orgânica e umidade para depositar seus ovos. Nas florestas, troncos de árvore em decomposição, cascas de frutas caídas no chão, bromélias, beiras de riachos, folhagem do solo são os locais preferenciais. Nos bananais, ela deposita os ovos no cepo da bananeira, parte do caule que fica quando a árvore é cortada para colheita da banana. Na área urbana, ela pode colocar ovos no quintal se houver qualquer tipo de matéria orgânica acumulada no chão. Nos criadouros, os ovos eclodem liberando as larvas que se alimentam da matéria orgânica. As larvas passam por quatro estádios de desenvolvimento, depois se tornam pupas, que não se alimentam e se transformam no inseto adulto. Com base em estudos de espécies Culicoides que ocorrem na Europa, o ciclo leva cerca de 30 dias do ovo até o inseto adulto. Porém, não há dados específicos sobre o tempo de desenvolvimento do C. paraensis.

Larvas de mosquito nas folhas de bananeira - Foto: RBS TV
Larvas de mosquito nas folhas de bananeira – Foto: RBS TV

Predadores naturais – pássaros, aves, répteis, anfíbios.

Controle do vetor e proteção individual – é preciso eliminar os criadouros. O ideal é remover o substrato onde ele se reproduz. Por exemplo, se for o cepo da bananeira, deve-se fazer o manejo integrado do bananal. Se for um quintal, é preciso limpar o terreno, não deixando folhas e cascas de frutas caídas no chão ou outra matéria orgânica em decomposição. Isso pode reduzir a proliferação do inseto. Evitar as áreas com maior infestação e procurar não se expor no horário de pico do inseto, que geralmente ocorre no fim da tarde, é fundamental. Em locais com presença do inseto, é indicado usar blusa de manga longa, calça comprida e sapato fechado. Caso a pessoa precise entrar numa área infestada, como medida adicional, é possível passar óleo corporal na parte da pele que permaneceu exposta. O óleo não funciona como repelente ou inseticida, sendo apenas uma barreira física. Como o maruim é muito pequeno e necessita de estar em contato com a pele para se alimentar, ele fica grudado no óleo e não consegue picar. É importante passar uma camada generosa de óleo corporal e não se deve usar óleo de cozinha ou receitas caseiras, que podem provocar alergia. Se houver infestação perto de casa, fechar as janelas no horário de pico do vetor. Sabemos que algumas dessas medidas são difíceis de adotar, principalmente porque o período de maior transmissão da febre Oropouche é no verão. Não adianta usar repelente, inseticida ou as telas mosquiteiras comuns. Sabe-se que os repelentes não são eficazes contra maruim. Inseticidas também não funcionam. São compostos desenvolvidos contra mosquitos, como Aedes e Culex, que são insetos de famílias diferentes. São minúsculos o bastante para passar através das aberturas das telas de janela típicas por isso, é recomendado utilizar telas de malhas extra finas, tipo voil, o que seria tão eficaz quanto fechar as janelas.

Manchas vermelhas na pele (exantema)
Manchas vermelhas na pele (exantema)

A febre Oropouche

Nos últimos anos, a febre Oropouche tem chamado à atenção de especialistas em saúde pública no Brasil e em outras regiões tropicais. Com casos crescentes e um impacto significativo na população, é essencial compreender os riscos e as medidas preventivas relacionadas a essa doença emergente.

A febre Oropouche é uma doença viral causada por um arbovírus chamado Orthobunyavirus oropoucheense (OROV) que existe no Brasil desde a década de 1960 a partir de amostra de sangue de um bicho-preguiça (Bradypus tridactylus) capturado durante a construção da rodovia Belém-Brasília, que atingiu 11 mil casos. Acredita-se que a doença se espalhou no estado a partir da construção da rodovia, que desmatou áreas de floresta. Os trabalhadores entraram na floresta, onde a doença circulava no ciclo silvestre, e foram infectados. Nos anos seguintes, ocorreram várias epidemias em diferentes localidades do Pará. Provavelmente foi a locomoção humana que espalhou a doença, porque a população sempre se deslocou internamente na Amazônia, através dos rios, e o vetor está muito bem estabelecido nessa região. Desde então, casos isolados e surtos foram relatados no Brasil, principalmente nos Estados da região Amazônica. Também já foram relatados casos e surtos em outros países das Américas Central e do Sul (Panamá, Argentina, Bolívia, Equador, Peru e Venezuela).

Assim como outras arboviroses (dengue, zika, chikungunya), é transmitida principalmente por insetos, como o mosquito Culicoides paraensis, provocando sintomas similares à dengue. Embora seja menos conhecida que outras doenças tropicais, como a dengue ou a zika, sua disseminação vem aumentando de forma alarmante. Até então o arbovírus ficava concentrado na região amazônica, porém, em 2024, tomou conta de praticamente todo território brasileiro.

Ciclo da Febre Oropouche

No ciclo silvestre, animais como macacos, preguiças, roedores e até aves são reservatórios do vírus. O maruim é considerado como principal vetor e algumas espécies de mosquitos também transmitem o vírus. Os insetos se infectam ao picar um animal infectado e transmitem o vírus para outros animais através da picada. Quando o ser humano entra na floresta, ele pode ser infectado nesse ciclo.

No ciclo urbano, o ser humano é o reservatório do vírus. Estudos realizados nos anos de 1980 indicam que o maruim é o principal vetor nesse ambiente. Ainda segundo esses estudos, o Culex quinquefasciatus, popularmente chamado de pernilongo ou muriçoca, pode atuar como vetor secundário. Os insetos se infectam ao picar um indivíduo infectado e transmitem o vírus para outros indivíduos através da picada.

O atual cenário epidemiológico, de acordo com os especialistas, pode ser explicado ou pela maior testagem para o vírus ou pela nova variante, batizada de 2015/2024. Tudo indica que o vírus surgiu na região amazônica e circulava entre animais silvestres, que eram os vetores. As condições climáticas mantinham o vírus lá. Agora, além dessa linhagem nova, tem-se muita chuva e calor na região, o que alterou o comportamento do vetor. Isso juntou duas coisas, a nova linhagem e as condições climáticas favoráveis, que podem ter feito o vírus se espalhar juntamente com a testagem maior.

Maruim no braço de um homem - Foto: RBS TV
Maruim no braço de um homem – Foto: RBS TV

Estudos realizados por diversos acadêmicos chegaram à conclusão de que, de fato, existe um “novo tipo” de Oropouche, que é uma mutação natural dos vírus, não só no Brasil, mas também em outros países das Américas, como Peru e Cuba. Já o fato de o vírus ter se espalhado, pode ser fruto de alterações climáticas e desmatamento, pois o vírus Oropouche está associado ao desmatamento porque o mosquito circula nas matas e quando as pessoas vão desmatar, podem levar o vírus.

A expectativa, segundo os especialistas, é que, a partir de agora, com mais testes, a doença siga presente na realidade brasileira, assim como já é a dengue. Com mais estudos e conhecimento, será feito a melhora do tratamento e diagnóstico.

Número de notificações de Febre Oropouche no Brasil até julho de 2024 - Fonte: Poder 360
Número de notificações de Febre Oropouche no Brasil até julho de 2024
Fonte: Poder 360

Diferenciando a febre Oropouche da dengue

Além da diferença entre os mosquitos vetores, que, no caso da dengue, é o Aedes aegypti, as doenças se diferenciam pela evolução do quadro clínico. O paciente diagnosticado com dengue pode começar a sentir dores abdominais intensas e, no pior dos casos, pode apresentar hemorragias internas, o que não acontece na Oropouche. Uma característica específica da Oropouche é a apresentação de ciclo bifásico. Geralmente, a pessoa tem febre e dores por alguns dias e eles desaparecem em seguida, sendo que 60% dos pacientes sintomáticos infectados pelo vírus Oropouche apresentam essa melhora clínica. Após uma semana ou 15 ou até 30 dias, o quadro da doença retorna, até sumir novamente. Se não tiver sido testada, a pessoa pode acreditar, inclusive, que contraiu dengue pela segunda vez, o que é um quadro bem perigoso.

É um vírus que se tem muito menos informação do que em relação à dengue. Não há tratamento específico disponível, ele é de suporte e não existe vacina. Os medicamentos prescritos podem auxiliar no alívio dos sintomas, como analgésicos para as dores e antitérmicos para controlar a febre, mas não na causa da doença. Ao iniciar os sintomas, o paciente deve procurar imediatamente um serviço médico disponível no SUS. Então, o que os médicos fazem é controlar os sinais e sintomas — quanto mais cedo o diagnóstico, mais fácil direcionar o tratamento. As pessoas com sintomas devem procurar logo um atendimento médico. Trata-se com o conhecimento que se tem da dengue.

O diagnóstico para a Febre Oropouche é realizado por exames laboratoriais de biologia molecular RT-qPCR, que ajudam a identificar a presença do vírus Oropouche (OROV) ou sua resposta no organismo
O diagnóstico para a Febre Oropouche é realizado por exames
laboratoriais de biologia molecular RT-qPCR, que ajudam a identificar
a presença do vírus Oropouche (OROV) ou sua resposta no organismo

Em casos em que o quadro clínico era compatível com dengue ou chikungunya e o diagnóstico dava negativo para essas duas arboviroses, começou-se a investigar quais as outras doenças tinham características semelhantes. A partir do momento em que se começou a testar esses casos, encontrou-se o vírus Oropouche.

O Brasil foi o primeiro no mundo a confirmar morte pela Oropouche. Duas mulheres, com menos de 30 anos, moravam no interior da Bahia e não possuíam comorbidades e um óbito fetal causado por transmissão vertical do vírus (quando o patógeno passa da mãe para o feto durante a gestação). Os sintomas apresentados por elas eram semelhantes aos de um quadro grave de dengue. Vários casos de transmissão vertical estão em investigação, incluindo ocorrências de morte fetal e malformações congênitas, como microcefalia. Segundo os pesquisadores, em ambas mortes foi verificado o comprometimento de vários órgãos e, em algumas literaturas, é descrito manifestações hemorrágicas e no sistema nervoso central no agravamento da doença, como ocorre na dengue.

O aumento de testagens e confirmações de casos da febre oropouche, registrado no ano passado no Brasil, levou a população a ter mais informações sobre um mosquito até então pouco mencionado nas campanhas de saúde.

Febre alta de início abrupto é um dos sintomas da doença
Febre alta de início abrupto é um dos sintomas da doença

Sintomas da febre Oropouche

Segundo o Ministério da Saúde, os sintomas da doença são parecidos com os da dengue e da chikungunya: dor de cabeça, dor muscular, dor nas articulações, náusea e diarreia e podem surgir de 4 a 8 dias após a picada do inseto infectado, durando entre 5 a 7 dias, mas a fraqueza pode persistir por semanas. Eles incluem:

  • Febre alta de início abrupto;
  • Dor de cabeça intensa;
  • Dores musculares e nas articulações;
  • Manchas vermelhas na pele (exantema);
  • Tontura e fadiga extrema (fraqueza);
  • Náusea e diarreia.

O diagnóstico para a Febre Oropouche é realizado por exames laboratoriais de biologia molecular RT-qPCR, que ajudam a identificar a presença do vírus Oropouche (OROV) ou sua resposta no organismo. Se suspeitar da doença, procure um médico para orientações e solicitações de exames. O diagnóstico precoce ajuda a evitar complicações e permite um melhor manejo dos sintomas. Informar-se e informar outras pessoas é essencial para conter a disseminação da febre Oropouche. O diagnóstico clínico, epidemiológico e laboratorial deve ser notificado de forma imediata, em razão do risco de epidemia e da alta capacidade de mutação do vírus que provoca a doença.

Recomendações

O que pode ser feito pela população é a prevenção, em especial neste momento com a chegada do verão, período que caracteriza o aumento da infestação do maruim, com ações tais como:

  • Limpar os terrenos e locais de criação de animais, evitando acúmulo de água, umidade, lixo, restos de matéria orgânica, principalmente em residências com pessoas grávidas;
  • Usar roupas que cubram o corpo e evitar locais com grande presença dos insetos para evitar a picada;
  • Fechar as janelas no horário de pico do vetor;
  • Recolher folhas e frutos que caem no solo;
  • Usar de telas de malha extra fina em portas e janelas;
  • Seguir as orientações das autoridades de saúde locais para reduzir o risco de transmissão, se houver casos confirmados na região.
Bioativo utilizado no controle do mosquito-pólvora no RS - Foto: RBS TV
Bioativo utilizado no controle do mosquito-pólvora no RS – Foto: RBS TV

No Rio Grande do Sul, os municípios do litoral norte estão aplicando um bioativo para controlar a praga sem afetar as plantações de banana. Trata-se de um bioativo produzido à base de levedura de cerveja fermentada para controlar a larva e os ovos do maruim, servindo como um paliativo, pois esse controle é normalmente bem complicado, segundo os técnicos da Emater.

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