Mazzaropi, é muitas vezes, visto apenas como um “caipirão”, dono de um dos personagens mais icônicos do cinema brasileiro, na pele de um matuto ingênuo cheio de malícia. Mas ele foi muito mais importante do que isso para a cultura nacional. Ele foi um empreendedor de vanguarda que assombrou a classe artística e revolucionou a produção de cultura do país
Décadas depois dele, somente o diretor José Padilha, com “Tropa de Elite 2”, alcançou este grau de autonomia na cadeia do audiovisual. Ou seja, Mazzaropi tinha uma visão muito além do seu tempo, no que tange o “negócio” da arte, mais especificamente, do cinema, quando gerenciava de forma centralizada o tripé produção-distribuição-exibição. Mazzaropi, em sua genialidade, resolveu um problema que até hoje não ainda foi equacionado: ele criou um sistema de fiscalização nas bilheterias e uma distribuição próprias.
40 anos de sua morte e ainda apaixonante
Nascido em 1912, Amácio Mazzaropi morreu em 13 de junho de 1981, vítima de um câncer na medula óssea.
Mas seu sucesso também não se restringia ao talento empresarial, para os negócios. Tinha um carisma impressionante, era muito engraçado.
Podemos dizer que, naquele momento por qual passava o país, no início da década de 50, com um grande êxodo rural, formou-se um enorme público que se deslocava do interior para “tentar a vida” nas capitais e, neste contexto, São Paulo passava por um período fértil e de grande prosperidade.
Então, seu personagem, causava grande empatia e levava milhares de pessoas para ver aquele matuto que refletia as agruras e as belezas do interior!
40 anos de sua morte e ainda atual
Seus filmes satirizavam a elite paulistana, exibindo o preconceito, a hipocrisia e a superficialidade desta classe que se perpetua nas camadas mais abastadas e poderosas do país.
Apesar de ter controle total de suas produções, seus filmes não tinham a qualidade dos filmes feitos na Vera Cruz. Mesmo as produções realizadas a partir de 1958, quando inaugura a PAM Filmes, com estúdios em Taubaté (SP), tinham um nível de roteiro muito ruim, principalmente na década de 70. Apesar disto, o sucesso financeiro foi espetacular.
Ao todo, foram 32 filmes como ator. O último trabalho foi “O Jeca e a Égua Milagrosa”, lançado um ano antes de sua morte.
Considerado o maior cômico do cinema brasileiro, o artista ficou milionário. Suas produções foram fenômeno de público por mais de três décadas.
Mas quem era Mazzaropi?
Nascido em 1912, em São Paulo, com apenas 2 anos, a família mudou-se para Taubaté, interior do estado. Filho de Bernardo Mazzaropi, imigrante italiano, e de Clara Ferreira, filha de imigrantes portugueses.
O pequeno Amácio passava longas temporadas no município vizinho de Tremembé, na casa do avô materno, o português João José Ferreira, exímio tocador de viola e dançarino de cana-verde.
Seu avô também era animador das festas do bairro onde morava, às quais levava seus netos que, desde cedo, entraram em contato com a vida cultural do caipira, que tanto inspirou Mazzaropi.
Percebe-se que seu avô teve grande parte na inspiração de seu personagem!
Em 1919, sua família volta à capital e Mazzaropi ingressa no curso primário do Colégio Amadeu Amaral, no bairro do Belém. Bom aluno, era reconhecido por sua facilidade em decorar poesias e declamá-las, tornando-se o centro das atenções nas festas escolares.
Em 1922, morre o avô paterno e a família muda-se novamente para Taubaté, onde abrem um pequeno bar. Mazzaropi continua a interpretar tipos nas atividades escolares e começa a frequentar o mundo circense.
Preocupados com o envolvimento do filho com o circo, os pais mandam Amácio aos cuidados do tio Domenico Mazzaroppi, em Curitiba, onde trabalhou na loja de tecidos da família.
Já com quatorze anos, em 1926, regressa à capital paulista ainda com o sonho de participar em espetáculos circenses.
A atitude não agradou a família e, com isso, foi obrigado a se afastar das atividades. Porém, o sonho de Mazzaropi era maior, e ele entra para a caravana do Circo La Paz. Nos intervalos do número do faquir, Mazzaropi conta anedotas e causos, ganhando uma pequena gratificação.
Sem poder se manter sozinho, em 1929 Mazzaropi volta a Taubaté com os pais, onde começa a trabalhar como tecelão, mas não consegue se manter longe dos palcos e atua numa escola do bairro.
O teatro, o rádio e a televisão
Com a Revolução Constitucionalista de 1932, segue-se uma grande agitação cultural e Mazzaropi estreia em sua primeira peça de teatro, chamada “A herança do Padre João”.
Já em 1935, consegue convencer seus pais a seguir turnê com sua companhia e a atuarem como atores.
Até 1945, a Troupe Mazzoropi percorre muitos municípios do interior de São Paulo, mas não há dinheiro para melhorar a estrutura da companhia.
Com a morte da avó materna, Dona Maria Pita Ferreira, Mazzaropi recebe uma herança suficiente para comprar um telhado de zinco para seu pavilhão, podendo assim estrear na capital, com atuações elogiadas por jornais paulistanos.
Depois, parte com a companhia em turnê pelo Vale do Paraíba. A grave situação de saúde de seu pai complica a situação financeira da companhia de teatro e, em 8 de novembro de 1944, morre Bernardo Mazzaroppi.
Dias após a morte de seu pai, estreia no Teatro Oberdan ao lado de Nino Nello, sendo ator e diretor da peça “Filho de sapateiro, sapateiro deve ser”, acolhida com entusiasmo pelo público.
Em 1946, convidado por Dermival Costa Lima, da Rádio Tupi, estreia o programa dominical Rancho Alegre, encenado ao vivo no auditório da emissora no bairro do Sumaré e dirigido por Cassiano Gabus Mendes.
Em 1950, este mesmo programa estreou na TV Tupi, mas agora contava com a coadjuvação dos atores João Restiffe e Geny Prado.
Jeca Tatu nasce para o cinema nacional
Amácio Mazzaropi marcou o cinema nacional com as comédias com cara de fazenda e do interior. Conhecido como o caipira Jeca Tatu, foi um dos maiores atores do Brasil e participou de 32 produções ao longo da vida. Com a importância de seus filmes, livrou a Companhia Cinematográfica Vera Cruz das dívidas e fundou a própria produtora.
Assista ao filme “Sai da Frente”
Convidado por Abílio Pereira de Almeida e Franco Zampari, Mazzaropi estreia seu primeiro filme, intitulado “Sai da Frente”, em 1952, rodado pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, onde produziria mais dois filmes. Com as dificuldades financeiras da Vera Cruz, Mazzaropi faz, até 1958, mais cinco filmes por diversas produtoras.
Naquele mesmo ano, vende sua casa e cria a PAM Filmes (Produções Amácio Mazzaropi) e passa não só a produzir, mas distribuir os filmes em todo o Brasil. A primeira obra da nova produtora é “Chofer de Praça”.
Assista ao filme “Chofer de Praça”
No auge da fama, em 1959, é convidado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, mais conhecido como Boni, na época da TV Excelsior de São Paulo, a fazer um programa de variedades que fica no ar até 1962. Neste mesmo ano começa a produzir um de seus filmes mais famosos, “Jeca Tatu”, que estreia nos cinemas no ano seguinte.
Assista ao filme “Jeca Tatu”
Na comédia de 1959, dirigida por Milton Amaral, Mazzaropi interpreta Jeca Tatu, caipira simples e preguiçoso do interior de São Paulo. Vive brigando com um latifundiário italiano, seu possível futuro genro. O personagem foi baseado em uma criação de Monteiro Lobato e consagrou a carreira do ator.
Nos anos 1960, o cinema passou por transformações e passou a ser colorido. Mazzaropi não ficou de fora das tendências.
Em 1961, Mazzaropi adquire uma fazenda onde inicia a construção de seu primeiro estúdio de gravação, que produziria seu primeiro filme em cores, “Tristeza do Jeca”. O longa foi o primeiro exibido em cores na televisão brasileira, veiculado pela Excelsior e conquistando o prêmio de melhor ator coadjuvante, para Genésio Arruda, e melhor canção.
Cinco anos mais tarde, lança o filme “O Corintiano”, recorde de bilheteria do cinema nacional. A comédia mostra a vida de Mané, barbeiro torcedor do Corinthians, quem vive brigando com os vizinhos e com a filha que sonhava em ser bailarina.
Assista ao filme “O Corintiano”
Em 1972, é recebido pelo então presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici, ao qual pede mais apoio ao cinema brasileiro.
Em 1973, produz “Portugal, minha saudade”, com cenas gravadas no Brasil e em Portugal.
No ano seguinte, começa a construir em Taubaté um grande estúdio cinematográfico, uma oficina de cenografia e um hotel para os atores e técnicos. A partir de então produz e distribui mais cinco filmes até 1979.
O ator, roteirista e produtor faleceu antes de completar seu trigésimo terceiro filme, intitulado “Maria Tomba Homem”.
A obra eternizada
Depois de 26 dias internado, Mazzaropi morre, vítima de um câncer na medula óssea aos 69 anos de idade no hospital Albert Einstein de São Paulo. Foi sepultado na cidade de Pindamonhangaba, no mesmo cemitério onde seu pai já repousava.
Recentemente foi lançada em DVD uma coleção de 22 de seus filmes, em sete volumes. Alguns tinham no título o nome Jeca, mesmo ele tendo interpretado esse personagem apenas no filme Jeca Tatu.
Mazzaropi gravou quatro compactos em sua carreira. Em 1968 e em 1995, foram lançados discos com coletâneas de seus maiores sucessos no cinema.
Assista a última entrevista de Mazzaropi no programa de Hebe Camargo (1979)
Mazzaropi nunca se casou, mas, segundo declarações de seu filho André Mazzaropi, nutriu durante a vida um amor platônico pela apresentadora e amiga Hebe Camargo. Deixou cinco filhos adotivos: Péricles Moreira, Pedro Francelino de Souza, João Batista de Souza, Carlos Garcia e André Luiz Mazzaropi.
Museu Mazzaropi
Inaugurado em 1992, o Museu Mazzaropi está localizado na mesma propriedade dos antigos estúdios, recolhendo a história da carreira de um dos mais consagrados nomes do cinema, do teatro e da televisão brasileiros.
Assista ao vídeo do Museu Massaropi
Curiosidades sobre o “matuto” Amácio
Mazzaropi era muito supersticioso e um homem de fé! Antes das estreias de seus filmes, guardava os roteiros dentro de uma grande imagem de São Pedro para garantir as bênçãos do santo.
Outra peculiaridade com relação às estreias dos filmes, era que ele dava preferência paras elas se dessem sempre no dia do aniversário da cidade de São Paulo (25 de janeiro). Com sua visão empreendedora, ele aproveitava o feriado para lançar o filme num dia em que as pessoas estivessem livres para irem ao cinema.
Caso houvesse um segundo filme para ser lançado no mesmo ano, a outra data escolhida era 7 de setembro, pelo mesmo motivo de levar o público ao cinema no feriado.
A preocupação de Mazzaropi com as bilheterias era constante. Segunda conta a atriz Marly Marley, o público da época escondia o bilhete do cinema em caixas de fósforo e emprestava a caixinha para a pessoa que estava fora do cinema com a desculpa de acender o cigarro, mas na verdade era para passar o bilhete duas vezes.
Por esse motivo e pela certeza do número de pagantes e espectadores do filme, Mazzaropi adotou o uso do contador manual, muitas vezes ele mesmo estava na bilheteria na hora da sessão!
Com relação aos filmes que escreveu/atuou/produziu, por ter uma grande relação com o cotidiano circense, um de seus preferidos foi o “Betão Ronca Ferro”, filme que se passa num circo.
Assista a filme “Betão Ronca Ferro”
Antes do sucesso estrondoso que conseguiu, o artista teve que lutar contra o preconceito de sua família para seguir na vida artística. Seu pai não concordava com a escolha do filho em ser artista, então, antes de ser ator, já que não havia outra escolha, o pai o incentivou a ser artista plástico. Com esse conhecimento chegou a pintar cenários.
Ainda bem, que como outros grandes gênios da humanidade, pessoas como Mazzaropi não se deixam abater e continuam firmes em seus valores e desejos, fazendo com que seus trabalhos se perpetuem e sirvam de inspiração para tantos outros.
Obrigado, Jeca Amácio Mazzaropi Tatu. Sua vida e sua obra continuarão deixando marcas em muitas outras vidas e obras, colaborando para divulgar a vida caipira e todas as suas belezas e peculiaridades!
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