Ícone do site AGRONEGÓCIO

Mais uma ação típica do colonialismo

Carrinhos de compra do Carrefour

O Brasil boicota o Carrefour. Operação capitaneada pela rede de supermercados francesa, numa ação típica de colonialista, articulada com empresas e governo, os franceses resolveram boicotar a carne proveniente de países do Mercosul, como Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, para proteger sua agropecuária. O primeiro passo foi esse. O CEO do grupo, Alexandre Bompard, anunciou que a empresa interromperá a importação de carnes do Brasil para suas operações na França. A declaração imediatamente gerou forte impacto nos frigoríficos brasileiros, que decidiram cancelar as entregas para para mais de 150 lojas da multinacional francesa no país.

Caminhões que estavam no percurso para entregar os produtos tiveram que voltar para o seu ponto de partida. O Brasil é o segundo maior mercado do Carrefour no mundo. O protesto já afeta a rede Carrefour e as 430 lojas do Atacadão e do Sam’s Club, empresas controladas pelo grupo aqui no Brasil, e o desabastecimento é evidente nas gôndolas de carne das lojas. Apesar de a França ter importado menos de 40 toneladas de carne bovina brasileira entre janeiro e outubro deste ano, o impacto na imagem do produto preocupa produtores locais.

Pra piorar a situação, veio o segundo passo, a recente declaração do presidente francês, Emmanuel Macron, sobre sua rejeição ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia gerando forte repercussão internacional, especialmente no Brasil. Já na semana passas, em visita à América do Sul durante a cúpula do G20, Macron reafirmou o compromisso com os agricultores franceses, apontando preocupações sobre os impactos do tratado na competitividade da agricultura local e na reindustrialização de países como a Argentina. Ontem Macron reforçou que não assinará o acordo com o Mercosul, reiterando apoio ao Carrefour.

A declaração de Macron ocorre em meio a intensos protestos liderados pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas e pelos Jovens Agricultores. Os manifestantes organizaram bloqueios em rodovias, manifestando temores de que o acordo com o Mercosul prejudique os produtos franceses frente à concorrência internacional.

Carne faltando em unidades do Carrefour em SP com o boicote dos frigoríficos

Imediata foi também a reação das autoridades e lideranças brasileiras. Com a justificativa de não importar mais a carne do Mercosul, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, respaldou a reação dos frigoríficos brasileiros declarando: “Se não serve para os franceses, não vai servir para os brasileiros. Aqui não é colônia francesa. As indústrias daqui tomaram uma atitude bonita ao não fornecer, porque, se não podemos vender lá, também não vamos vender aqui. Eles têm o apoio do governo, do Ministério da Agricultura. Depois disso, os franceses conseguiram a adesão de vários outros setores da economia brasileira contra o seu boicote.

A Frente Parlamentar da Agropecuária e diversas entidades do setor reagiram, criticando o movimento francês e destacando a importância de união da cadeia produtiva num momento de demonstração de força e coesão, argumentando que a postura da rede desvaloriza os produtos brasileiros. Governadores chamaram a decisão de “atitude infeliz”, propondo reciprocidade em relação aos produtos franceses. Especialistas também destacaram o risco para empresas francesas operando no Brasil, como o próprio Carrefour e a Danone, alertando que criar uma imagem negativa no mercado brasileiro é um risco significativo e não deixaram passar, afirmando que os os franceses defendem o livre mercado, mas logo o abandonam quando seus interesses estão em jogo.

Para a FPA, se o Mercosul não é fornecedor à altura do mercado francês, também não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país. O grupo vai apresentar um requerimento na Câmara dos Deputados para instalar uma comissão externa com o objetivo de “colocar o dedo na ferida” da empresa, pois é preciso avaliar a conduta e as denúncias contra o Carrefour no Brasil, lembrando que há antecedentes graves da rede de supermercados francesa no país ligados a violações raciais, ambientais e trabalhistas. A paralisação de venda de frigoríficos brasileiros de carne bovina ao Carrefour se estendeu aos produtores de frango e suínos. O contra-ataque brasileiro foi forte. O setor de proteína animal brasileiro manterá a medida até o momento em que a rede varejista fizer uma retratação global.

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) também convocou empresários de hotelaria e de alimentação fora do lar a se engajarem ao boicote ao Carrefour e às redes Atacadão e Sam’s Club, que pertencem ao grupo, até que a rede mude oficialmente o posicionamento quanto à venda de carne proveniente do Mercosul em suas lojas na França. O setor representa mais de 500 mil empresas, apenas no estado de São Paulo, que deixarão de comprar no grupo francês, enquanto insistir em desqualificar a carne brasileira, questionando uma qualidade comprovada globalmente.

O presidente francês, Emmanuel Macron, não apoiará o acordo
enquanto houver risco à agricultura local – Foto: Ludovic Marin/AFP

Mesmo com toda essa movimentação contra, Macron mantém sua posição firme: a França não apoiará o acordo enquanto houver risco à agricultura local. O Carrefour tentou negociar a retomada das entregas com os frigoríficos, que condicionaram a medida a uma retratação pública do grupo global. A principal queixa dos frigoríficos não é apenas o boicote, mas também a insinuação de que a carne brasileira apresenta problemas de qualidade e sanidade.

Após a atitude do grupo francês e as reações aqui no Brasil, abrindo uma crise política e diplomática, além de questionamentos sobre a governança da empresa, o dirigente Alexandre Bompard foi criticado por priorizar interesses locais da França e ignorar impactos globais na rede varejista, com possíveis prejuízos para o segundo maior mercado da rede: o Brasil. A filial brasileira do Carrefour é responsável por metade do lucro operacional global do grupo, destacando a relevância estratégica do país para a varejista.

Sem pensar nesse detalhe, a decisão de Bompard teria sido tomada sem consulta formal ao conselho de administração, formado por 15 membros, dos quais 13 são franceses. Para o conselho, Bompard calculou mal a reação do mercado e o tom que adotou foi um erro. Bompard teria discutido a decisão apenas informalmente com pessoas de sua confiança, ignorando procedimentos de análise interna de riscos e impactos. Um ex-executivo do Carrefour criticou: “Bompard colocou seus interesses pessoais acima dos da organização. Decisões desse porte, com impacto estratégico e político relevante, deveriam ter sido debatidas com o conselho”. A insatisfação também ecoa entre os acionistas. A Península Participações, da família Diniz, segunda maior acionista do grupo, com 8,8% de participação, manifestou incômodo com a postura do CEO.

Ontem, a rede varejista publicou um pedido de desculpas afirmando não ter tido a intenção de colocar o setor agropecuário francês contra o brasileiro, acrescentando ser “parceiro número 1” do agro do Brasil e esperando que a normalização do abastecimento em suas lojas ocorra no curto prazo. O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) informou que recebeu formalmente a carta assinada pelo diretor-presidente do Grupo Carrefour, Alexandre Bompard, endereçada ao ministro Carlos Fávaro, esclarecendo sua declaração em apoio aos agricultores franceses e reconhecendo a alta qualidade, o respeito às normas e o sabor da carne brasileira. O ministério afirma que o Brasil tem um sistema de rigoroso de defesa agropecuária que o posiciona como o principal exportador de carne de aves e bovina do mundo, reiterando os elevados padrões de qualidade, sanidade e sustentabilidade da produção agropecuária brasileira e enaltecendo o trabalho desempenhado pelo setor, a gestão ativa das associações e seus associados na defesa de uma produção de excelência que chega às mesas de consumidores em mais de 160 países.

A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) divulgou nota em que afirma ter recebido de forma positiva a retratação apresentada pelo CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, ao ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, declarando que em contraposição ao equívoco de sua primeira manifestação, a nova carta de Bompard faz jus à maior organização varejista atuante no Brasil. Para a ABPA, a missiva do executivo deixa claro o reconhecimento aos enormes esforços dos produtores brasileiros para a produção de proteínas com elevados padrões sanitários e de qualidade, que são fundamentais para a segurança alimentar do Brasil e de mais de 150 países em todo o mundo, considerando o tema encerrado.

Frigoríficos brasileiros cortam fornecimento de carne para
as redes Carrefour, Atacadão e Sam’s Club

A reação argentina

Em resposta à recente decisão do Carrefour, de suspender a venda de carne bovina proveniente do Mercosul nas lojas da França, a Mesa Argentina de Carne Sustentável (Macs) emitiu uma carta oposta à postura de protecionismo comercial adotada pela rede de supermercados francesa. Segundo a carta, a atitude prejudica as relações comerciais e enfraquece os esforços globais por uma pecuária mais sustentável.

No documento, a Macs argumenta que a decisão de Bompard sobre a carne bovina representa um retrocesso em relação ao livre comércio, enfatizando que o protecionismo só gera maior isolamento entre os países, alertando que, quando a xenofobia e o protecionismo aumentam, as nações tendem a se fechar, o que resulta em restrições não apenas comerciais, mas também de mobilidade e liberdade, o que reforça os conflitos e diminui o valor da paz mundial.

O texto destaca que a quantidade de carne do Mercosul exportada para a França é limitada e questiona o impacto dessa decisão nos negócios do Carrefour nos países do Mercosul, como Brasil e Argentina. A associação critica a alegação do Carrefour sobre desigualdade nas condições ambientais, argumentando que as práticas de produção no Mercosul são mais sustentáveis, com o gado criado em pastagens ao ar livre, o que não apenas garante o bem-estar animal, mas também contribui para a captura de carbono.

Tradição e tecnologia valorizam o gado criado no pampa

Outro ponto levantado é que os produtores franceses recebem subsídios estatais para garantir a sustentabilidade econômica de suas atividades, criando desigualdade nas condições de mercado. A Macs acredita que, apesar das diferenças nos modelos de produção, tanto os produtores franceses quanto os do Mercosul têm um longo caminho a percorrer para atingir uma sustentabilidade plena em suas cadeias produtivas.

A organização alerta contra o uso da sustentabilidade como justificativa para o protecionismo comercial, destacando que essa abordagem prejudica o trabalho coletivo dos pecuaristas em nível global, comprometendo os esforços para avançar em direção a uma pecuária mais sustentável. Para a Macs, embora a sustentabilidade deva ser um objetivo comum, medidas como a do Carrefour ameaçam o progresso do setor agrícola mundial, indo contra os esforços dos pecuaristas para melhorar suas práticas e alcançar o mais alto nível de sustentabilidade.

Nesse contexto, a postura de Macron e as reações subsequentes acendem alertas sobre a complexidade das relações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia. Com o Brasil reforçando sua posição como potência agrícola, o episódio evidencia desafios para equilibrar interesses nacionais e globais em um cenário de crescente protecionismo e demandas ambientais. O desfecho dessas tensões pode redefinir estratégias comerciais e alianças internacionais para os próximos anos.

Agricultores revoltados com acordos protestam na França

O outro lado da moeda

Transcrevemos a matéria de Leonardo Sakamoto no UOL, para reflexão:

Brasil boicota Carrefour por gado, mas não quando a empresa tortura negros. A carne vermelha vale mais do que a negra no Brasil

A política nacional está se desdobrando, nesta segunda (25), para defender o boicote de frigoríficos ao Carrefour no Brasil após o presidente mundial da rede anunciar um boicote de carne bovina do Mercosul na França. Ele queria fazer média com produtores franceses contrários ao acordo entre União Europeia e nosso bloco comercial.

Quando a agropecuária tá em pauta, Brasília pede respostas duras e concretas, como fizeram o ministro da Agricultura Carlos Fávaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, entre outros. Mas quando a empresa comete uma sequência de abusos contra a população negra, não vemos o mesmo movimento por boicote puxado pela política.

Sim, a carne vermelha realmente vale mais do que a negra no Brasil.

O caso mais famoso foi o de Beto Freitas, assassinado em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra, em 19 de novembro de 2020. Imobilizado, acabou sufocado e espancado até a morte no estacionamento por um segurança e um policial militar temporário. Um acordo milionário foi firmado em setembro de 2021 e a empresa prometeu mudar o comportamento em suas lojas.

Mas no dia 7 de abril de 2023, a professora negra Isabel Oliveira foi perseguida por um segurança enquanto fazia compras no Atacadão Parolin, em Curitiba, que pertence à rede francesa. Depois, retornou ao estabelecimento e tirou a roupa em forma de protesto, mostrando a frase que escreveu no próprio corpo: “Sou uma
ameaça?”.

No mesmo dia, Vinícius de Paula, marido de Fabiana Claudino, bicampeã olímpica de vôlei, diz ter sofrido racismo em uma unidade do Carrefour em Alphaville, condomínio de alta renda próximo a São Paulo. Ele teve atendimento negado em um caixa preferencial vazio, que depois aceitou uma cliente branca que também não se enquadrava nos requisitos.

Após o caso de Isabel, o presidente Lula, afirmou, em reunião ministerial, que “o Carrefour cometeu mais um crime de racismo com uma cliente negra” e que “a gente não vai admitir o racismo que essa gente tenta impor ao Brasil”.

Mesmo após a promessa, um casal foi torturado e humilhado por tentar furtar leite em pó no Big Bom Preço, pertencente ao grupo Carrefour, do bairro São Cristóvão, em Salvador, no mês seguinte. O caso gerou comoção após um vídeo com as agressões e a justificativa de ambos, de que o produto era para alimentar a filha que passava fome, viralizar nas redes sociais.

A capivara é extensa e não nasceu hoje, claro. Por exemplo, há 15 anos, em agosto de 2009, Januário Alves de Santana, acusado de estar roubando um automóvel em uma loja do Carrefour, em Osasco (SP), foi submetido a uma sessão de tortura. “O que você fazia dentro do EcoSport, ladrão?”, perguntaram, enquanto cinco pessoas davam chutes, murros, coronhadas, na sua cabeça, na sua boca. O carro era dele, comprado em 72 vezes.

Não adianta soltar repetidas notas dizendo que a empresa não compactua esse tipo de crime se ações justiceiras e milicianas, que atropelam a Constituição Federal, continuam ocorrendo em suas lojas através de funcionários sob sua responsabilidade. Pois vai ficando a impressão de que, quem visitar o mercado, a depender da classe social e cor de pele, vai encontrar carne, frutas, pilhas, amaciante, mas também tortura.

Picanha vale mais que gente em muitos mercados

Claro que picanha vale mais que gente também em outras empresas varejistas brasileiras. Por exemplo, Bruno Barros e Yan Barros, tio e sobrinho, que furtaram quatro pacotes de carne de uma unidade de outra marca da empresa, o supermercado Atakarejo, em Salvador, foram encontrados mortos com sinais de tortura e marcas de tiro em abril de 2021. Os seguranças do mercado entregaram ambos a traficantes para que fossem punidos e mortos.

Em outubro de 2022, dois homens foram torturados e extorquidos por cinco seguranças do UniSuper, em Canoas (RS), diante do gerente e do subgerente da loja, após tentarem furtar duas peças do corte. Vítima das piores agressões, um homem negro foi colocado em coma induzido no hospital com fraturas no rosto e na cabeça. Após o espancamento, o gerente ainda tirou uma foto para comemorar.

O Carrefour é o maior grupo supermercadista do país, então o senso comum aponta que a incidência de problemas tende a ser maior. Mas a lógica de responsabilidade empresarial não funciona dessa forma. Pois, muito mais dinheiro à disposição pode significar mais dividendos pagos aos acionistas ou mais recursos para uma empresa implementar protocolos de salvaguardas a fim de garantir que a vida seja respeitada em suas dependências.

A menos que, entre os motivos dos lucros, estejam a contratação de empresas desqualificadas para cuidar da segurança, a falta de investimento em treinamento de funcionários e uma política interna que proteja o patrimônio acima da dignidade humana. O que mostraria um alinhamento do grupo francês à nossa herança escravista, que ainda permite que pessoas em posição de poder sintam-se gestoras do pelourinho.

O caso dos boicotes do Carrefour e ao Carrefour por conta da carne vermelha é um jogo em que todos saem ganhando. Os envolvidos sabem que a) é pífia a quantidade de carne bovina fresca importada pela França daqui, b) precisamos melhorar muito nossos insustentáveis padrões ambientais e c) a Europa precisa parar de usá-los para mascarar um protecionismo de quem não tem recursos naturais para ostentar a mesma produtividade.

Mas tanto lá quanto aqui, monta-se o escarcéu aqui para satisfazer interesses: a rede atende às demandas do parceiros na França (mesmo que, logo mais, mude de posição) e, no Brasil, empresas reforçam suas marcas para a disputa comercial e junto a investidores e membros do Executivo e do Legislativo ganham capital político, moral junto ao setor e ganham força para negociações entre blocos comerciais. Daqui a pouco, tudo volta ao normal.

Tal como virou normal negro pobre ser torturado em supermercado.

Leia também:

Sair da versão mobile