Cerca de 1,2 milhão de pessoas trabalham na atividade, onde 80% estão no nordeste e no norte, um grupo essencial para a biodiversidade, cultura e economia
Aprender o ofício dos mais velhos significa a transmissão de um saber ancestral, mas também uma “necessidade”. Embora o mar os encante e seja um saber passado pelas gerações, não há motivo para romantizar a atividade. Eles vão ao mar para tentar o sustento da família. Quem trabalha com a pesca artesanal sabe que são necessárias mais condições, garantias de direitos e políticas públicas para que o mar não seja tão revolto. Na última semana de novembro, em Brasília, pelo menos 800 trabalhadores da pesca de 18 estados fizeram uma série de discussões para pedir mais atenção para a categoria, no evento “13º Grito da pesca artesanal”. O slogan do evento foi “Por justiça climática, soberania alimentar e políticas públicas para a pesca artesanal: pescadores e pescadoras na luta!”
A proposta foi discutir com órgãos governamentais e outras entidades as violações de direitos no acesso ao Registro Geral de Pesca (RGP) e aos direitos previdenciários, regularização dos territórios pesqueiros e comunidades tradicionais e os impactos das mudanças climáticas nas comunidades pesqueiras. O evento foi organizado pelo Organizado pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP).
Os pescadores percebem que outros desafios se colocaram sobre as ondas. Para eles, a mudança do clima é nítida. Hoje é muito mais quente e existem, por exemplo, muito menos anchovas, tainhas e xaréus. Se os períodos de estiagem prejudicam a pesca no litoral potiguar, foram as enchentes que impactaram os pescadores da Ilha dos Marinheiros, em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, onde da ilha para o estuário não há mais ponte e a comunidade está com dificuldades de acesso a benefícios, reconstrução de casas e também autorização para que possam pescar em uma área maior. Para quem pesca no Rio São Francisco, as mudanças climáticas e a poluição do Velho Chico desanimam as 40 famílias que vivem das águas. Eles sentem a falta do surubim, do pacamão e do curimatã. Antes era muito diferente.
Também participam do evento, a delegação internacional do Fórum Mundial de Povos Pescadores (WFFP) que reuniu povos pesqueiros de 40 países em defesa dos direitos das comunidades pesqueiras e do meio ambiente, incluindo o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP-Brasil). Em uma declaração incisiva ao G20, os participantes denunciaram a devastação ambiental causada por grandes corporações e exigiram reparações urgentes, além do fim das “falsas soluções” que apenas agravam a crise climática.
Os pescadores alertam para a ameaça da expansão capitalista, impulsionada pela economia azul e projetos industriais que devastam seus territórios. Para eles, os pescadores são protagonistas de seus territórios e suas vidas, portanto, são eles que devem ser consultados e tomar as próprias decisões. O documento reforça a necessidade de respeitar os direitos tradicionais, proteger os defensores das águas da criminalização e reconhecer os saberes ancestrais, exigindo do G20 um compromisso real com a paz e a justiça ambiental. O 13º Grito da Pesca Artesanal, mais do que um ato de resistência, simboliza a união de povos e organizações em defesa de um planeta mais justo e sustentável.
O papel das comunidades tradicionais na conservação do meio ambiente
Embora haja poucos dados sobre pesca artesanal no Brasil, estima-se que ao menos 1 milhão de pessoas estão ligadas diretamente ao ofício e são responsáveis por pelo menos 60% da produção de pescado do país, segundo o estudo “Iluminando as Capturas Ocultas – ICO/A pesca Artesanal costeira no Brasil” – realizado com apoio da FAO/ONU em 2020. Os pescadores artesanais cumprem um papel vital na segurança alimentar e bem-estar global, especialmente em regiões subdesenvolvidas. Eles produzem pelo menos 40% da pesca global.
Por terem uma forte relação com a natureza e dependerem dela para sua subsistência, essas comunidades tradicionais contribuem para a conservação do meio ambiente. Os pescadores de pequena escala têm importantes conhecimentos populares sobre a natureza e sobre recursos pesqueiros (uma grande diversidade de organismos e diferentes ecossistemas aquáticos), artes e petrechos de pesca, que são passados de geração a geração e contribuem para que a atividade seja mais sustentável. O conhecimento desses pescadores pode oferecer insights únicos sobre uma variedade de tópicos, como mudanças climáticas, impactos ambientais e a dinâmica da pesca, que muitas vezes estão fora do alcance dos estudos científicos convencionais. Por isso, esse conhecimento de populações tradicionais deve ser reconhecido, valorizado e aplicado em pesquisa científica, manejo e conservação de recursos naturais, bem como em processos de tomada de decisão. Esse conhecimento tem contribuições multidimensionais para a ciência da pesca e dos ecossistemas aquáticos, desde a gestão e conservação até a ecologia e avaliação de impactos ambientais.
O futuro sustentável da pesca e dos ecossistemas aquáticos depende do reconhecimento e do apoio das populações tradicionais, sendo essencial que as comunidades locais tenham um papel ativo na governança das pescarias e na tomada de decisões. Desta forma, a pesquisa colaborativa com pescadores pode ser um caminho para uma abordagem de gestão mais inclusiva e eficaz, valorizando o conhecimento tradicional como um componente vital da ciência e da gestão ambiental. Comunidades de pescadores artesanais representam um grupo essencial na gestão de ecossistemas e na preservação de tradições e culturas milenares.