Os rios voadores da amazônia, que tradicionalmente transportam grandes volumes de vapor d’água, agora carregam gases tóxicos que se espalham por todos biomas e cidades brasileiras
Os recentes focos de incêndio que devastam os céus do Brasil não são meras tragédias naturais, mas ações criminosas, meticulosamente orquestradas pela ganância de agentes que se dedicam à produção de commodities para o mercado global e à especulação de terras, sem priorizar a alimentação da população. Em contrapartida, a agricultura familiar, que alimenta 70% dos brasileiros, enfrenta as consequências desse modelo predatório.
Essa destruição, que afeta diretamente os brasileiros e todos os nossos biomas, ecoa as advertências presentes em A Queda do Céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, antropólogo francês. No livro, Kopenawa, xamã Yanomami, alerta para o colapso que a exploração desenfreada da natureza pode causar, um cenário que se materializa agora nos céus cobertos por uma espessa camada de fumaça tóxica, transformando os célebres “rios voadores” em corredores de poluição. Assim como a visão profética de Kopenawa, a atual situação é um sinal de que a ganância humana está levando o céu a literalmente “cair” sobre nós, com consequências devastadoras para o meio ambiente e para a vida humana.
A dispersão da fumaça tóxica intensificou-se atingindo pelo menos dez estados nas regiões norte, centro-oeste, sudeste e sul. Nos estados do Amazonas, Roraima e Pará, a fumaça persiste sem trégua, levando especialistas a recomendarem o uso de máscaras para a população em áreas afetadas, como medida paliativa contra a inalação de partículas tóxicas.
São Paulo também enfrenta uma crise de poluição. Na última sexta-feira (23), o estado foi duramente atingido, com incêndios na região de Ribeirão Preto resultando no bloqueio de estradas e na propagação de fuligem até a capital. Esse cenário caótico já havia se repetido em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul no início da semana, demonstrando a extensão do problema.
Os “rios voadores” da amazônia, que tradicionalmente transportam grandes volumes de vapor d’água, agora carregam gases tóxicos que se espalham por cidades como Cuiabá, Campo Grande, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Florianópolis. A qualidade do ar nessas regiões tem se deteriorado gravemente, em grande parte devido à presença de partículas finas com menos de 2,5 micrômetros de diâmetro, que são especialmente nocivas à saúde.
A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, afirmou que há fortes indícios de que os incêndios foram provocados de maneira intencional, numa tentativa de repetir o “dia do fogo” de 2019. A suspeita de que os incêndios tenham origem criminosa levou o governo federal a acionar a Polícia Federal para investigar. Até o momento, quatro pessoas foram presas em flagrante em cidades do interior de São Paulo e Goiás.
As queimadas causaram acidentes, resultando em duas mortes e 66 feridos, isso sem mencionar os animais e a perda vegetal, de acordo com a Defesa Civil. Em São Paulo, a resposta do governador Tarcísio tem gerado controvérsias. Em vez de penalizar os mandantes dos crimes, há propostas para conceder subsídios aos proprietários de terras envolvidos, um movimento que contrasta com a expectativa de que esses latifúndios sejam desapropriados para reforma agrária. Nas redes sociais, a indignação cresce, com cidadãos compartilhando em seus perfis pessoais o slogan “o agro é pó” para expressar seu repúdio.
Fruto de 40 anos de diálogo entre um xamã e um antropólogo, o livro “A Queda do Céu” é de atualidade atroz. Lançado em 2016 pela Companhia das Letras, é um livro de não-ficção que apresenta o relato de Davi Kopenawa gravado e transcrito pelo etnólogo Bruce Albert, revelando, sobretudo, o impasse civilizatório do país dos “comedores de terra”, que aposta na devastação ao invés da riqueza da floresta e da diferença. Revela com agudeza tanto os impasses como as possíveis linhas de fuga do projeto violento de nação periférica a que o Brasil é ciclicamente reduzido.
Fonte: Baseado em matéria da jornalista Stella Legnalioli – Ecycle