As florestas tropicais são partes essenciais do sistema terrestre, importantes para a biodiversidade, para os serviços ecossistêmicos, para os povos indígenas e comunidades locais
O valor da floresta amazônica preservada supera em até sete vezes os lucros potencialmente obtidos por meio de diferentes formas de exploração econômica privada na região que envolvam desmatamento, como agricultura extensiva, exploração madeireira ou mineração. A estimativa foi é do Banco Mundial, que defende uma revisão do modelo de crescimento da amazônia a fim de possibilitar uma maior proteção da floresta e da biodiversidade. A organização calcula que a floresta preservada vale, ao menos, 317 bilhões de dólares (cerca de R$ 1,5 trilhão) por ano.
O chamado valor da floresta em pé refere-se ao valor criado pelo armazenamento de carbono, pelo regime de chuvas que beneficia a agricultura no continente, por recursos da biodiversidade que possam ter aplicações farmacêuticas e por serviços que não envolvam desmatamento, como extração sustentável e turismo, entre outros.
O maior valor anual criado pela preservação da floresta é o armazenamento de carbono, estimado em 210 bilhões de dólares. Essa estimativa considera que a amazônia estoca no mínimo 500 toneladas de CO2 por hectare e que o preço internacional do carbono gira atualmente, em uma estimativa conservadora, em 40 dólares por tonelada de CO2, e aplica uma taxa de retorno anual de 3% pela armazenagem do carbono no solo.
Em seguida, está o valor de existência da floresta e de sua biodiversidade, de 65 bilhões de dólares, calculado a partir de pesquisas de opinião em diversos países sobre o valor que as pessoas atribuem a esse bem. Em terceiro estão os serviços ambientais promovidos pela floresta, como regulação hídrica – incluindo os rios voadores –, regulação do clima regional e proteção contra incêndio, de 12,5 bilhões de dólares. Em quarto vem o valor dos recursos genéticos na floresta que possam ter aplicações farmacêuticas, em 10 bilhões de dólares. Também entram nessa conta a exploração sustentável de produtos não madeireiros, como borracha, castanha-do-brasil e outros, no valor de 8,7 bilhões de dólares.
Por outro lado, a derrubada de 20% a 35% da floresta amazônica para a exploração agropecuária renderia lucros de 25 a 75 bilhões de dólares por ano. Essa estimativa leva em conta que grande parte da floresta não seria adequada para a produção agrícola, com a ressalva de que esse valor pode estar exagerado. A extração de madeira não sustentável renderia lucros anuais de 10 a 15 bilhões de dólares e, a mineração, de 8 bilhões de dólares. Somadas, essas três frentes de exploração poderiam render lucros de 43 a 98 bilhões de dólares por ano.
Destaca-se ainda que o aumento de renda da população da Amazônia Legal tem relação direta com uma maior proteção da floresta, modos de vida tradicionais e redução do desmatamento. Para tanto, é necessário fomentar um maior crescimento da produtividade, tanto no Brasil quanto nos estados amazônicos. Pesquisadores afirmam que esse modelo de exploração contrapõe as pessoas à natureza, destruindo muito mais riquezas do que criando. Esse modelo continua a aproximar a amazônia de um ponto de inflexão, após o qual a floresta perderá a capacidade de gerar chuvas suficientes para se sustentar e também não oferece muitos benefícios aos 28 milhões de residentes da Amazônia Legal.
Esse aumento da produtividade nas áreas rurais e urbanas exigirá uma transformação estrutural. A redução da pobreza na região deve estar atrelada a um modelo de desenvolvimento que não se apoie apenas na extração de recursos naturais. O sucesso de longo prazo no combate ao desmatamento exigirá uma transformação estrutural mais ampla da economia, que reduza o foco na fronteira agrícola, por meio do fortalecimento dos setores de manufatura e serviços.
A Amazônia Legal brasileira compreende nove estados, entre os quais alguns dos mais pobres do país. O vasto território de 502 milhões de hectares é maior em área que a União Europeia (UE) e é o lar de 28 milhões de brasileiros. A região abriga ainda cerca de 60% da floresta amazônica e também partes de outros biomas importantes, como o cerrado e o pantanal.
Arcos da restauração
A restauração da vegetação nativa surge como uma oportunidade inédita para diversificar a produção agroflorestal na amazônia. Esse potencial apoiou o lançamento dos Arcos da Restauração, um resumo político do Painel Científico da Amazônia lançado durante a COP27 no Egito em 2022.
A iniciativa prevê a restauração de pelo menos 500 mil km² em duas regiões amazônicas que concentram a maior parte do desmatamento: uma localizada no sul da Amazônia, abrangendo territórios no Brasil e na Bolívia, e outra ao longo da Cordilheira dos Andes, incluindo Peru, Equador e Colômbia. Os Arcos da Restauração podem prevenir os incêndios florestais e a degradação de mais de 100 milhões de hectares de floresta e são fundamentais para salvar a floresta amazônica do ponto de não retorno. Prevê-se restaurar 24 milhões de hectares de floresta amazônica no Brasil até 2050. A iniciativa é dividida em duas fases: a primeira busca restaurar 6 milhões de hectares até 2030. A segunda vai restaurar 18 milhões de hectares entre 2030 e 2050. O investimento está estimado em US$ 40 bilhões.
Sociobioeconomia
Segundo os cientistas, essa mudança de conceito econômico, de um modelo de desenvolvimento insustentável para uma novo modelo que priorize a proteção, restauração e criação de saudáveis florestas em pé e rios fluindo, deverá ser feita por meio do conceito de sociobioeconomia, uma economia baseada na restauração florestal e no seu uso sustentável para apoiar o bem-estar dos residentes da amazônia e da comunidade global. Esta inovação é mais lucrativa do que as economias convencionais que contribuem para o desmatamento na amazônia.
A sociobioeconomia adiciona valor aos produtos florestais através da bioindustrialização nas comunidades que gerem a restauração florestal. Essa agregação de valor é 10 a 20 vezes maior do que a comercialização de produtos primários. A bioindustrialização é essencial para construir predominantemente uma sociedade de classe média em toda a amazônia.
Uma visão viva de florestas tropicais sustentáveis busca o conhecimento da natureza baseado na ciência, nas inovações tecnológicas e no conhecimento dos povos indígenas e das comunidades locais como o caminho para o desenvolvimento socioeconômico sustentável, a conservação ambiental e uma sociobioeconomia de saudáveis florestas em pé e rios fluindo, para evitar mudanças ambientais e sociais irreversíveis que conduzam a pontos de não retorno.
Texto baseado em matéria de Carlos Afonso Nobre no Ecoa