
O mel garante renda a produtores do sertão do Ceará, mesmo na seca, motiva a articulação comunitária e mantém uma colheita orgânica, valorizando e favorecendo a comercialização do produto
O Ceará é o maior produtor de mel do nordeste sendo a região dos Inhamuns uma das responsáveis por esse bom resultado. A apicultura atrai o interesse dos produtores, estimulando o empreendedorismo rural no estado. O mel produzido no sertão de Inhamuns é de qualidade muito apreciada, uma alternativa à sobrevivência dos apicultores de cinco municípios da região. O produto contribui para ampliar a renda familiar e ajudar na preservação ambiental, sem uso de agrotóxico e de queimadas.
Característico da região, o saboroso mel de coloração mais escura é produzido no período de estiagem, quando há escassez de flores disponíveis para que as abelhas se alimentem e possam produzir seu mel. A florada da árvore de aroeira (Myracrodruon urundeuva) não é afetada pela seca e, nesse período, suas flores permanecem disponíveis às abelhas. As condições ambientais proporcionam esse desenvolvimento da florada da espécie que propicia flores às abelhas quando a caatinga se apresenta com baixa quantidade de outras flores disponíveis. A condição permite a produção de um mel monofloral mais puro, com maior consistência e coloração âmbar mais escurecida, com elevados níveis de compostos fenólicos, sendo um mel que não cristaliza. O mel de aroeira dos Inhamuns é produzido por abelhas africanizadas (Apis mellifera), a partir do néctar das flores de aroeira e do melato, uma secreção produzida por pequenos pulgões (Tainaires myracrodruon), que habitam e sugam a seiva das árvores.
Segundo o Censo Agropecuário de 2017, 94% dos estabelecimentos com apicultura no nordeste estão no semiárido, mais especificamente no Piauí, Ceará e na Bahia, com destaque para os Inhamuns. Na quinta colocação do ranking nacional de produção de mel, com quase 6.000 toneladas anuais, sendo grande parte dessa produção originária da região com a nova IG, o Ceará recém conquistou o reconhecimento de Indicação Geográfica (IG) para o mel de aroeira extraído na região dos Inhamuns – que reúne os municípios de Aiuba, Arneiroz, Parambu, Quiterianópolis e Tauá. Este é o oitavo registro concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para o segmento. O registro foi concedido na modalidade Indicação de Procedência (IP). Com a publicação, passam a ser 130 IGs brasileiras reconhecidas no país, sendo 101 por Indicação de Procedência e 29 por Denominação de Origem – além de outras 10 estrangeiras. Este é o oitavo registro concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para o segmento de mel e própolis.


O mel de aroeira dos Inhamuns já é reconhecido nacional e internacionalmente, com vendas para países como Suécia, Alemanha e França. A Indicação Geográfica terá um papel de fortalecer ainda mais a reputação do produto e promover a abertura de novos mercados. O registro da IG é um reconhecimento ao compromisso dos produtores locais com tradição, qualidade e sustentabilidade no processo de produção e ao resultado de um trabalho desenvolvido pelo Sebrae/CE. Desde 2020, a unidade vem atuando na identificação de culturas, produtos e práticas características das regiões cearenses com potencial de serem reconhecidas pelo INPI e apoiando produtores e artesãos dessas regiões no processo necessário para a obtenção do selo da IG.
São pequenos apicultores do semiárido nordestino que garantem um protagonismo na proteção desse patrimônio e na garantia da qualidade do produto, com potencial de maior agregação de valor para a sua comercialização. A produção de mel de aroeira nos Inhamuns sempre focou no estímulo ao empreendedorismo, cooperativismo e inclusão produtiva, possibilitando que os produtores trabalhem em conjunto, ganhem escala e possam comercializar a sua produção com outras localidades. Com um estaque importante: é que a cadeia da apicultura e da meliponicultora têm sido altamente inclusiva, apoiando o protagonismo feminino no desempenho da atividade. Diversas comunidades lideradas por mulheres têm envolvimento no desenvolvimento desse setor produtivo. É uma cadeia que também envolve o componente da sustentabilidade, devido à polinização, que é feita pelas abelhas nos diversos biomas.
A Indicação Geográfica e sua importância
As Indicações Geográficas (IG) são ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios. Elas possuem duas funções principais: agregar valor ao produto e proteger a região produtora. O sistema de Indicações Geográficas promove os produtos e sua herança histórico-cultural, que é intransferível. Essa herança abrange vários aspectos relevantes: área de produção definida, tipicidade, autenticidade com que os produtos são desenvolvidos e a disciplina quanto ao método de produção, garantindo um padrão de qualidade. Tudo isso confere uma notoriedade exclusiva aos produtores da área delimitada.

A luta dos Inhamuns para obter a sonhada certificação de Indicação Geográfica, resulta da tendência dos consumidores em valorizar a origem dos produtos e serviços que consomem. Existem muitas ferramentas de proteção e de promoção da origem, e a mais eficiente e reconhecida mundialmente é a Indicação Geográfica (IG). Os consumidores podem associar a origem à qualidade do produto, e como resultado, o produtor pode conseguir uma maior valorização em relação aos produtos concorrentes.
As IGs pertencem exclusivamente aos produtores de um determinado território, sendo gerenciada pela organização que os representa. Essa é uma das características importantes das IGs porque, para administrar toda a estrutura necessária para reconhecê-la e monitorá-la, os produtores precisam unir esforços e trabalhar em conjunto por um objetivo comum. Na realidade, o processo de reconhecimento da IG funciona como um incentivo poderoso para todos investirem em qualidade, estratégias de marketing e comercialização.
A história do mel dos Inhamuns
Acredita-se que o trabalho com o mel na região data, pelo menos, da década de 1980. No entanto, há relatos que apontam para a produção antes mesmo desse período, na época em que o mel de abelha era o adoçante que os sertanejos dos Inhamuns dispunham. Ninguém sabe ao certo, mas estima-se que em torno de 20 anos atrás um grupo de 30 apicultores da Serra dos Batistas, no município de Parambu, começou a se organizar em torno do cultivo de um tipo de mel diferenciado, produzido na região. Então, a partir daí, o trabalho com as abelhas africanizadas foi estabelecido como uma atividade econômica fundamental para toda a região. Nessa época, a apicultura trazia o avanço que viria a se desdobrar nos anos seguintes, por meio de investimentos em programas que alavancaram a produção de mel.

Tinha início aí o cultivo do mel de aroeira dos Inhamuns que, aos poucos foi motivando o trabalho em comunidade, o que ajudou a valorizar o produto e a favorecer questões até então deixadas de lado, como a necessidade de preservação ambiental. Afinal, sem a florada de árvores nativas como a aroeira, ipê, juazeiro, sabiá e angico, não havia como manter a produção do referido mel de aroeira. Com os bons resultados, o pequeno grupo seguiu produzindo e, mais que isso, se conscientizando, cada vez mais, acerca da importância da atividade, principalmente na complementação da renda familiar nos períodos de pouca chuva.
Com a disseminação do cultivo do mel de aroeira dos Inhamuns, os apicultores foram buscar apoio junto ao escritório do Sebrae/CE sobre técnicas mais modernas, adquiridas durante as capacitações promovidas pelos técnicos da instituição. Os resultados da produção e o crescimento da renda familiar contribuíram para atrair novos produtores. O grupo, hoje, já chega a cerca de 300 apicultores integrados à cooperativa. Além do dinheiro arrecadado com o mel, os apicultores comemoram o fato da atividade ser uma alternativa ao cultivo tradicional de grãos (milho e feijão) de sequeiro, sem interferir nessas atividades tradicionais entre os produtores locais, mas que oferecem pouca segurança por causa da incertezas das chuvas.
O avanço da atividade
Embora os Inhamuns seja um território grande, a população não acompanha a mesma dinâmica. A maior parte vive no campo, ainda baseado em costumes tradicionais e formas bastante rudimentares de vida: criam gado, caprinos, ovinos e galinha. Plantam culturas de primeira necessidade como milho, feijão, hortaliças e mandioca que são comercializadas nas feiras. O comércio incipiente, exceto em Tauá (está entre as 30 cidades do Ceará com potencial de consumo de R$ 1 bilhão anualmente), é movimentado por essa população rural que vende e compra mercadorias para suprir as demandas do seu cotidiano.


O título de região grande produtora de mel está ligado às características edafoclimáticas que permitem aos Inhamuns uma capacidade bastante interessante para, com esse produto, promover o sustento de várias famílias ligadas à atividade apícola, e fortalecer uma cadeia produtiva que movimenta a região. O avanço viria a se desdobrar com investimentos em programas que alavancaram a produção de mel. Além da introdução de abelhas mais produtivas, as africanizadas, ainda mais resistentes e adaptáveis ao clima semiárido, como é o caso dos Inhamuns, tornando ainda mais forte diante das condições naturais presentes. Os apicultores, então, foram aproveitando essas potencialidades e fortalecendo a atividade. Na verdade, os poucos antigos apicultores já conheciam o mel de aroeira e, por observação, descobriram que muitas existiam muitas abelhas com grandes favos de mel, mesmo com a seca terrível. Descobriram que a aroeira é uma planta de sequeiro.
A atividade superimportante para a população dos Inhamuns foi sendo desenvolvida e aprimorada desde aqueles tempos, tornando-se hoje fundamental para a vida da população do semiárido cearense. Esse desenvolvimento estimulou a expansão da venda do produto não apenas localmente, mas também nas regiões próximas, em vários estados do Brasil e no exterior. No mercado nacional, as regiões sul e sudeste são os principais destinos do mel de Inhamuns. Já no exterior, os embarques mais frequentes são para o mercado europeu.