APICULTURA -  Como montar um apiário

Enchente na cidade de Muçum, RS, em setembro de 2023 - Foto: Maurício Tonetto

Em março de 1974, o Rio Grande do Sul enfrentava enchentes históricas, o que fez José Lutzenberger (1926-2002), escrever um texto sobre suas causas e consequências. Afirmava o ecologista: “Só uma inversão no processo de demolição das paisagens pode inverter a corrida para calamidades sempre maiores”. E continuava: “O homem moderno estraga, uma a uma, as peças da engrenagem – e ainda joga areia no mecanismo, preparando o colapso”.

Não bastasse o alerta de Lutzenberger e de inúmeros outros importantes ecologistas, no início de setembro de 2023, fortes chuvas atingiram o norte do Rio Grande do Sul, resultando em inundações graves na Bacia do rio Taquari-Antas. Mais de 40 mortes foram confirmadas, com dezenas de pessoas desaparecidas e milhares afetadas. O desastre ocorreu pouco tempo após outra inundação em junho, causando danos econômicos e perdas humanas.

Destaca-se o dramático relato de uma família em Lajeado, onde a casa foi arrastada pela água, resultando em uma tragédia. A inundação foi causada pelo rio Taquari, que abrange uma vasta área com cerca de 100 municípios. Os pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS – IPH alertaram novamente sobre o problema e se colocam à disposição para colaborar na melhoria do sistema de monitoramento e previsão hidrológica, visando a segurança da população diante de eventos extremos. Mais um aviso importante para as autoridades.

Enchente em Muçum, setembro de 2023, em Rio Grande do Sul, causada por ciclone extratropical — Foto: Mateus Bruxel
Enchente em Muçum, setembro de 2023, em Rio Grande do Sul,
causada por ciclone extratropical — Foto: Mateus Bruxel
Estragos da enchente de setembro de 2023 em Roca Sales, totalmente destruída - Foto: Carolina Leipnitz
Estragos da enchente de setembro de 2023 em Roca Sales,
totalmente destruída – Foto: Carolina Leipnitz
Ovelha fica pendurada em fiação elétrica após passagem de ciclone pela cidade de Muçum
Ovelha fica pendurada em fiação elétrica após passagem de ciclone pela cidade de Muçum

Nas chuvas de setembro de 2023, Muçum foi o município que registrou o maior número de mortes na tragédia: foram 16 do total de 52. Não bastasse setembro, uma das cidades mais afetadas pelas chuvas que causaram destruição e mortes no RS, novamente Muçum, no Vale do Taquari, voltou a ter transtornos em meados de novembro do mesmo ano. Novamente o Rio Taquari subiu, deixando em alerta a prefeitura e a Defesa Civil. Conforme a Administração Municipal, a estimativa era de que ao menos 60% da cidade estava debaixo d’água. Ruas centrais da cidade ficaram repletas de água.

Na mesma ocasião, outra cidade do Vale do Taquari, Lajeado também enfrentou a cheia do rio, cujo nível atingiu 27,40m na noite de sábado (18). Com isso, a água começou a atingir ruas e casas da cidade. Segundo a prefeitura, 218 famílias, que totalizam 594 pessoas, ficaram abrigadas no Parque do Imigrante e outros 70 moradores no Ginásio do Conservas, e cinco, na Igreja do Conservas.

Recentemente, mais precisamente no início do mês de abril deste ano, um mês antes da tragédia que assola o estado do Rio Grande do Sul nesse momento, foi publicado em jornais que um estudo técnico apontou que a cheia de setembro de 2023 foi a maior já registrada no município de Lajeado, no Vale do Taquari, desde 1873. A pesquisa demonstrou que o evento superou a grande cheia de maio de 1941, considerada a maior do município até então.

O levantamento de dados foi realizado por pesquisadores da Universidade do Vale do Taquari (Univates), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Serviço Geológico do Brasil SGB/CPRM. Mesmo com a marca, ainda não é possível afirmar que a cheia de setembro tenha sido a maior do rio Taquari em Lajeado, considerando todo o período desde o início da colonização europeia na região, na segunda metade do século 19. Para que isso se confirme, os pesquisadores dependem de uma estimativa mais acurada do nível máximo atingido pelo rio em 1873, em um trabalho já em andamento. Mais uma vez a ciência trabalhando e mostrando as evidências. Lembrando, as autoridades foram novamente informadas.

Salto Ventoso, Farroupilha, na Serra gaúcha, o imenso volume d'água alimentando os grandes rios da região
Salto Ventoso, Farroupilha, na Serra Gaúcha, o imenso volume d’água alimentando os grandes rios da região

Chegamos em maio de 2024. A elevação do rio Taquari registra a maior cheia da história no município de Estrela (RS) em 150 anos. Na manhã de quinta-feira (2), o nível ultrapassou 32 m e superou os recordes de 29,92 m (em 1941) e de 29,53 m (em setembro de 2023). Entre terça (30) e quinta (2), o rio subiu mais de 13 metros na cidade. O grande volume de chuvas em um curto espaço de tempo provocou a elevação muito rápida do nível dos rios, causando inundações em diversos municípios. As cidades mais afetadas estão, principalmente e novamente, nas bacias dos rios Taquari e Caí.

Em 10 de maio eram mais de 2 milhões de pessoas já foram afetadas, 446 municípios gaúchos (dos 497) sofrendo as consequências dos temporais, 145 mortos, 132 pessoas desaparecidas e 806 feridos. O número de pessoas resgatadas se manteve em 70.863, além de 9.984 animais. O efetivo empenhado em atender a população soma 27.589 agentes, 4.398 viaturas, 41 aviões e 340 embarcações.

Municípios do Rio Grande do Sul atingidos pela enchente
Comparativo das áreas afetadas com as chuvas de setembro de 2023 e de abril/maio de 2024
Comparativo das áreas afetadas com as chuvas de setembro de 2023 e de abril/maio de 2024
Os números da tragédia - Imagem: Poder 360

Em dez dias choveu no Rio Grande do Sul cerca de um quarto do esperado para um ano – entre 24 de abril e 4 de maio foram 420 mm de chuva, enquanto a média do Estado fica em torno de 1.500 mm anuais. A maior parte dos moradores das cidades atingidas, inclusive a capital Porto Alegre, teve que sair de suas casas, abrigando-se em locais públicos, casas de famílias e de amigos.

A situação ficou tão grave que motivou duas visitas do presidente Luís Inácio Lula da Silva ao estado, a segunda das quais acompanhado por uma ampla comitiva de ministros e os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, o vice-presidente do STF, Edson Fachin, e representantes das Forças Armadas. “É um desastre que se colocaria, sem exagero, no rol de um grande terremoto”, disse ao Jornal da USP o professor Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo. “As enchentes afetam o estado de formas tão abrangentes e intensas que é possível fazer essa comparação”, acrescenta.

A necessidade de reconstrução é praticamente total, porque todos os principais recursos de que o estado e a população podem dispor foram comprometidos no seu todo ou em grande parte. A começar pela infraestrutura do transporte. Além da dificuldade de locomoção, evacuação dos locais e resgate de vítimas, a segurança alimentar e energética são dificuldades consequentes. Sem meios de levar comida e energia, a fome, a distribuição de combustível e a impossibilidade de recuperar a rede elétrica se tornam problemas também.

Avalanche na serra gaúcha, entre Veranópolis e Bento Gonçalves - Foto: Nicolas Rossi De Lemos
Avalanche na serra gaúcha, entre Veranópolis e Bento Gonçalves – Foto: Nicolas Rossi De Lemos
Deslizamento de Galópolis, Caxias do Sul, RS, área mais atingida no município - Foto: Anderson Tibes
Deslizamento de Galópolis, Caxias do Sul, RS, área mais atingida no município – Foto: Anderson Tibes
Cascata Véu da Noiva, Galópolis, Caxias do Sul, RS – volume
grandioso de água alimentando os grandes rios

A saúde é mais um ponto preocupante de atenção. Mesmo as cidades que não tiveram o fornecimento de água comprometido, mas que sofreram com alagamentos, podem ter contaminação das redes de distribuição de água. Infelizmente, isso pode ampliar as doenças de veiculação hídrica, como é o caso da hepatite e da leptospirose. Não havia enchentes da grandeza da ocorrida na semana passada na capital do Rio Grande do Sul desde 1941, que na época registrou picos de 4,76 metros. Essa tragédia de maio atingiu 5,31 metros.

Apesar do El Niño ter sido, por vezes, apontado como a causa das enchentes, o professor Côrtes tem outra opinião. Para ele, houve uma junção de três fatores: frentes frias, umidade oceânica e uma barreira de alta pressão. A forte zona de alta pressão estacionada na região central do país impede que as frentes frias prossigam em direção ao norte. Essa zona, segundo o professor, fez com que a umidade do Oceano Atlântico se desviasse: uma parte entrando pelo leste do Rio Grande do Sul e outra dando uma volta pela Amazônia e descendo pelo interior do País, chegando pelo oeste. Na prática, o estado sofreu com uma frente fria vinda do sul e ondas de umidade vindas do leste e oeste; já ao norte, uma barreira fez com que tudo se condensasse ali.

As áreas do estado mais afetadas por essa tragédia são os vales dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos, Gravataí e Guaíba, este em Porto Alegre. Rio Grande, Pelotas e outros municípios às margens da Lagoa dos Patos também já estão sofrendo as consequências.

Mancha na cor vermelha mostra as áreas atingidas pela inundação da Lagoa dos Patos - (IPH/UFRGS)
Mancha na cor laranja mostra as áreas atingidas pela inundação da Lagoa dos Patos – (IPH/UFRGS)

Ambientalistas denunciam “pacote da destruição” no congresso e a flexibilização estadual

Um conjunto de propostas legislativas, batizado por ambientalistas como “Pacote da Destruição”, está em andamento no Congresso Nacional, com 25 projetos de lei e três emendas constitucionais com grandes chances de avançar rapidamente. O alerta é do Observatório do Clima, principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 107 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais.

O sinal amarelo é aceso no momento em que o Rio Grande do Sul enfrenta a maior catástrofe ambiental de sua história, com inundações que afetam mais de 1,9 milhão de pessoas, mais de centena de mortos, além de milhares de desabrigados. Segundo a organização, uma tragédia fruto dos efeitos das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, como há anos advertem os cientistas.

Os ambientalistas esperam que a catástrofe sirva para os parlamentares repensarem suas atitudes em relação à agenda ambiental e climática. Se isso vai ocorrer, eles têm dúvidas. Para eles, o Congresso brasileiro está num momento de dar satisfações para a população, de assumir suas responsabilidades. Espera-se que os congressistas se deem conta da gravidade do momento e do absurdo que é essa agenda muito negativa que tentam passar. E estão conseguindo. Semeia-se boiada para colher tempestade.

Região de Porto Alegre vista do espaço - Foto: NASA
Região de Porto Alegre vista do espaço – Foto: NASA
Vista aérea da enchente que atinge a cidade de Porto Alegre - Foto: Miguel Noronha/Enquadrar/Estadão
Vista aérea da enchente que atinge a cidade de Porto Alegre
Foto: Miguel Noronha/Enquadrar/Estadão
Quase um milhão de imóveis ficaram sem água potável e seis barragens em várias regiões do estado em situação de emergência. Vista aérea da região do Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre - Foto: Ricardo Stuckert/PR/Agência Brasil
Quase um milhão de imóveis ficaram sem água potável e seis barragens em várias
regiões do estado em situação de emergência. Vista aérea da região do Aeroporto
Salgado Filho em Porto Alegre – Foto: Ricardo Stuckert/PR/Agência Brasil

O Observatório do Clima ressalta que o ano passado ficou marcado por retrocessos ambientais significativos no Congresso, como a Lei 14.701, de 20 de outubro de 2023, que resgatou a tese do marco temporal logo após o Supremo Tribunal Federal declará-la inconstitucional, e a Lei 14.785, de 27 de dezembro de 2023, que ampliou a liberação de agrotóxicos. De acordo com a rede, o conjunto de medidas em discussão no Congresso pode trazer danos irreparáveis aos ecossistemas brasileiros, às comunidades tradicionais, ao clima global e à segurança de cada cidadão.

O chamado “Pacote da Destruição” inclui propostas recentemente elaboradas e projetos antigos que ganham impulso rapidamente, muitas vezes passando pelas comissões de forma conclusiva, sem passar pelo Plenário. A Frente Parlamentar da Agropecuária contestou os argumentos do Observatório do Clima. Para a bancada ruralista, chamar conjunto de projetos apoiados pela frente de “pacote da destruição” é “retórica política”. Segundo a FPA, os projetos são votados e aprovados por duas Casas Legislativas. Não é uma bancada, é o Parlamento. O Brasil possui 66% do seu território preservado. Nenhum projeto amplia área de produção ou incentiva desmatamento ou crimes ambientais, que afinal é crime e não poderia estar na legislação.

A flexibilização ambiental no estado do Rio Grande do Sul

Quando o Brasil despertou no domingo, 5 de maio, ficou clara a dimensão da catástrofe ambiental que se abatera sobre o Rio Grande do Sul. A capital, Porto Alegre, com 1,4 milhão de habitantes, entrou em colapso com o avanço do Rio Guaíba.

Eduardo Leite mudou 480 normas do Código Ambiental gaúcho
Eduardo Leite mudou 480 normas do Código Ambiental gaúcho

Diante do choque nacional, o governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), foi às ruas coordenar os esforços de resgate. Uma das frases ditas por Leite naquela manhã trágica, porém, causou reação imediata. O tucano afirmou que “aquela não era a hora de procurar culpados, de transferir responsabilidades”. Mas entidades de proteção do meio ambiente, ambientalistas e a imprensa gaúcha foram rápidos em apontar para o desmonte das leis ambientais do estado durante a gestão de Leite.

E a sociedade também. Segundo pesquisa do Instituto Quaest divulgado na última quinta-feira, 9, 68% dizem que o governo Leite tem muita responsabilidade na tragédia. Em setembro de 2019, Leite, que ainda estava no início do primeiro mandato, apresentou a proposta de um novo Código Ambiental para o Rio Grande do Sul. Seu projeto acabou aprovado pela Assembleia Legislativa 75 dias depois, alterando 480 pontos do arcabouço estadual de proteção ambiental.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite

Ao entrar em vigor, em 2020, esse novo código estava alinhado ao enfraquecimento da proteção ambiental pregada pelo então presidente Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, assim como a bancada ruralista no Congresso Nacional. A ideia pregada tanto por Leite quanto por Bolsonaro era flexibilizar as exigências ambientais, favorecendo o ambiente de negócios.

À época, Leite chamou as modificações feitas por seu governo de “modernização do Código Ambiental”. O político afirmou que a legislação antiga dificultava a atração de empreendimentos e estava travando o progresso da economia gaúcha. Esse novo código, afirmou o governo estadual à época, teria como resultado “um melhor equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento socioeconômico”.

Para a gestão tucana, o ponto central da nova lei ambiental foi a criação do chamado autolicenciamento. A chamada Licença Ambiental por Compromisso (LAC) é concedida em até 48 horas pelo sistema digital da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), o ponto mais controverso dessa reforma da lei ambiental: não há análise prévia do projeto por nenhum técnico.

Eduardo Leite sempre esteve junto ao ex-presidente Bolsonaro que compartilham dos mesmos ideais, principalmente em relação ao meio ambiente
Eduardo Leite sempre esteve junto ao ex-presidente Bolsonaro que compartilham
dos mesmos ideais, principalmente em relação ao meio ambiente

Para ter seu projeto aprovado, o cidadão precisa apenas preencher uma declaração em que assegura estar atendendo a todos os requisitos ambientais e o governo do estado libera de boa-fé e sem nenhuma verificação o projeto. Outro ponto altamente controverso foi a flexibilização da proteção ao pampa. O bioma caracterizado por extensas planícies ocupa 63% do território gaúcho e tem importância fundamental como hábitat de plantas e animais, além de regular os ciclos de água e absorver carbono da atmosfera.

Foram revogados 13 artigos do Código Florestal gaúcho. Entre os trechos suprimidos estão os que proibiam o corte de árvores como figueiras, corticeiras, algarrobos e inhanduvás. Também desapareceram itens que regulamentavam o manejo de florestas nativas. Até a chegada de Eduardo Leite ao poder, o Rio Grande do Sul era considerado pioneiro na proteção ambiental.

O código atropelado pelo governador, por exemplo, havia sido discutido por nove anos antes de ser aprovado, em 2000, e era tido como exemplar. Em 2021, Leite avançou sobre outra notória legislação ambiental gaúcha, a primeira lei de agrotóxicos (Lei nº 7.747, de 22 de dezembro de 1982) do Brasil. Criada nos anos 1980, previa que nenhum defensivo poderia ser licenciado no estado se não fosse permitido em seu país de origem. Essa exigência não existe mais.

Neste ano, em nova mudança, Leite flexibilizou a lei que trata da construção de barragens e reservatórios de água dentro de áreas de proteção (Lei nº 16.111, de 09 de abril de 2024). Isso pode favorecer a formação de enchentes em eventos extremos como o verificado nas últimas semanas no estado.

Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul - Foto: Gustavo Mansur
Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul – Foto: Gustavo Mansur
Cheia do Lago Guaíba muda cenário da capital Porto Alegre - Foto: Ricardo Stuckert
Cheia do Lago Guaíba muda cenário da capital Porto Alegre – Foto: Ricardo Stuckert

Em entrevista concedida à Globonews na última quinta (9), Leite negou que o afrouxamento das regras ambientais tenha intensificado a atual catástrofe. Segundo ele “não houve afrouxamento da legislação, não há relaxamento em relação aos cuidados ambientais do Rio Grande do Sul, pelo contrário, existe exatamente a preocupação de nós preservarmos e conseguirmos com isso ter a melhor conciliação entre a preservação necessária e o desenvolvimento econômico do Estado”.

Leite também rebateu declarações feitas por especialistas em meio ambiente desde que as águas tomaram o Rio Grande do Sul. Dezenas de organizações civis vieram a público criticar a postura do governador. Leite reagiu: “Eu não vou fazer críticas aos especialistas, mas desejo que façam uma análise mais profunda do que simplesmente querer debitar a conta, querer procurar culpados nesse momento e possam ter uma colaboração efetiva para a qual sempre estaremos abertos, porque é algo que nós desejamos, poder melhorar sempre, estaremos abertos a essas críticas que desejam ajudar a construir e não apenas apontar culpas para um e para outro”.

A situação na catastrófica na capital

Vista aérea de Porto Alegre, RS, em 6 de maio de 2024 - Foto: Carlos Fabal/AFP
Vista aérea de Porto Alegre, RS, em 6 de maio de 2024 – Foto: Carlos Fabal/AFP

Uma das comportas do sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre se rompeu com a força das águas, quando tanques do Exército Brasileiro chegavam para reforçar a estrutura. Durante a manhã de sexta-feira (3), o nível do Guaíba havia chegado em 4,50 metros e seguia em elevação após os temporais que atingiram o Rio Grande do Sul. A estrutura é composta pelo Muro da Mauá, que tem 14 comportas, além de 68 km de diques e 23 casas de bomba. Depois da enchente histórica de 1941, o município começou a planejar a criação de um sistema que pudesse proteger a cidade contra grandes enchentes. O conjunto de obras, porém, só saiu do papel cerca de 30 anos após as ocorrências.

Uma das obras que ganharam mais notoriedade foi o chamado Muro da Mauá. Trata-se de um paredão com 2,6 quilômetros de extensão que fica às margens do Guaíba e vai desde o porto até a avenida Mauá, na região central. O muro tem 3 metros de altura a partir do nível do solo. Segundo a prefeitura, o muro é feito em concreto armado e é responsável por proteger alguns dos principais equipamentos públicos da área central, como a P, o prédio dos Correios e Telégrafos que abriga o Memorial do Rio Grande do Sul, a Secretaria da Fazenda do Estado, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul, entre outros.

Sem o Muro da Mauá, que representa 4% da extensão dos diques de proteção, em caso de enchente, as águas que chegarem pelos afluentes e que forem retiradas da cidade por meio das casas de bombas e condutos forçados retornariam ao Guaíba pelo vão deixado pelo Muro, inundando a região central da cidade.

O Muro da Mauá, localizado na região central de Porto Alegre - Foto: Giulian Serafim/PMPA
O Muro da Mauá, localizado na região central de Porto Alegre – Foto: Giulian Serafim/PMPA
Uma das 14 comportas instaladas ao longo do Muro da Mauá - Foto: Luciano Lanes/PMPA
Uma das 14 comportas instaladas ao longo do Muro da Mauá – Foto: Luciano Lanes/PMPA

O Muro da Mauá tem, ao longo de toda a sua extensão, 14 comportas de proteção. Essas comportas são como portões, que são fechados pelas autoridades municipais quando há indicação de que o Guaíba vai subir acima do nível de segurança. Recentemente, uma das comportas do Guaíba – o portão 14 – se rompeu e colocou em risco a população da zona norte de Porto Alegre. Desde o início da atual cheia, a prefeitura teve de improvisar com sacos de areia atrás das comportas para ajudar a segurar a força da água.

Logo depois de comunicar a imprensa sobre o rompimento do portão 14, o diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Maurício Loss afirmou que não via problema no muro localizado no Cais Mauá, mas, segundo ele, os portões poderiam apresentar problemas, tanto que foram acionados tanques do Exército para fazer o escoramento.

Localização das 14 comportas localizadas ao longo do Muro da Mauá, em Porto Alegre
Localização das 14 comportas localizadas ao longo do Muro da Mauá, em Porto Alegre

Segundo Loss, o muro “foi feito com a engenharia e com a estrutura que se tinha” na época da construção, da década de 1960 e ele tinha atendido muito bem. “Mas a gente está passando por um momento histórico do Rio Grande do Sul”, comenta. “O muro é o que mais nos tranquiliza. Nosso problema são, de fato, os portões: são entradas menores de água, mas claro que isso pode causar um grande estrago. Mas, de certa forma, vem atendendo as necessidades”.

Os diques são estruturas que funcionam como reservatórios, que represem a água para evitar alagamentos na cidade. Esse sistema sistema é interligado com as casas de bomba que estão espalhadas pela capital gaúcha. A cidade conta com 23 casas de bomba. Esses equipamentos atuam em parceria com os diques, fazendo a drenagem da água nas regiões mais baixas do município e as levando de volta para o Guaíba. O problema é que, neste ano, devido ao grande volume de água, as casas de bomba não deram conta da demanda. Segundo a prefeitura, das 23 estações, 19 tiveram de ser desligadas em razão da inundação e por risco de choque elétrico.

Uma das 23 casas de bombas que fazem parte do sistema de proteção contra enchentes de Porto Alegre
Uma das 23 casas de bombas que fazem parte do sistema de proteção contra enchentes de Porto Alegre

Na quinta-feira (9), o Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) informou que estava atuando para restabelecer o funcionamento da sexta casa de bomba que precisou ser desligada. Na semana passada, o diretor-geral do Dmae já havia dito que as casas de bombas estavam “chegando aos seus limites”. As casas de bombas não foram projetadas para trabalhar tantos dias. Os motores não aguentam trabalhar tantos dias ininterruptamente. Eles superaquecem, têm queda de energia.

A informação do rompimento do portão foi anunciada pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) durante entrevista coletiva na manhã da sexta-feira (3), quando confirmou que a comporta afetada era a de número 14, localizada na Zona Norte da Capital e que os alagamentos deveriam se estender até a Avenida Farrapos.

Cinco anos antes da maior enchente da história de Porto Alegre, a prefeitura da capital, então governada pelo tucano Nelson Marchezan Júnior, perdeu R$ 121,9 milhões que seriam destinados a obras de prevenção a cheias do Guaíba e de outros cursos d’água que deságuam no lago. Esse financiamento, que viria do governo federal, serviria à reforma de 13 casas de bombas e também para dragagem do Arroio Moinho, que passa por comunidades periféricas da zona leste antes de desaguar no Dilúvio.

O ex-prefeito tucano Nelson Marchezan Júnior
O ex-prefeito tucano Nelson Marchezan Júnior

As casas de bomba são sistemas que enviam de volta as águas que entram na cidade – quando desligadas ou fora de operação, a cheia adentra os bairros pelas tubulações subterrâneas. Foi o que ocorreu na segunda-feira, dia 6, quando a Equatorial desligou a energia da casa de bombas 16, na Rótula das Cuidas, e a água do Guaíba inundou o Menino Deus e a Cidade Baixa.

O contrato para liberação dos recursos havia sido assinado ainda em 2012. A Caixa Econômica Federal divulgou em 2019, porém, que os acordos com as empresas que conduziriam as obras foram rompidos porque a prefeitura perdeu prazos. A população dos bairros Coronel Aparício Borges, São José e arredores é recorrentemente afetada pelas cheias do Arroio Moinho. Já na época do acordo, enxurradas do curso d’água causaram duas mortes, em 2017 e 2022. Para essa obra seriam destinados R$ 40,7 milhões do total do contrato.

A reforma de 13 casas de bomba viriam de um projeto chamado DrenaPOA, com recursos de R$ 81,2 milhões. Uma sindicância concluída em julho de 2019 investigou responsabilidades e razões que levaram ao fim do termo de compromisso com a união. A complexidade dos processos, vários projetos de obras em desenvolvimento no mesmo período, lentidão na tramitação e resultados ineficientes ao longo da tramitação do projeto foram os fatores apontados em uma notícia da própria prefeitura, à época.

Como funciona o sistema de Proteção Contra Cheias de Porto Alegre
Como funciona o sistema de Proteção Contra Cheias de Porto Alegre

Esse financiamento viria do PAC Prevenção, a partir de uma série de propostas de intervenções apresentadas pelo extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), com base no Plano Diretor de Drenagem Urbana, elaborado de 2001 a 2003. O DEP teve seus serviços incorporados pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), ainda em 2019, por ordem do governo de Nelson Marchezan Jr.

“Sim, há responsabilidade da prefeitura ao longo de muitos anos, inclusive, nestes dois últimos, na nossa gestão, pelo fato de não termos tentado de forma mais eficiente não perder esses recursos”, admitiu Marchezan em maio daquele ano, em entrevista para o programa de rádio Esfera Pública.

O Dmae ficou responsável pelas atribuições do DEP, mas, de acordo com um relatório do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), não teria capacidade para tal. Cinquenta e oito servidores foram cedidos do antigo departamento, mas havia um passivo na autarquia de 12 mil protocolos de serviço naquele momento. Num cálculo feito pelo Simpa, utilizando a média de trabalhadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, seriam necessários mais de 400 empregados para exercer as funções do DEP sem atrasos.

O ex-prefeito Nelson Marchezan Jr., Jair Bolsonaro e Onyx Lorenzoni
O ex-prefeito Nelson Marchezan Jr., Jair Bolsonaro e Onyx Lorenzoni

Mesmo incorporando as tarefas que seriam do DEP, o valor dos investimentos realizados pelo Dmae depois da incorporação foram baixos, em comparação aos valores da década anterior. Foram R$ 93,68 milhões em 2021 e R$ 97,27 milhões em 2020 – cerca de dez anos antes eram da ordem de R$ 206,93 em 2011 e R$ 239,72 milhões em 2012. Os números caem nos anos seguintes, orbitando em cifras entre R$ 60 e R$ 90 milhões. Para o Simpa, o Dmae renunciou a receitas e perdeu faturamento pela falta de pessoal para atendimento aos serviços e clientes, fiscalização, autuação e ações de negociação.

O ex-prefeito de Porto Alegre (RS), Nelson Marchezan Júnior (PSDB), responsável por extinguir o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e perder R$ 122 milhões que seriam destinados a obras de prevenção a cheias, também dizia que queria pilotar o trator que derrubaria muro do Cais do Porto, na Avenida Mauá.

“Eu quero derrubar o Muro do Cais da Mauá, eu gostaria de ser o piloto do trator que irá derrubar o muro. Temos muitos muros que deveriam ser derrubados, mas que não são por medo”, disse Marchezan em 2019, segundo o Blog Porto Imagem.

Defesa Civil, Bombeiros e exército tentaram evitar rompimento de comporta no Lago Guaíba, em Porto Alegre - Foto: Giulian Serafim/PMPA
Defesa Civil, Bombeiros e exército tentaram evitar rompimento de comporta no Lago Guaíba,
em Porto Alegre – Foto: Giulian Serafim/PMPA
Comporta de número 14, que se rompeu, fica na Avenida João Antônio Maciel, próximo ao acesso à Avenida Sertório - Foto: Giulian Serafim/PMPA
Comporta de número 14, que se rompeu, fica na Avenida João Antônio Maciel,
próximo ao acesso à Avenida Sertório – Foto: Giulian Serafim/PMPA

A prefeitura de Porto Alegre, comandada por Sebastião Melo (MDB), não faz investimentos no setor responsável pela prevenção de enchentes na cidade desde o início de 2023. As informações constam no Portal da Transparência. O departamento que cuida da prevenção contra as cheias tem apenas 428,9 milhões em caixa.

Os dados mostram que o investimento na área recuou de 1,7 milhão de reais em 2021 para apenas 141 mil reais no ano seguinte. Já em 2023, o investimento foi zerado. A armação do portal tem como base a rubrica “Melhoria no sistema contra cheias”, detalhada no orçamento do município. O corte de investimentos, mostra ainda o orçamento da cidade, contrasta
com o superávit patrimonial do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), que registrou 31,3 milhões de reais de lucro em 2023, conforme trecho do balanço do departamento.

O aumento dos lucros contrasta também com o sucateamento de pessoal, denunciado pelos representantes da categoria. Segundo informações do sindicato dos trabalhadores da empresa, o Dmae tem apenas metade dos servidores necessários para dar andamento aos projetos da companhia. Não há também pessoal suficiente para realizar a manutenção nos sistemas de contenção de cheias. Mesmo com o cenário apresentado, Melo teria recusado a contratação de 443 funcionários para o departamento. A suspeita apontada pelos sindicalistas é de que o prefeito estaria atuando para privatizar a companhia.

Sebastião Melo, Prefeito de Porto Alegre
Sebastião Melo, Prefeito de Porto Alegre
Antes e depois da cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, região da ponte do Guaíba e Aeroporto Salgado Filho (Foto: HANDOUT/SATELLITE IMAGE ©2024 MAXAR TECHNOLOGIES/AFP
Antes e depois da cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, região da ponte
do Guaíba e Aeroporto Salgado Filho (Foto: HANDOUT/SATELLITE IMAGE ©2024 MAXAR TECHNOLOGIES/AFP)

O sistema contra cheias do Guaíba estaria ultrapassado e sem manutenção adequada. A situação é causada, justamente, pela falta de investimentos e baixo volume de trabalhadores disponíveis para atender a demanda. O sistema antiquado e sem manutenção não foi capaz de proteger totalmente a cidade na última chuva torrencial. O resultado foi uma Porto Alegre inundada, com moradores isolados e submetidos a cortes de água e energia elétrica.

Na segunda-feira, 6, o governo federal reconheceu estado de calamidade pública na maioria dos municípios o Rio Grande do Sul, incluindo a capital. A medida permite que sejam contratados serviços e compra de materiais sem a necessidade de licitação, para atender casos de urgência. Uma espécie de orçamento de guerra está em tramitação no Congresso Nacional. A medida foi assinada pelo governo federal e contou com a aprovação da Câmara dos Deputados.

Agro é o setor da economia mais prejudicado

O estado representa 12,6% do PIB do agronegócio - Imagem: Poder 360

O agronegócio gaúcho é o setor econômico mais afetado pelas chuvas no Rio Grande do Sul. O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul – FETAG, Carlos Joel Silva, compara os danos na produção do estado com uma zona de conflito. Entre 29 de abril e 5 de maio, o estado experimentou um período de condições climáticas extremamente desfavoráveis, resultando em inundações extensas, erosões e perda de safra. O Informativo Conjuntural da Emater/RS-Ascar, divulgado na última quinta-feira (09/05), detalha os graves danos causados por esse evento.

Os setores mais afetados foram soja, arroz e feijão da segunda safra, que sofreram erosão, enchentes e longos períodos de encharcamento, comprometendo a qualidade dos grãos e tornando a colheita um desafio hercúleo. Algumas áreas, principalmente as de topografia declivosa, registraram sulcos profundos, especialmente em regiões com práticas inadequadas de manejo do solo. Além das culturas agrícolas, a produção de hortaliças e frutas foi drasticamente impactada, com vastas áreas submersas. Em relação à soja, a colheita estava em sua fase final, mas as chuvas interromperam a operação, afetando significativamente as áreas remanescentes. A qualidade dos grãos colhidos é preocupante, com algumas áreas registrando até 100% de perda. No caso do milho, a colheita foi lenta e houve perdas significativas, especialmente nas regiões de Lajeado e Caxias do Sul, onde algumas lavouras foram completamente destruídas.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) também realizou um levantamento parcial revelando que as tempestades registradas desde 29 de abril geraram pelo menos R$ 8 bilhões em prejuízos financeiros. Os números contabilizam perdas de municípios que enviaram os dados à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. A confederação esclarece que os impactos são informados pelos próprios municípios. São dados parciais, relatados à medida que os danos são contabilizados.

Lavouras totalmente destruídas em Roca Sales, RS
Lavouras totalmente destruídas em Roca Sales, RS

Ainda segundo a CNM, dos prejuízos financeiros relatados a agropecuária é o setor econômico privado com perdas financeiras levantadas. Os prejuízos para a agropecuária decorrentes das enchentes no Rio Grande do Sul já alcançam R$ 1,71 bilhão, estimou nesta sexta-feira (10/5). Trata-se do segmento da economia mais afetado no setor privado. Cerca de R$ 2 bilhões de prejuízo são no setor público e a maioria, por enquanto, referem-se ao setor habitacional, com R$ 4,4 bilhões, sendo 92,3 mil casas danificadas ou destruídas.

O estado representa em torno de 11% da produção nacional de frango e quase 20% dos suínos. Cerca de dez unidades frigoríficas chegaram a ficar paralisadas ou com atividade reduzida desde a semana passada, conforme associações locais. Há também informação de que 15 mil porcos foram mortos pelas enchentes somente na região do Vale do Taquari.

82% das propriedades gaúchas são de agricultura familiar, com produção de qualidade que foi quase inteiramente atingida pelas chuvas. Vive-se um cenário de guerra, as regiões de serra estão desmoronando e não existe mais infraestrutura para o produtor. Antes das chuvas, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimava que a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas do Rio Grande do Sul cresceria 46,4% neste ano, em relação ao ano anterior, e passaria a responder por 13,3% do total nacional, encostando no Paraná.

O Rio Grande do Sul responde, por exemplo, por 70% da produção nacional do arroz. Em relação à soja, a lavoura do estado representou 8,4% do país em 2023 e, com o crescimento esperado para este ano, passaria a representar 14,8%, ficando atrás apenas de Mato Grosso. O estado também se destaca na pecuária. Em 2023, ocupou a terceira colocação entre aqueles que mais abateram frangos e suínos. Foi também o quarto maior produtor de ovos e o quinto entre os produtores de leite.

Os danos mais significativos foram registrados em soja, arroz e feijão 2ª safra - Foto: Luan da Costa
Os danos mais significativos foram registrados em soja, arroz e feijão 2ª safra – Foto: Luan da Costa

As chuvas no Rio Grande do Sul destruíram quase 23 mil hectares de arroz no Estado. As plantações foram totalmente perdidas, de acordo com levantamento do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA). A perspectiva de colheita é de 7,15 milhões de toneladas na atual temporada 2023/24. O cálculo leva em consideração uma produtividade de sete toneladas por hectare nos 101,4 mil hectares não atingidos pelas chuvas e que ainda possuem grãos para serem colhidos. Até o momento, as máquinas percorreram 758,1 mil hectares dos 900,1 mil hectares plantados no estado. Da área restante, 22.952 hectares estão totalmente perdidos e 17.903 hectares estão parcialmente submersos pelas águas.

No litoral, por exemplo, houve grande perda de lavouras de soja e alagamento de silos de arroz. O litoral foi seriamente impactado na cultura da soja, que ficou embaixo d’água. Mas já pegou bastante adiantada a colheita do arroz, acima dos 70%, 80%, o que colocou o arroz a salvo, a não ser por algum silo que ficou com 1 metro de água em sua base. Outra área com muitas perdas foi a região central do estado. Nos municípios da chamada Quarta Colônia – Santa Maria, Lajeado – a enchente levou praticamente tudo dos produtores. Não só a possível colheita, como também o maquinário e animais.

No norte do estado, o principal impacto para o agronegócio foram os danos à infraestrutura, que causam problemas no escoamento de produtos derivados de frango, suínos e bovinos e também na chegada de ração para esses animais. Nessa região a água já baixou, mas o setor está paralisado. Alguns criatórios estão isolados, ainda sem a possibilidade de a ração chegar até eles. Os produtores de leite não conseguem chegar à indústria e às vezes essa indústria está submersa. Segundo a Empresa de Extensão Técnica e Extensão Rural do estado (Emater-RS), o impacto só não foi maior porque 76% da soja e 83% do milho plantados no estado já tinham sido colhidos.

Segundo a Emater-RS, as perdas em lavouras do RS podem chegar a 100% em algumas regiões - Foto: Emater/RS-Ascar
Segundo a Emater-RS, as perdas em lavouras do RS podem chegar
a 100% em algumas regiões – Foto: Emater/RS-Ascar

O período de semeadura de grãos de inverno, como o trigo e a aveia, produtos que têm o Rio Grande do Sul como um dos maiores produtores nacionais, ainda não começou, portanto não é possível saber se haverá impacto ou não nessas lavouras. Pelo menos o plantio de pastagens de inverno (que servem de alimento para o gado) foi prejudicado, uma vez que as sementes já estavam em período de germinação. Apesar do peso do Rio Grande do Sul na agropecuária nacional, os técnicos não acreditam que haverá grandes impactos no abastecimento de produtos alimentícios para o resto do país. Pode haver algum impacto no fornecimento de arroz e, em um curto prazo, da carne de frango.

De qualquer maneira, tem-se estoque suficiente de arroz para chegar à próxima safra. Pode ter algum impacto também na avicultura. A indústria do frango ficou um pouco abalada, espera-se que de forma temporária.

Casas, galpões e currais destruídos. Plantações inundadas e colheitas perdidas. Galinhas, porcos e vacas levados pela força das águas. Uma realidade “triste e desoladora”, afirmam pequenos agricultores, assentados e quilombolas que lidam com as diferentes perdas provocadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul. Trabalhadores e famílias vivem uma tragédia sem precedentes no campo.

Os agricultores que estavam nas margens dos rios Pardo, Taquari, Jacuí perderam casas, animais e máquinas. Outros ainda nem conseguem calcular as perdas, porque não conseguiram voltar para ver as propriedades. A chuva também prejudicou tanto as produções de subsistência, como aquelas voltadas para o mercado. Os agricultores das regiões mais altas sofrem com deslizamentos de terra e soterramentos de casas. Ainda não existem informações muito concretas sobre mortes na área rural e boa parte das produções também foi levada pelas enxurradas.

Casas, galpões e currais destruídos
Casas, galpões e currais destruídos

Essas famílias necessariamente vão precisar de um apoio muito grande dos governos federal, estadual e municipais para reestruturar as propriedades. Para compra animais e equipamentos. E também de apoio para manutenção das famílias com alimentação, água e luz por um período, porque perderam praticamente tudo. As dificuldades de locomoção e de comunicação têm dificultado que o trabalho assistência seja ampliado para áreas próximas.

Segundo alguns relatos, é algo nunca visto antes. A água chegou a lugares que nem imaginava que pudesse chegar. Os prejuízos são de todo tipo. Há impactos econômicos nos empreendimentos e no comércio em geral. Na região metropolitana de Porto Alegre, a realidade também é de isolamento e de destruição e a dificuldade para se comunicar com agricultores e assentados é uma constante. Roças e lavouras de hortifrutigranjeiros foram totalmente destruídas. Toda a região foi afetada. Muitas famílias e pequenos agricultores plantam verduras para comercializar nas feiras de Porto Alegre. A maioria que tinha plantações de inverno acabou perdendo tudo e está isolada por causa das estradas bloqueadas.

Lavouras, máquinas e construções debaixo d’água, animais sendo levados pela enxurrada, insumos perdidos e produção de leite inviável. Esses são alguns dos relatos que chegam das áreas rurais
Lavouras, máquinas e construções debaixo d’água, animais sendo levados pela enxurrada,
insumos perdidos e produção de leite inviável. Esses são alguns dos relatos que chegam das áreas rurais

Os impactos nos assentamentos

A direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também calcula um impacto grande para os que vivem nos assentamentos da região metropolitana. Cinco deles ficaram submersos em decorrência das chuvas. Em Eldorado do Sul, estão nessa situação os assentamentos Integração Gaúcha (IRGA), Apolônio de Carvalho e Conquista Nonoaiense (IPZ). Em Nova Santa Rita, os assentamentos Santa Rita de Cássia e do Sino. Pelo menos 420 famílias foram afetadas pelos alagamentos.

A direção acredita que ainda vai demorar mais de uma semana para que os trabalhadores possam voltar para os assentamentos e avaliar com precisão o tamanho dos prejuízos. Assim que as águas baixarem e permitirem a entrada, talvez daqui uns dez dias, foi decidido priorizar a região de Eldorado do Sul, para tentar salvar a Cootap (Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre), que foi alagada.

Colheitadeira dentro d'água. Prejuízo chegou a 300 hectares de arroz orgânico que estavam para ser colhidos na região de Viamão
Colheitadeira dentro d’água. Prejuízo chegou a 300 hectares de
arroz orgânico que estavam para ser colhidos na região de Viamão
Plantação de arroz agroecológico e máquinas foram afetadas em Viamão
Plantação de arroz agroecológico e máquinas foram afetadas em Viamão

Sobre colheita e maquinário, é possível estimar que o impacto também foi muito grande. Todos os anos, em março, o MST do Rio Grande do Sul promove uma festa para marcar o início da colheita do arroz orgânico no estado. Em 2024, no entanto, não houve colheita, nem festa, porque a semeadura do grão, que geralmente começa em setembro, precisou ser adiada em razão de duas enchentes históricas na região metropolitana de Porto Alegre no ano passado, onde estão a maioria dos assentamentos produtores. A colheita foi atrasada e, no lugar da festa de março, o MST organizou um seminário sobre os impactos das mudanças climáticas na agroecologia.

Ainda existia uma projeção de se colher esse arroz plantado fora da janela agrícola. Já se sabe que mais de 50% dessa produção foi prejudicada. Perdeu-se algumas máquinas, alguns caminhões, que eram muito importantes para o movimento na construção dos vales, no levantamento de água, na produção do grão. Lamentavelmente, houve um prejuízo em grande parte da estrutura, mas ainda é preciso dimensionar a gravidade.

A sede da cooperativa, que também fica em Eldorado, está com água na altura do telhado – o assentamento Integração Gaúcha, onde ficam as instalações, desapareceu sob o Rio Jacuí e o Lago Guaíba, que extravasaram seus leitos tradicionais em uma proporção nunca antes vista. Além das perdas na produção, centenas de famílias estão desabrigadas. A previsão era colher 280 mil sacas de arroz orgânico na safra 2023/2024, sendo 150 mil delas na Região Metropolitana de Porto Alegre.

O movimento iniciou a produção de marmitas no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, onde assentados desabrigados estão sendo acolhidos - Foto: Naira Hofmeister/Repórter Brasil
O movimento iniciou a produção de marmitas no assentamento Filhos de Sepé,
em Viamão, onde assentados desabrigados estão sendo acolhidos – Foto: Naira Hofmeister/Repórter Brasil

Em cálculos ainda superficiais, o MST acredita que os 50% do arroz em todo o estado que ainda estiva no pé, sem colher, representa 140 mil sacas, ou 7.000 toneladas de colheita perdida. É impossível recuperar a produção dessas áreas alagadas. Além disso, a Conab estima que pelo menos 60 mil sacas de arroz orgânico já colhido pelos assentados de Eldorado do Sul foram perdidos também. Não existe energia para ligar os motores do silo e essas 60 mil sacas de arroz já colhido representam mais 3.000 toneladas, totalizando ao menos 10 mil toneladas de prejuízo. A previsão é que a cheia dure pelo menos até o dia 18 de maio.

É importante destacar que mais de 4.000 hectares da produção de arroz orgânico estão em assentamentos do MST, de acordo com o Instituto Riograndense do Arroz (Irga), órgão vinculado ao Governo do Rio Grande do Sul. Isso contrasta com menos de 1.000 hectares dos demais produtores do estado, que concentram 70% da produção nacional do grão.

Além do impacto na produção de arroz, o MST gaúcho informa que as hortas dos assentamentos da Região Metropolitana de Porto Alegre também perderam tudo o que estava plantado. Só a parte superior das estufas em Eldorado do Sul ficou fora da água. A produção de hortifrutigranjeiros do MST local chegou a 2.900 toneladas na safra 2022/2023. Raízes, hortaliças e frutas compõem a cesta de alimentos produzida na região, que também entrega itens industrializados como geleias, sucos e molhos. Essa produção é distribuída nas várias feiras orgânicas da capital do Rio Grande do Sul, mas também atravessa o país por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal.

Produção animal

As chuvas e enchentes também golpearam severamente a produção animal do estado, colocando milhares de animais em risco. Bovinos, suínos e aves, criados para consumo, foram diretamente impactados, com relatos de animais arrastados pelas correntezas e outros se afogando em galpões inundados.

Suíno arrastado pela correnteza preso no tronco de uma árvore em Roca Sales
Suíno arrastado pela correnteza preso no tronco de uma árvore em Roca Sales

Além das fatalidades imediatas, as chuvas também trouxeram desafios logísticos, com bloqueios nas rodovias e danos à infraestrutura. Isso resultou em interrupções no abastecimento de água e paralisação de abates, além de uma crescente escassez de alimentos para os animais. Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), pelo menos dez unidades produtoras de carne de aves e suínos estão paralisadas ou com dificuldades extremas para operar, com um tempo estimado de mais de 30 dias para retornar à normalidade. A escala do impacto é assustadora, já que algumas das áreas mais atingidas são grandes produtoras agropecuárias, como o Vale do Taquari, onde quase 2 milhões de porcos são abatidos anualmente.

Relatos de tragédias envolvendo animais foram registrados em várias regiões do estado. No Vale do Caí, em Harmonia, dezenas de frangos morreram afogados. Em Triunfo, a água subiu até a altura do pescoço dos bovinos. Empresas contratadas para resgatar animais enfrentaram grandes desafios para salvar os rebanhos de mais de 80 produtores rurais. Em três dias, uma empresa conseguiu resgatar mais de 500 bois na região.

Mesmo em criações extensivas, as chuvas fortes causaram problemas inesperados. Nos arredores de Porto Alegre, búfalos foram vistos correndo pela cidade após serem arrastados pela correnteza. Em Roca Sales, no Vale do Taquari, moradores gravaram vídeos mostrando dezenas de porcos vitimados pela enchente ao longo de uma estrada rural.

Aves mortas na granja
Aves mortas na granja

A situação dos animais criados para consumo é particularmente preocupante devido à alta concentração em galpões e gaiolas, sem possibilidade de fuga ou busca de abrigo em áreas mais elevadas. Esse modelo de criação industrial intensifica o sofrimento dos animais durante desastres naturais, pois eles não têm opção, ficam presos e podem agonizar por horas ou até dias antes de se afogarem.

Além das consequências diretas das enchentes, há preocupação crescente com a falta de alimentos, infraestrutura e paralisações nos abates. A escassez de ração e os bloqueios nas rodovias dificultam o transporte de animais e de funcionários. Em São Sebastião do Caí, o frigorífico Agrosul Agroavícola suspendeu as operações devido à incapacidade de trazer funcionários, transportar animais vivos ou escoar a carne produzida.

Diante desses desafios, especialistas alertam para a necessidade de planos de contingência eficazes que incluam os animais criados para consumo. A ONU já alertou para o aumento de ocorrências climáticas extremas, exacerbadas pela pecuária industrial, e seu impacto nos países do Sul Global. O setor pecuário é responsável por essas vidas e deve garantir sua segurança e bem-estar em caso de desastres naturais.

Com 20% dos abates de suínos do país e de 11% dos de frango, o estado tem hoje dez indústrias do segmento paradas, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). A expectativa é que demore mais de 30 dias para a produção ser retomada.

Suínos sofrem com granjas alagadas ou derrubadas pelas chuvas no RS - Foto: Prefeitura de Tupandi
Suínos sofrem com granjas alagadas ou derrubadas pelas chuvas no RS – Foto: Prefeitura de Tupandi

A dificuldade em conseguir chegar com ração e outros insumos essenciais às propriedades é imensa. A situação é agravada pela localização das fábricas de ração, concentradas principalmente na região do Vale do Taquari, uma das áreas mais afetadas pelas chuvas e enchentes. Com estradas e pontes destruídas e deslizamentos de terra, o acesso a essas fábricas e a saída delas tornou-se praticamente inviável, assim como o abastecimento de alimentos às propriedades produtoras de suínos.

Além disso, a situação também interfere na cadeia produtiva, uma vez que muitos produtores dependem do transporte dos animais. Com as estradas bloqueadas, essa movimentação torna-se impossível, gerando um transtorno adicional para o setor. Esforços são necessários para restabelecer a infraestrutura logística mínima necessária para não paralisar completamente a suinocultura. Foi estabelecida uma força-tarefa, em parceria com o governo federal, para conseguir transportar as aves e suínos das regiões atingidas para industrialização em outras unidades que estejam com operação normal.

O setor de criação de gado leiteiro também sofreu duras perdas, com pastagens destruídas, problemas no transporte do leite e até mesmo morte de animais devido ao transbordamento de açudes. Em várias regiões do estado, o gado ficou sem pasto devido ao alagamento, comprometendo a produção leiteira e causando lesões nos animais. Em áreas como Porto Alegre e Santa Maria, houve mortes de animais por afogamento e problemas significativos com o acesso para coleta do leite.

A apicultura, a ovinocultura e a pesca artesanal também sofreram com as chuvas intensas e as enchentes. As colmeias foram perdidas em várias áreas, e a pesca artesanal foi impactada por inundações, interrompendo a captura de diversos peixes e camarões. Em regiões como Pelotas e Tavares, muitas famílias de pescadores foram forçadas a abandonar suas casas devido às enchentes.

Por onde se olha no estado se vê o rastro da tragédia. A pesca não ficou de fora dos efeitos das chuvas
Por onde se olha no estado se vê o rastro da tragédia. A pesca não ficou de fora dos efeitos das chuvas
Parque Assis Brasil conta com 45,3 mil m² de pavilhões cobertos. Área tomada pelas águas
Parque Assis Brasil conta com 45,3 mil m² de pavilhões cobertos. Área tomada pelas águas

O Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio (RS), foi tomado pela enchente do Rio dos Sinos, devido às fortes chuvas que afetaram o Rio Grande do Sul na semana passada. As águas ocuparam os 141 hectares que recebem eventos do agronegócio, especialmente a Expointer, maior feira agropecuária gaúcha.

Os riscos de zoonoses após enchentes

Buscando diminuir os riscos à saúde pública, no campo ou nas cidades, a Emater/RS-Ascar alerta para algumas recomendações e cuidados que devem ser adotados após as cheias para evitar a transmissão de doenças entre humanos e animais. Os técnicos chamam a atenção para uma doença de extrema importância para a saúde pública e para a economia agropecuária, a leptospirose. A doença que é transmitida do homem para o animal e do animal para o homem, causa grandes prejuízos, principalmente na atividade leiteira, sendo transmitida por uma bactéria, a leptospira, e essa bactéria tem 250 variedades diferentes.

A leptospirose é transmitida pela urina do rato contaminado. O rato é um portador que não adoece, ele fica transmitindo através da urina e ele não morre. A leptospira sobrevive na água por quase cinco meses, o que é favorecido por um período de grandes enchentes, alagamentos, enxurradas, como esse que o estado enfrenta. As pessoas estão tendo contato com a chuva, com a água que pode estar contaminada. Além das pessoas, os animais estão tendo contato com essas águas e também podem se contaminar. Ela é uma doença muito importante pois a bactéria atravessa a pele intacta, sem a necessidade de se ter uma ferida para que a leptospira entre na pele. Ela passa contágio através do olho, do nariz, da boca, do aparelho genital, através do aparelho reprodutor dos animais.

Ciclo de transmissão da leptospirose - Fonte: Ministério da Saúde
Ciclo de transmissão da leptospirose – Fonte: Ministério da Saúde

Para evitar o contagio das criações, recomenda-se aos criadores que protejam a ração dos animais dentro da propriedade, mantendo em lugar fechado, que impeça o acesso dos ratos, os quais em um quilo de ração, 250 gramas ele come, 750 gramas ele estraga urinando. Outro aspecto lembrado é a vacinação contra a leptospirose. Existe vacina para essa doença, então o criador deve entrar em contato com um médico veterinário extensionista da Emater, para ver se na sua região é preciso vacinar a cada quatro ou seis meses.

Os técnicos reforçam a precaução aos produtores de leite, uma vez que eles têm contato diário com as vacas leiteiras. Ao longo do dia a pessoas vão ao estábulo, à sala de ordenha, e a vaca às vezes urina dentro da propriedade, na sala de ordenha, e essa urina, através de suas gotículas, pode contaminar as pessoas que estão ali manejando com os animais. Então é preciso muito cuidado com isso. Qualquer sintoma observado, chame o veterinário para avaliar e fazer os testes de laboratório para saber se é leptospirose.

É importante estar atento aos sintomas, pois trata-se de é uma zoonose que é letal e demanda cuidados. Em relação aos humanos, preste atenção em dores musculares, na panturrilha, olhos avermelhados, febre alta, pode ser leptospirose. Em relação aos animais, os sintomas incluem urina avermelhada, febre, perda de apetite, e isso vale para todos os animais. E para quem tem cachorro na propriedade, o cão é um dos primeiros animais que fica doente, ele é um guardião da propriedade e precisa que fiquemos atentos.

Equipe-se para enfrentar a enchente, o contado direto com a água
Equipe-se para enfrentar a enchente, o contado direto com a água

Proteja-se usando botas, macacão impermeável, luvas, principalmente se tiver contato com as enchentes. Fique sempre atento aos sintomas e procure os médicos e os veterinários quando tiver este problema dentro da propriedade e procure, sempre que tiver alguma dúvida ou suspeita, os escritórios da Emater.

Confira outras dicas

  • Arboviroses (Dengue, Zika e Chikungunya) – as enchentes favorecem a reprodução do mosquito Aedes aegypti. Quando a água baixar e for possível, elimine recipientes com água parada e use repelentes para se proteger contra doenças transmitidas pelo mosquito.
  • Acidentes com animais peçonhentos – Após enchentes, animais peçonhentos podem procurar abrigo nas áreas habitadas. Ao limpar locais inundados, esteja atento a possíveis animais peçonhentos e busque ajuda médica se houver picadas.
  • Proteção Pessoal – ao limpar sua casa após uma enchente, proteja-se usando botas, luvas e calças longas para evitar contato com água suja.

Telefonia e internet

O sinal da telefonia móvel e de outros serviços de telecomunicações funcionam parcialmente em 222 cidades gaúchas, em decorrência das fortes chuvas e enchentes. A interrupção parcial ocorre quando há pelo menos uma operadora funcionando em uma determinada região, ainda que outras estejam com serviço afetado. Já em outros quatro municípios, o apagão da telefonia móvel é total: Arroio do Meio, Doutor Ricardo, Eldorado do Sul e Progresso. Nessas localidades, não há sinal de telefonia. O balanço foi apresentado pelo Ministério das Comunicações.

Telebras envia antenas ao RS para comunicação de resgate em enchente histórica
Telebras envia antenas ao RS para comunicação de resgate em enchente histórica

Além das operadoras estarem atuando para retomar o serviço da banda larga móvel, os provedores de pequeno e médio porte estão, dentro do possível, com equipes mobilizadas para restabelecer o serviço. Parte dessas empresas foram muito atingidas pelo evento climático. A Telebrás disponibilizou antena para conexão de internet banda larga de alta velocidade via satélite, que foram alocadas nas áreas que seguem com serviços regulares interrompidos.

As consequências serão sentidas por muito tempo

Espera-se ainda chuvas intensas nas regiões norte e nordeste do Rio Grande do Sul. No restante do estado, as chuvas serão um pouco mais fracas. Esse cenário no interior e no sul do estado deve se manter até o fim do mês, com apenas uma eventual chuva mais forte por volta do dia 21.

As chuvas no norte são um motivo de preocupação. O trecho de serra no norte do estado foi muito afetado e é parte da bacia do rio Guaíba. Isso impacta diretamente o resto do Rio Grande do Sul. As águas que caem ali são levadas até o Guaíba, e isso compromete a situação de Porto Alegre.

A perspectiva de melhora do nível das águas, que lentamente vinha baixando, não deve continuar. Ou ele vai manter o nível, ou ele vai voltar a subir um pouco. Esse cenário de parte da cidade inundada deve permanecer. Cerca de 30% da capital está inundada. Ainda para esse início da semana, a expectativa é de frio, que deve seguir até o fim do mês, mais um problema para quem passa por enchentes, pois pode acentuar o surgimento de doenças respiratórias.

O estado já tem experiência na recuperação das comunidades após os estragos da chuva - limpeza e desobstrução de vias após chuvas em Bento Gonçalves
O estado já tem experiência na recuperação das comunidades após os estragos da chuva
limpeza e desobstrução de vias após chuvas em Bento Gonçalves

As consequências do desastre ainda serão sentidas por muito tempo. A necessidade inicial é recompor os suprimentos básicos com medicamentos, água, alimentos e combustível. Fora isso, é preciso avaliar o fornecimento de água, pois mesmo nos lugares que não tiveram corte, o recurso pode ter sido contaminado com doenças.

A longo prazo, as mudanças devem envolver toda a população. Além de recursos, vai precisar de muita capacidade técnica e o envolvimento de todos, superando divergências políticas e ideológicas. Já na prática, a reconstrução não deve ser pensada como uma retomada ao que era antes. Uma vez provado que desastres desse tipo são possíveis e podem voltar a acontecer, reconstruir deve ser uma oportunidade para melhoria. O ideal seria que, nesse processo, o nível de resiliência crescesse, complementando que será necessário estabelecer rotas alternativas e reavaliar os riscos geológicos e hidrológicos.

A ONU e a tragédia

A cúpula da ONU aproveita as inundações no Sul do Brasil para ressaltar a importância dos governos agirem para conter as mudanças climáticas. Em um comunicado divulgado na quarta-feira (8), o secretário-geral da organização, António Guterres, disse estar profundamente triste com a perda de vidas e os danos causados pelas fortes chuvas e enchentes no sul do Brasil, enviando condolências e solidariedade ao governo e ao povo do Brasil, bem como às famílias das vítimas.

O secretário-geral enfatizou que desastres como esse lembram os efeitos devastadores da crise climática sobre vidas e meios de subsistência e reiterou seu apelo por uma ação internacional imediata para conter os efeitos destrutivos da mudança climática.

Em dez dias choveu no Rio Grande do Sul cerca de um quarto do esperado para um ano - Foto: Ricardo Stuckert
Em dez dias choveu no Rio Grande do Sul cerca de um quarto do esperado para um ano – Foto: Ricardo Stuckert

Para a Organização Meteorológica Mundial, alertou sobre a situação, lembrando que as chuvas torrenciais são uma demonstração dolorosa do impacto das mudanças climáticas em todo o mundo. A catástrofe é um trágico lembrete de como eventos cada vez mais intensos e frequentes afetam o desenvolvimento socioeconômico. Para a ONU, o desastre no Rio Grande do Sul representa é um doloroso alerta. A diretoria da organização elogiou a resposta das autoridades brasileiras e ao voluntariado à catástrofe, no entanto, alertou que a América Latina já é atualmente o segundo continente mais impactado no mundo por desastres naturais. Em 2023,11 milhões de pessoas foram afetadas na região, resultando em prejuízos de US$ 20 bilhões. Prevenir custa menos, mas lamenta que apenas 1% da ajuda internacional à região seja destinada à prevenção.

Providências

O geólogo e pesquisador da UFRGS, coordenador do Atlas Ambiental de Porto Alegre, Rualdo Menegat, esclareceu, em conversa no programa Mario Vitor & Regina Zappa – A Força das Águas, na TV 247, todos os fatos em torno das inundações no Rio Grande do Sul para se entender como se produz uma catástrofe.

“Não tivemos plano de evacuação, nem um sistema de alerta, nem um desenrolar competente que mostrasse à população confiança. O que vimos foi a reação heroica do socorrismo, mas não podemos contar apenas com a ação do socorro. O plano de defesa civil não deixa chegar a esse ponto. Sem um plano de defesa civil chegaremos ao caos”, disse o geólogo.

Menegat discutiu elementos-chave que, segundo ele, são fundamentais para compreender as causas e as deficiências que contribuíram para a situação: a emergência climática global devido ao aquecimento do planeta, as características geográficas da região, incluindo a localização de Porto Alegre e outras cidades afetadas pelas mudanças nos ciclos hídricos, o desmatamento e a má gestão do território, que resultam na degradação do solo e na perda da funcionalidade dos ecossistemas, o sucateamento e a privatização dos equipamentos de infraestrutura do estado para proteção e defesa, juntamente com a demissão em massa de funcionários preparados, e a falta de uma educação abrangente e cidadã para ajudar as pessoas a entenderem os desafios iminentes.

A dimensão completa dos danos ainda está sendo avaliada, mas o impacto é claramente devastador para a economia agrícola do Rio Grande do Sul. Os produtores e comunidades afetadas enfrentam um longo caminho de recuperação, com muitas incertezas sobre a viabilidade de suas atividades no futuro próximo.

O que já se sabe é que além dos bilhões necessários para a reconstrução do estado é que será preciso ir além e investir no planejamento para que desastres como esse não se repitam. Vai ser preciso trabalhar a conscientização das pessoas, tanto as que vivem em áreas urbanas quanto as da área rural, pois o muito negacionismo climático e ambiental ainda é muito grande. Os problemas terão que ser enfrentados com muita sabedoria e inteligência. Proteger nosso meio ambiente é uma questão-chave, é proteger a vida, todas as formas de vida. Será preciso discutir qual modelo de agropecuária queremos daqui pra frente, um modelo que não deprede os mananciais, que respeite as áreas de preservação, que respeita as formas de vida. Discutir uma política habitacional, principalmente para as cidades que estão nas beiras dos rios e para as famílias que vivem em áreas de risco. Implementar um programa nacional de reflorestamento imediatamente e um sistema de sociedade civil que se incluída em comitês de gerenciamento das bacias hidrográficas e nos debates ambientais. Será que as autoridades e a sociedade terão que ser avisadas mais vezes?

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