A valorização de vegetais feios e fora do padrão impulsiona a produção e o consumo responsáveis, destacando o potencial de inovação e crescimento no mercado orgânico
Os dois engenheiros Andrey Maturana Araújo e Helena Ayumi Takahara, pouco familiarizados com o campo, queriam trabalhar com saúde e bem-estar e ajudar a desenvolver a região onde nasceram. Em meio à pandemia de Covid-19, perceberam que o consumo de orgânicos estava aumentando e juntaram as premissas. Arrendaram uma propriedade em Uraí, no Paraná, em 2020, e começaram o cultivo de hortifrútis em estufas. Hoje, além de terem mais que triplicado a capacidade de produção, descobriram que também é possível negociar frutas, verduras e legumes considerados “feios”.
A propriedade arrendada pelo engenheiro mecânico e a engenheira civil era usada para o cultivo de soja e milho, que aos poucos, deu terreno para os vegetais. Foram inicialmente 2 mil m2 de estufa, agora são 7 mil m2. Nesse período, os sócios investiram R$ 500 mil e implantaram a Agro M2T.
Nos dois primeiros anos, não tinham foco em orgânicos, mas depois perceberam que era isso que as pessoas queriam: saúde. Agora, estão em busca de novos terrenos para montar 50 mil m2 de estufa. Além do cultivo, a Agro M2T criou vários centros de distribuição que ajudam os agricultores do norte do Paraná a escoar a produção para oito estados. O faturamento do grupo chegou a R$ 2 milhões no ano passado.
Um jeito diferente de parceria
Com o andar da carruagem, os sócios fazendeiros firmaram uma importante parceria com a Diferente, uma foodtech de alimentos saudáveis que compra produtos fora de padrão. Em dois anos, os dois sócios conseguiram salvar 80 toneladas de produtos que não iriam para o consumidor. A fazenda Agro M2T produz entre 200 e 300 toneladas ao ano e cerca de 20% é de produtos fora do padrão que são destinados para a Diferente, que conseguiu um retorno financeiro de R$ 10 milhões para os 200 produtores parceiros, pequenos agricultores de orgânicos, prevendo dobrar o valor este ano. Segundo Eduardo Petrelli, CEO e co-fundador da empresa, entre 20% e 25% de tudo o que compram está fora de padrão estético, mas é aceito nas cestas que a empresa envia aos consumidores de Curitiba e de 53 cidades de São Paulo.
Aberta em janeiro de 2022 pelos empreendedores Eduardo Petrelli, Saulo Marti, Paulo Monçores e Walter Rodrigues, a Diferente criou um modelo que pretende eliminar um dos principais problemas da cadeia de abastecimento global: o desperdício exorbitante de alimentos – atualmente, 30% dos vegetais produzidos nas lavouras não chegam aos mercados, indica a FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.
Para isso, a startup vende frutas e verduras fora do padrão considerado perfeito para as gôndolas dos supermercados. Os alimentos orgânicos fora dos padrões das grandes varejistas, vêm atraindo cada vez mais consumidores que defendem o não desperdício. É o caso de itens danificados, de superfície amassada ou com algum “machucadinho” — mas igualmente apetitosas. A empresa funciona como um clube de assinaturas no qual usuários pagam de forma recorrente para receberem suas cestas de frutas, legumes e verduras orgânicas em casa a cada uma ou duas semanas. São itens produzidos por produtores orgânicos certificados.
O produtor com quem negociam sabe que a Diferente compra esses produtos fora do padrão. Ele não tem controle dos imperfeitos que são gerados, acontece, mas isso é música para os ouvidos da empresa que adora quando tem esses imperfeitos. Não é xepa, é um produto de altíssima qualidade, mas que não existe controle de tamanho ou forma.
Do lado financeiro, a grande vantagem para os consumidores que optam pela Diferente está nos preços bem abaixo da média praticada pelo mercado. As cestas podem custar até 40% menos. Já do ponto de vista social, a Diferente pretende facilitar a geração de renda por parte de agricultores familiares, além de democratizar o acesso da população a alimentos orgânicos — via de regra, bem mais caros que o usual.
A ideia não é apenas oferecer os alimentos mais frescos e mais baratos, mas também dar acesso e facilitar muito a vida das pessoas. As compras da Diferente são semanais garantindo produtos sempre frescos. Além de vender hortifrutis, a empresa comercializa mercearia, como ovos de galinhas livres, e itens de padaria. Com isso, faturou R$ 23 milhões em 2023, um ano após sua criação.
A Diferente é uma empresa de tecnologia que distribui cestas orgânicas. Ou seja, a tecnologia é o foco. A empresa usa inteligência artificial para enviar aos clientes uma cesta de produtos adaptada a cada família. São 200 possibilidades de caixa, que levam em consideração o número de pessoas, o que gostam, o que há disponível no campo, entre outras muitas variáveis. O plano da empresa de alimentos orgânicos é faturar R$ 150 milhões até o final de 2024. A startup pretende aprimorar e expandir o uso de tecnologia baseada em inteligência artificial.
Seu aplicativo, por exemplo, possui um algoritmo incrementado com inteligência artificial capaz de entender o perfil de cada cliente para definir o que comprar do produtor e deixar disponível as variedades e as quantidades corretas de frutas, legumes, verduras e temperos, de modo a não correr riscos de ter desperdício. A PitaIA, da qual a Diferente é proprietária, é capaz de aprender as preferências e restrições alimentares do cliente, permitindo sugestões personalizadas para cada cesta de compras feitas no aplicativo. Ainda dentro dos planos ambiciosos, a empresa visa superar a marca de 20 milhões de quilos de alimentos considerados “fora do padrão” salvos e entregues em suas cestas nos próximos quatro anos.
Empresas semelhantes à Diferente que existem no mercado são do varejo. Elas veem a tecnologia como suporte ao negócio. A Diferente é uma empresa de tecnologia que resolve um problema do varejo. O cliente determina quantas porções deseja e informa se quer colocar restrições e preferências. A empresa tem uma base de dados grande dessas pessoas e é onde entra a inteligência. A IA pega as variáveis e entrega uma sugestão a partir dos itens disponíveis naquele momento e as preferências dos usuários. E o cliente vai dando feedback, o algoritmo aprende e na próxima sugestão e entrega será mais apurada.
O centro de distribuição da Diferente pode atender um raio de até 500 quilômetros. A empresa está focada em abrir mais áreas e impactar 55 milhões de pessoas. A evolução da AGRO M2T e o crescimento explosivo da Diferente refletem a dinâmica de um mercado em expansão. Com o mercado de produtos orgânicos projetado para movimentar mais de R$ 7 bilhões em 2024, estas iniciativas sinalizam um futuro promissor para a agricultura sustentável. Por meio da valorização de vegetais feios e fora do padrão, essa colaboração impulsiona a produção e o consumo responsáveis, destacando o potencial ilimitado para inovação e crescimento no mercado orgânico.