
O livro reúne ciência e arte, revelando a ameaça ao bioma devido ao desmatamento para o desenvolvimento da agropecuária
Produzir a obra com suas mais de mil fotografias foi uma jornada longa e apaixonante pelo cerrado brasileiro. Fruto de mais de uma década de pesquisa e expedições pelo bioma, considerado o “berço das águas” (por abrigar as nascentes de oito das doze principais bacias hidrográficas do país) e a “savana mais rica do mundo”, o biólogo, fotógrafo de natureza, mestre e doutor em Botânica pela UnB Marcelo Kuhlmann lança “Cerrado em Cores: Flores Atrativas para Beija-Flores”, registrando nada menos do que 41 espécies da ave e mais de 300 espécies de flores nativas que produzem néctar e atraem beija-flores, o que resultou em 750 páginas.
Nesse período viajou por algumas das regiões mais incríveis do bioma – da Chapada dos Veadeiros à Chapada dos Guimarães, do Grande Sertão Veredas ao Jalapão, passando pela Chapada Diamantina, a Cadeia do Espinhaço e muitas outras áreas riquíssimas em biodiversidade nos diversos estados em que ainda há cerrado em pé. Foram anos de pesquisa, trilhas, andanças e muita paciência para registrar as belas interações entre as flores nativas e os beija-flores a elas associados.

de pesquisa e expedições de Marcelo pelo
bioma – Foto: Marcelo Kuhlmann
Nascido e criado no coração do cerrado, Marcelo Kuhlmann sempre foi fascinado pelas interações entre as plantas e os animais que compõem esse bioma. Sua jornada de pesquisa, que já dura quase 20 anos, foi guiada por perguntas essenciais para a ecologia da região: quais plantas fornecem alimento para os animais? E quais animais são responsáveis pela polinização e dispersão das sementes dessas plantas? Essas questões, aparentemente simples, revelam desafios imensos. O cerrado abriga mais de 13 mil espécies de plantas e mais de 2 mil espécies de vertebrados. Entre essas plantas, estima-se que 80% a 90% dependam de animais para a polinização, especialmente as abelhas, enquanto cerca de um terço produz frutos carnosos que servem de alimento para a fauna.
A obra, ricamente ilustrada, combina ciência e arte e revela a relação entre as plantas e seus
polinizadores, destacando a importância da conservação desse ecossistema único. Com fotografias inéditas e informações detalhadas, o autor convida o leitor a enxergar o cerrado além de suas paisagens, revelando um bioma essencial para a biodiversidade brasileira. A publicação está organizada de forma didática, de acordo com as cores das flores e sua época de floração e foi publicado de forma independente pela própria editora do autor, a Biom Field Guides, produzida com capa dura e acabamento especial, contando com financiamento coletivo para ser impresso. O trabalho aproxima o leitor das espécies nativas, cores e ciclos naturais do cerrado, um dos biomas mais ricos e ameaçados do mundo.
Em suas andanças, Kuhlmann testemunhou os impactos devastadores da ganância e da falta de conhecimento. O bioma vem sendo devastado em ritmo acelerado. O avanço descontrolado da fronteira agrícola, o desmatamento em larga escala e a fragmentação dos habitats vêm colocando em xeque a sobrevivência de inúmeras espécies. Não apenas de plantas e animais, mas também dos povos tradicionais que vivem e protegem esse território há séculos. A expansão desordenada e as atividades econômicas de alto impacto vêm colocando em risco esse patrimônio natural inestimável. A ocupação humana segue como um dos principais vetores de pressão sobre os ecossistemas do cerrado. Reverter essa realidade é um desafio que exige a união de produtores rurais, cientistas, governos, ONGs, comunidades locais e consumidores. Nesse contexto, o trabalho não é apenas uma homenagem à beleza desse bioma, mas um apelo urgente à sua conservação.

flores e os beija-flores do Cerrado – Foto: Marcelo Kuhlmann
Para o pesquisador, a maior ameaça para o cerrado é o desmatamento, principalmente voltado para o agronegócio. Segundo ele, apesar de toda a sua importância para a economia do Brasil, não está sendo feito de uma forma totalmente sustentável. Nos últimos 70 anos, o país perdeu mais da metade da vegetação nativa do bioma. Relata que quando viaja pelo cerrado, atrás dessas permanências de vegetação nativa, passa horas por monoculturas, de soja e de milho, a perder de vista, o que coloca em risco toda a biodiversidade.
Em seus estudos, Kuhlmann avalia ser necessário acompanhar os efeitos das mudanças climáticas sobre essas aves, porque o período de floração das plantas pode alterar o comportamento delas. Cada espécie tem um período certo para florescer e para manter uma população de polinizadores, como os beija-flores, é preciso que haja flores ao longo de todo o ano. O biólogo explica que, apesar de serem ativos durante todo o dia, os beija-flores são animais diurnos, principalmente nos períodos mais frios do dia. A quentura do dia pode afetar, inclusive na competição dos recursos florais com outros animais, como as abelhas.
A pesquisa de Kuhlmann buscou inicialmente identificar as espécies de beija-flores que ocorrem no cerrado e quais flores atraem as aves. No bioma, ocorrem 41 espécies de beija-flores das 89 que já foram encontradas no Brasil. Nele encontram-se as espécies que são mais frequentes, que ocorrem em todo o bioma, e outras espécies, mais raras, de ocorrência apenas localizada, como as que ocorrem na Serra do Espinhaço. Kuhlmann destaca o fato de o beija-flor ter uma visão de cores muito aguçada e desenvolvida. São animais conseguem enxergar até ultravioleta e têm um espectro visual de cores muito maior que o humano.

caliandra (Calliandra dysantha) – Foto: Marcelo-Kuhlmann

Foto: Marcelo Kuhlmann
Flores coloridas e chamativas têm esse efeito de atração de beija-flores e de outras aves, porém flores pequenas e discretas também atraem animais e o beija-flor paquera uma maior variedade de flores, de todos os formatos e tamanhos e de todas as cores. O motivo é que, além das cores, o beija-flor vai direto ao assunto: atrás de néctar. Beija-flores são fundamentais polinizadores. Eles atuam nesse serviço ecológico para as plantas do cerrado em conjunto com diversos outros animais, como as abelhas, mariposas, borboletas e morcegos. Muitas das flores que os beija-flores visitam também são atrativas para outros animais polinizadores. No livro, foram registradas mais de 300 espécies nativas que atraem beija-flores, das quais pelo menos 100 dependem mais dos beija-flores.
É importante ressaltar que essas interações entre flores, beija-flores e outros polinizadores não são apenas encantadoras de se ver – elas são fundamentais para manter os ciclos de regeneração natural do cerrado. Sem esses encontros, não há polinização. E sem polinização, não há frutos, sementes ou novas plantas. É um ciclo essencial que sustenta a vida e que está em risco.
O trabalho é apaixonante, mas fotografar beija-flores não é tarefa fácil, pois são extremamente rápidos, desconfiados e seletivos. Para uma boa foto, espera-se horas a fio no meio da vastidão do cerrado, com a câmera pronta e o coração acelerado. Com o tempo ele aprendeu a reconhecer os horários, os comportamentos e a identificar as flores preferidas de cada espécie. E não foi raro ter que viajar para regiões bem remotas para conseguir registrar espécies raríssimas e cada encontro desses foi uma conquista e uma celebração.


É urgente entender que conservar o cerrado não é um luxo: é uma necessidade para garantir o futuro da vida, da agricultura e do próprio bem-estar humano. Conservar o cerrado enquanto se produz de forma sustentável é o único caminho que permitirá ao homem continuar a habitar essa região com dignidade. E o primeiro passo para conservar e valorizar o cerrado é conhecê-lo. Dessa maneira, é preciso trazer essas espécies para mais perto do cotidiano. Não só em áreas de restauração ecológica, mas também nos jardins, parques e cidades. Plantar espécies nativas que atraiam beija-flores e outros polinizadores é uma forma concreta de proteger o cerrado, manter vivas essas redes ecológicas e gerar sentimentos de pertencimento e conexão entre as pessoas e a rica biodiversidade.
A ideia do livro é justamente despertar o olhar dos leitores e chamar a atenção para toda essa biodiversidade que ainda se tem e que muita gente nem sabe que existe. Assim, “Cerrado em Cores – flores atrativas para beija-flores” é mais do que um guia fotográfico: é um convite para enxergar com outros olhos esse bioma incrível. É um tributo à beleza, à ciência e à urgência de conservar o que ainda temos. E, acima de tudo, é uma forma de compartilhar esse encantamento com cada pessoa que folheia suas páginas. Para quem tem interesse em conhecer mais esses tesouros, a obra pode ser adquirida online. Cada página é um convite para mergulhar na essência do cerrado e compreender que a sua conservação está em nossas mãos. Ao adquirir o livro você não somente estará levando para casa uma obra de rara beleza, mas também estará contribuindo para os trabalhos de pesquisa pelo nosso cerrado.