Os microplásticos são pequenos fragmentos de plástico que se acumulam no meio ambiente e podem causar danos à saúde humana e animal
Os microplásticos invadiram a cadeia alimentar terrestre. Não é exagero dizer que não existe lugar no mundo livre de plástico. Segundo cientistas, ele está em todos os lugares: na água, no ar e até na comida que consumimos. Microplásticos foram encontrados em todos os lugares do planeta, desde as profundezas dos oceanos até o gelo da Antártica, até nas nuvens suspensas no topo de duas montanhas japonesas.
As nuvens ao redor do Monte Fuji e do Monte Oyama, no Japão, contêm níveis preocupantes de microplástico e destacam como a poluição pode se espalhar por longas distâncias, contaminando as colheitas e a água do planeta através de uma “chuva de plásticos”. O plástico estava tão concentrado em amostras coletadas pelos pesquisadores que acredita-se que esteja causando a formação de nuvens ao mesmo tempo em que emite gases de efeito estufa.
A poluição é composta por partículas de plástico menores que cinco milímetros que são liberadas de pedaços maiores de plástico durante a sua degradação (conforme o tempo, o plastico vai se quebrando em pedaços menores, gerando os microplásticos). E essas partículas estão se acumulando em todo o mundo. Estima-se que 10 milhões de toneladas acabem anualmente nos oceanos. Humanos e animais ingerem ou inalam grandes quantidades de microplásticos, que foram detectados em pulmões, cérebros, corações, sangue, placentas e fezes humanas. Saiba abaixo quais alimentos podem conter o material.
Peixes
A partir dos anos 2000, cientistas começaram a ver efeitos graves do material nos oceanos. “Tem uma grande ‘sopa de plástico’ no meio ambiente”, afirma Luís Fernando Lourenço, pesquisador do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP e um dos autores do estudo que encontrou microplásticos em pulmões humanos. Um estudo detectou que 73% dos peixes mesopelágicos (faixa de 200 até 1.200 metros de profundidade) do Oceano Atlântico ingerem microplásticos. Alguns desses animais são capazes de migrar entre as zonas e nadar até as faixas superiores do oceano para se alimentar, e, por meio dessas migrações verticais, contribuem para o transporte de carbono e nutrientes para as camadas mais profundas do oceano.
Esses peixes da zona mesopelágica podem espalhar microplásticos pelo oceano. E mais: eles são presas de peixes maiores, como o atum e o peixe-espada, que por sua vez são populares na dieta dos próximos animais da cadeia alimentar, no caso, nós humanos. Como são partículas (de plástico) muito pequenas, elas conseguem vencer barreiras do intestino e do pulmão e cair na corrente sanguínea, e daí elas vão para qualquer lugar do corpo, até para o cérebro.
Algumas são tão pequenas que são chamadas de nanoplástico e, dizem os cientistas, existe a hipótese de que elas possam estar afetando até o funcionamento de células. “Se está fazendo mal para a saúde marinha, pode nos fazer mal também”, completa Thaís Mauad, professora associada do Departamento de Patologia da USP.
Moluscos
Além de peixes, inclua na lista polvos, lulas, ostras e mexilhões ou mariscos. Um estudo da Universidade de Newcastle, na Austrália, disse que a maior fonte de ingestão de plástico é a água potável, mas que outra grande fonte são os moluscos, que tendem a ser consumidos por inteiro – e o plástico em seu sistema digestivo também. Moluscos são os frutos do mar mais contaminados por microplásticos. Na costa da Ásia são os mais contaminados, indiciando que esta zona é a mais poluída por plástico em todo o mundo.
O laboratório do Instituto Federal (IFSC), em Itajaí, identificou seguimentos de glitter em uma ostra que chegou ao local para ser analisada duas semana após o Carnaval de 2023. O grupo analisou cerca de 60 amostras dos alimentos cultivados no mar das cidades de Penha e Bombinhas, no Litoral Norte catarinense. Em todas elas, os pesquisadores encontraram ao menos um fragmento de microplástico. Tanto os mexilhões, que a gente chama de marisco, quanto as ostras filtram a água para tirar o alimento, que é fitoplâncton que a gente chama de microalga. A problemática é que durante o processo de degradação do plástico, essas partículas se misturam com o alimento do molusco.
Aves criadas soltas
Quem come frango pode ingerir centenas de partículas de plástico por ano. Para Walter Waldman, químico e professor da Ufscar, a humanidade deveria estar mais preocupada com a presença de pequenas partículas de plástico em pequenos animais. Estudo realizado por cientistas mexicanos e holandeses no México, mostrou que os microplásticos no solo são consumidos por minhocas e pelos frangos e galinhas criados soltos nas hortas domésticas para consumo humano.
Os microplásticos chegam ao solo principalmente por três motivos:
- porque não há uma gestão adequada dos resíduos e as pessoas queimam o lixo;
- porque os sistemas agrícolas utilizam plásticos para cobertura (que são enormes mantas de plástico com as quais cobrem as culturas) e o plástico fica acumulado no solo;
- e quando se utilizam águas residuais para irrigação, pois os processos de filtração destas águas não conseguem remover os plásticos de tamanhos diminutos.
Os microplásticos prejudicam a minhoca, que é comida pelas aves que nós comemos. Não temos evidência conclusiva de que faz mal e qual é esse mal, mas os plásticos têm fontes potenciais de toxicidade. Encontrou-se um máximo de 130 partículas de plástico por grama de excremento de minhocas nas hortas familiares. Também encontrou-se dezenas de microplásticos no papo e nas moelas das galinhas e calcula-se que isto se traduziria na ingestão anual de 840 partículas de plástico por pessoa. Segundo pesquisadores, limpar minuciosamente as moelas não garante a remoção de todos os resíduos químicos e plásticos, uma vez que estes últimos são tão pequenos que são difíceis de ver a olho nu.
Os invertebrados do solo, como as minhocas, perdem peso depois de ingerirem o plástico e morrem se as concentrações são muito elevadas. Estes organismos são fundamentais para manter a fertilidade do solo e a sua morte afeta a saúde dos solos onde diversas plantas crescem. O fato das pessoas queimarem o lixo faz com que elas mesmas contaminem os seus próprios solos e o ambiente, já que o plástico não desaparece, só se fragmenta em pequenos pedaços. O plástico é então ingerido por minhocas e galinhas.
Alimentos embalados
Alimentos embalados em plástico, como carnes, laticínios, frutas e legumes pré-embalados, podem estar sujeitos à contaminação por microplásticos. Isso ocorre principalmente quando o plástico entra em contato direto com o alimento ou quando ocorre a deterioração do material plástico.
Tudo o que se compra no supermercado que venha dentro de plástico pode oferecer risco de estar contaminado por minúsculas partículas desse material. Alguns plásticos, como o polipropileno, liberam até 16 milhões de microplásticos por litro e a temperatura desempenha um papel importante. O uso generalizado de plástico em embalagens de alimentos contribui para a contaminação. Partículas microscópicas de plástico podem se desprender dessas embalagens e migrar para os alimentos que ingerimos.
Autores de um estudo apresentado na revista Nature Food submeteram modelos de mamadeiras ao processo de preparação recomendado pela Organização Mundial da Saúde: esterilização e preparação do leite materno com água aquecida a 70°C, para eliminar as bactérias perigosas. Se a água para preparar o leite é aquecida a 95°C, a presença de plásticos pode aumentar para 55 milhões por litro e diminui para pouco mais de meio milhão com a água a 25°C. Logo, um bebê de 12 meses ingere, em média, todos os dias, 1,5 milhão de microplásticos, segundo os cálculos dos pesquisadores.
Água potável e bebidas engarrafadas
A maior fonte de ingestão de plástico é a água potável. A água potável também pode conter microplásticos, provenientes de diversas fontes, como a poluição de rios e oceanos. As partículas podem ser encontradas em águas de torneira, garrafas plásticas e até mesmo em águas engarrafadas.
Bebidas embaladas em recipientes plásticos, como garrafas de água e refrigerantes, podem conter microplásticos provenientes das embalagens. Durante o processo de fabricação, o contato do líquido com o plástico pode levar à liberação de partículas microplásticas.
Sal marinho
Estudos revelaram a presença de microplásticos em amostras de sal marinho de diversas regiões do mundo. O sal é obtido a partir da evaporação da água do mar e pode conter partículas de plástico que foram dispersas no ambiente marinho.
Reduzindo a contaminação por microplásticos
Como se sabe, eles podem ser encontrados em diversos produtos, como cosméticos, roupas, embalagens e até mesmo em alimentos. Algumas práticas simples podem fazer a diferença para se precaver contra esse tipo de contaminação na natureza. Vamos a elas:
- Minimize o uso de plástico – Elimine produtos descartáveis e abrace alternativas reutilizáveis para diminuir a produção de resíduos plásticos. Reduza a pegada de plástico optando por produtos a granel e evitando itens excessivamente embalados. Opte por embalagens reutilizáveis, recicláveis ou biodegradáveis. Evite comprar água engarrafada, canudos, copos, talheres e sacolas plásticas. Leve a sua própria garrafa, caneca, talheres e sacola de pano quando for sair de casa. Recuse produtos que venham com excesso de plástico ou que sejam desnecessários.
- Recicle adequadamente – Conheça e siga as diretrizes de reciclagem locais para garantir que os materiais plásticos sejam descartados corretamente. Evite descartar lixo no ambiente. Siga as orientações da coleta seletiva da sua cidade e separe o lixo orgânico do reciclável. Não jogue lixo na rua, na praia, no rio ou em qualquer lugar que não seja adequado. Procure pontos de coleta ou cooperativas que recebam materiais recicláveis. Se possível, faça compostagem do seu lixo orgânico em casa ou em espaços comunitários. Pratique uma gestão responsável de resíduos, evitando o descarte inadequado do lixo que você produz e promovendo a conscientização na comunidade.
- Evite produtos com microesferas – Faça escolhas conscientes ao comprar produtos de cuidados pessoais, evitando aqueles que contenham microesferas de plástico prejudiciais ao meio ambiente.
- Participe em limpezas locais – Una-se a iniciativas de limpeza de praias e áreas verdes para combater ativamente a poluição por microplásticos.
- Escolha roupas sustentáveis – Faça escolhas de moda mais sustentáveis, optando por tecidos naturais em vez de fibras sintéticas que liberam microplásticos durante a lavagem. Isso porque as roupas feitas de tecidos sintéticos, como poliéster, nylon e acrílico, liberam microfibras de plástico a cada lavagem, que podem contaminar a água e os organismos aquáticos. Para reduzir esse impacto, lave as roupas sintéticas somente quando necessário, use menos sabão e amaciante, e prefira ciclos de lavagem mais curtos e frios. Você também pode usar filtros especiais na máquina de lavar ou na saída da água que capturam as microfibras de plástico.
- Consuma alimentos locais e orgânicos – Priorize alimentos locais frescos, minimamente processados e orgânicos que são mais saudáveis e sustentáveis para reduzir a exposição a embalagens plásticas e produtos contaminados. Evite alimentos processados, industrializados e embalados em plástico, que podem conter resíduos de microplásticos. Lave bem os alimentos antes de consumir e cozinhe-os adequadamente para eliminar possíveis contaminantes. Certifique-se da procedência desses alimentos, inclusive frutos do mar.
- Evite bebidas em garrafas plásticas – Faça a troca para água de fontes confiáveis e utilize garrafas reutilizáveis para reduzir o consumo de plástico descartável.
- Use utensílios de cozinha alternativos – Adote utensílios de cozinha sustentáveis feitos de vidro, aço inoxidável ou madeira, diminuindo a dependência do plástico na cozinha.
- Filtre sua água – Proteja-se contra a ingestão de microplásticos filtrando a água que consome. Utilize sistemas de filtragem de água confiáveis pode ajudar a remover essas partículas.
- Esteja ciente dos produtos que usa – Leia atentamente os rótulos dos produtos para evitar utensílios e itens de cuidado pessoal que contenham microplásticos prejudiciais. Alguns exemplos são esfoliantes, pastas de dentes, sabonetes e detergentes. Você pode verificar os ingredientes nas embalagens ou consultar sites que listam os produtos que contêm microplásticos. Prefira produtos naturais ou orgânicos que não agridem o meio ambiente.
Concluindo
Pesquisadores estão desenvolvendo uma série de técnicas para tentar eliminar a poluição causada pelo plástico no meio ambiente. Uma possibilidade é procurar fungos e bactérias que se alimentem de plástico e decomponham o material durante o processo. Há também os insetos – uma espécie de larva de besouro que pode se alimentar de poliestireno é outra possível solução. Outros pesquisadores estão examinando técnicas de filtragem de água e tratamentos químicos que possam remover o microplástico. E até o uso de ímãs está sendo estudado para combater o problema.
A presença de microplásticos na nossa dieta é um alerta para a necessidade de repensar nossos hábitos e comportamentos em relação ao plástico. A adoção de escolhas conscientes e ações coletivas são fundamentais para mitigar os impactos dessas minúsculas partículas em nossa saúde e no meio ambiente.