
O avanço do narcotráfico, antes restrito às áreas urbanas das grandes cidades, está impondo um clima de medo e insegurança com impactos cultural e socioambiental sobre os territórios indígenas na amazônia
Nas paredes de uma escola abandonada, as siglas C.V. riscadas com tinta são um aviso: o tráfico domina aqui. Em 2024, ao menos quatro jovens Tikuna foram assassinados por envolvimento com o tráfico de drogas na Terra Indígena (TI) Tukuna Umariaçu, em Tabatinga, no Alto Solimões. A violência não para por aí. Existe relatos de suicídios de indígenas devido ao consumo de drogas. Professores relatam que as drogas estão consumindo os alunos e as classes estão diminuindo. Não há nenhum tipo de assistência psicológica permanente e eficaz na TI, sendo que, apenas em alguns momentos como após a morte dos jovens, servidores da saúde chegam a visitar os familiares para prestar apoio e depois não retornam mais.
Enquanto o narcotráfico se apodera do território, os recursos educacionais ficam mais escassos e difíceis de serem acessados pelos alunos. O tráfico tem causado a perda da identidade cultural, pois muitos jovens abandonam as práticas tradicionais para se envolverem com atividades criminosas. Tornam-se integrantes dos traficantes, comercializando os produtos na aldeia. Na região do Alto Solimões, existe um poder capaz de ditar o que pode e o que não pode ao seu redor. O Comando Vermelho, facção criminosa que se originou no Rio de Janeiro e uma das primeiras a se expandir para o norte do país, comanda o narcotráfico transnacional. Sem se importar com a tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, o crime avança com sua ocupação ilegal, ameaça os povos indígenas e desintegra a maior força protetora do meio ambiente.

Fonte: Instituto Mãe Crioula/FBSP (2024)

ilegais como o garimpo do ouro, as invasões de terras e extração de madeira
Na TI Umariaçu, as lideranças sentem-se vulneráveis sem qualquer fiscalização para conter os invasores. Desimpedido, o tráfico compra terras indígenas a preço de banana. É uma posse sem papel, mas que existe de fato e se espraia velozmente. O dinheiro sujo do tráfico está refazendo o mapa da amazônia. O verde virou commodity nas mãos do crime. A atual movimentação fundiária do crime está diretamente relacionada com o aliciamento nas aldeias. O recrutamento de jovens indígenas para o tráfico de drogas tem crescido, agravando problemas de violência, insegurança e desestruturação social.
Alguns líderes indígenas acabam sendo cooptados pelo tráfico devido à falta de alternativas econômicas e à pressão dos grupos criminosos. No entanto, a maioria da comunidade resiste a essas influências e luta pela preservação de seu território. O território indígena fica no meio do caminho de uma rota estratégica para o transporte de drogas e mão de obra. Para facilitar a operação, o tráfico abre pistas clandestinas ou se valem das construídas ilegalmente pelo garimpo e derrubam árvores para plantio de coca. Entre os estados da região amazônica, o Acre se tornou uma importante rota de cocaína que sai da Bolívia.
O narcotráfico aposta nessa desintegração das comunidades indígenas. As facções se aproveitam da ausência do estado para transformar florestas e rios amazônicos em rotas estratégicas para o tráfico de drogas e contrabando. O CV e o PCC são como serpentes que engolem culturas e derrubam árvores. O narcotráfico tem se intensificando nas últimas décadas, vinculado a atividades de garimpo, de desmatamento, de roubo de madeira. Essas florestas densas e porosas facilitam as rotas do tráfico de drogas, especialmente cocaína, proveniente do Peru, da Bolívia. É preciso que as autoridades mudem suas perspectivas em seus esforços para erradicar o crime organizado e o narcotráfico, hoje concentrado nas terras onde há pouca presença do estado, como é o caso dos territórios indígenas. O tráfico já avançou tanto que os pontos de trânsito de drogas na amazônia já não são meras vias de escoamento ou rotas. Agora existem plantios de coca em alguns dos territórios indígenas. É o tráfico internacional sendo implantado na amazônia, junto com garimpo do ouro, as invasões e extração de madeira. É tudo um só organismo.

droga e armas. E estas atividades financiam a grilagem. É um sistema
financeiro que está sendo construído para que um apoie o outro

Um levantamento constatou a presença dos grupos CV e PCC em ao menos 260 municípios da Amazônia Legal, que inclui Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Roraima, Rondônia, Tocantins e Maranhão. O Comando Vermelho detém o monopólio de poder em 130 municípios, vários deles localizados nas fronteiras com a Bolívia, o Peru e a Colômbia. Os rios Abuna, Acre, Amazonas, Caquetá, Envira, Içá, Japurá, Javari, Juruá, Madeira, Mamoré, Negro, Purus, Tarauacá, Uaupés e Xiê, são rotas do tráfico de drogas entre Brasil, Bolívia, Colômbia e Peru.
As comunidades indígenas estão desamparadas, sem apoio real para enfrentar o problema. Se nas cidades o tráfico se manifesta em tiroteios, nas florestas ele assume outra face: o silêncio imposto às comunidades indígenas. A presença do poder público é frágil e, em muitos casos, ineficaz. Há relatos de corrupção envolvendo agentes de segurança e representantes políticos locais. Muitos desses políticos visam, a longo prazo, enfraquecer a autonomia indígena sobre suas terras, tornando-as áreas abertas para exploração econômica, principalmente para o agronegócio e a expansão urbana descontrolada. A grilagem financia a extração ilegal de ouro, que financia o tráfico de droga e armas. E estas atividades financiam a grilagem. É um sistema financeiro que está sendo construído para que um apoie o outro. A amazônia está sendo capturada por um crime organizado, abastecido e bem estruturado.
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Fonte: Wérica Lima, Nicoly Ambrosio e Elaíze Farias/Amazônia Real