Maranhão, onde drones são usados como ferramenta de intimidação contra pequenos produtores, concentra 85% dos ataques com agrotóxico a comunidades e escalada da violência no campo
Comunidades rurais do Maranhão afirmam que drones estão sendo utilizados como instrumento de intimidação e de expulsão de agricultores familiares. As denúncias, porém, não são investigadas, segundo advogados que acompanham os casos. Segundo dados inéditos obtidos pela Repórter Brasil, 228 comunidades em 35 municípios do estado denunciaram contaminação por pesticidas entre janeiro e outubro de 2024. Do total, 214 casos (94%) correspondem a ataques por drones. Os dados foram coletados pela Fetaema (Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão), pela Rama (Rede de Agroecologia do Maranhão) e pelo Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia da Universidade Federal do Maranhão.
As queixas vão desde intoxicações humanas até prejuízos ambientais, como o envenenamento de rios e a morte de animais. Segundo moradores da área rural tanto o drone quanto o avião, todas as voltas que fazem, passam por cima dos lotes e das plantações, provocando a perda da produção e a morte da animais, com o intuito forçá-los a deixar a terra. O drone voa mais baixo do que os aviões, por isso se a pessoa não estiver prestando atenção, às vezes nem percebe, a não ser pelo cheiro, que é forte, segundo um produtor de Açailândia.
A cerca de 600 km da capital São Luís, Açailândia tem se consolidado como grande produtor de soja. Em 2024, sediou a “Abertura Nacional do Plantio da Soja 2024/2025”, que ocorreu pela primeira vez no estado, reunindo produtores e autoridades. Para os trabalhadores rurais do município, contudo, a expansão da soja não é sinônimo de progresso. A cada ano que passa, mais lotes da reforma agrária são repassados para a monocultura. Quem fica é vigiado e ameaçado de morte e expulsão, principalmente com o uso dos drones que os vigiam e pulverizam agrotóxico.
Em São Mateus (MA), município conhecido como a “capital do arroz”, relatos apontam que aviões e drones despejam agrotóxicos nas proximidades de moradias e pequenas plantações, usando da mesma estratégia para expulsar os trabalhadores. Locais onde haviam muitos peixes, hoje já não existe mais nada devido às pulverizações criminosas. Com o crescimento das denúncias, movimentos populares e legisladores locais têm se mobilizado para criar mecanismos de proteção. Nove municípios maranhenses já aprovaram leis que proíbem a pulverização aérea. Além disso, a Rama e organizações ligadas à igreja católica iniciaram uma campanha em abril passado para a criação de um projeto de lei estadual de iniciativa popular contra a prática.
A reação foi rápida. Um mês depois, um projeto de lei para permitir a pulverização aérea no estado foi protocolado na Assembleia Legislativa do Maranhão, como uma reação às denúncias. Porém, mesmo que o projeto estadual seja aprovado, continuarão valendo as leis municipais, que são mais restritivas. Essas normas locais seguem o entendimento do STF de que estados e municípios têm competência legislativa para estabelecer diretrizes de proteção à saúde e ao meio ambiente, como é o caso da aplicação de agrotóxicos.
As denúncias, porém, não foram comprovadas pelas autoridades. Segundos os agricultores familiares, eles vivem em busca de ajuda mas parece que as portas se fecham, pois ninguém dá importância. Marcos Orellana, relator especial da ONU para tóxicos e direitos humanos, já manifestou preocupação com o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil. Em 2022, ele enviou uma carta ao governo brasileiro alertando sobre os impactos da pulverização aérea e criticou a ausência de respostas efetivas. Segundo ele, há um padrão de intimidação contra comunidades que denunciam essas práticas, o que amplia a vulnerabilidade dos grupos mais atingidos. “Essas pulverizações não eram ocorrências isoladas, mas parte de um padrão de ataques repetidos e perseguições contra essas comunidades, que são submetidas a um medo constante e a sofrimento psicológico contínuo”, afirma Orellana.
Ainda segundo a Repórter Brasil, em maio de 2024, o advogado da Fetaema, Diogo Cabral, sofreu uma tentativa de intimidação através de uma notificação extrajudicial do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola) para se retratar ou comprovar, em até 48h, que a pulverização aérea de agrotóxicos no Maranhão prejudica comunidades. A notificação ocorreu após entrevista de Cabral sobre a proibição da pulverização aérea no município de Caxias (MA). Para Cabral, a falta de uma fiscalização efetiva cria um cenário de impunidade. Segundo o advogado, o agronegócio quer um Estado máximo para investir e garantir a produção, e um Estado mínimo para fiscalizar e punir quem comete crime ambiental.
Para os agricultores familiares, as análises de amostras para verificar a contaminação de agrotóxicos não acontecem de forma rápida no estado, o que interfere nas denúncias que a organização têm feito. O sentimento das comunidades é de tristeza, de impunidade, de não valorização. As autoridades continuam desconfiando que as denúncias são verdadeiras. O pesquisador da Fiocruz no Ceará Fernando Carneiro afirmou que o aumento de casos no Maranhão mostra que “há pessoas não qualificadas operando os drones e causando contaminações”. Estudos realizados em outros países mostram que há uma dificuldade em se obter precisão na aplicação. Pesquisa da Chinese Society of Agricultural Engineering revelou que até 55% do volume aplicado pelo drone se espalhou pelo entorno.
Procurado, o governo do Maranhão informou que “atua de forma ativa na mediação de conflitos agrários e na proteção das comunidades rurais” e que encaminha as denúncias sobre uso incorreto de agrotóxicos para órgãos de fiscalização, como a Aged (Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão), Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente) e a Superintendência do Ministério da Agricultura no Maranhão.
A Sema declarou que lidera a “fiscalização compartilhada do uso de agrotóxicos, em todas as etapas, desde a aquisição até o descarte adequado das embalagens” e que “tem adotado medidas mais rigorosas e preventivas para assegurar a preservação dos recursos naturais e a qualidade de vida das comunidades”. Jà a Aged declarou que monitora o comércio, uso, armazenamento e transporte das substâncias, assim como realiza atividades de educação quanto ao uso seguro dos agrotóxicos. Para o Sindag, os conflitos agrários devem ser investigados e resolvidos pelas autoridades “na melhor forma da lei e do bem-estar das pessoas”, afirmando que, por ser uma “ferramenta” visível em campo, a aviação agrícola sofre com os estereótipos.
Agrotóxicos são lançados de avião sobre crianças e comunidades em disputa por terra
O relatório
Elaborado pela Fetaema (Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão), pela Rama (Rede de Agroecologia do Maranhão) e pelo Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia da Universidade Federal do Maranhão, um relatório intitulado “Territórios Vitimados Diretamente por Pulverização Aérea de Agrotóxicos no Maranhão”, foi encaminhado ao Relator Especial da ONU sobre Substâncias Tóxicas e Direitos Humanos, Dr. Marcos A. Orellana, destacando os graves impactos da pulverização aérea de agrotóxicos nas comunidades rurais do Maranhão e revelando informações alarmantes sobre a contaminação e os danos causados pela dispersão de agrotóxicos em regiões campesinas do estado, atingindo diretamente comunidades tradicionais, quilombolas, assentamentos da reforma agrária e terras indígenas. Entre os impactos mais graves identificados, destacam-se:
- Contaminação das águas utilizadas pelas comunidades para consumo e higiene;
- Envenenamento dos alimentos, comprometendo a segurança alimentar das comunidades;
- Perda de produção da agricultura familiar, afetando a principal fonte de sustento de muitas famílias;
- Adoecimento das populações, com casos de intoxicação aguda e crônica, além de impactos psicológicos causados pelo medo e pela insegurança alimentar e ambiental.
Além dos impactos ambientais e de saúde, o relatório revela que a pulverização aérea de agrotóxicos tem sido usada como arma contra as comunidades, especialmente em áreas de conflitos agrários. O uso de agrotóxicos, portanto, não se limita aos danos ambientais e à saúde, mas tem sido também um instrumento de violação de direitos territoriais. Muitas dessas comunidades, que já enfrentam dificuldades históricas em relação ao acesso à terra, têm sido ainda mais vulneráveis a essa prática violenta.
O Maranhão, que já é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos da Amazônia Legal, tem assistido à expansão do agronegócio, especialmente de soja e eucalipto. Como destaca o relatório, “este processo de expansão do uso de agrotóxicos no Maranhão (e no Brasil) foi acompanhado por um amplo processo de flexibilização ambiental, que atende aos interes-
ses de corporações transnacionais que dominam a produção e comercialização de agrotóxicos ao redor do globo”.
Acesse o relatório completo CLICANDO AQUI.
Fonte: Repórter Brasil