O uso da genômica em pesquisas está trazendo novas perspectivas para as cadeias produtivas
Nos chamados pequenos ruminantes (caprinos e ovinos), o uso da genômica em pesquisas está trazendo novas perspectivas para as cadeias produtivas, com a possibilidade de aplicação de resultados em ações de melhoramento genético animal. As técnicas podem facilitar a identificação de animais classificados cientificamente como “superiores” – com potencialidade genética para características de importância econômica, como a produção e a qualidade do leite, a melhor resistência a verminoses ou a preservação de padrões típicos de raças.
Segundo Ana Lôbo, a vantagem da genômica é reduzir o tempo de avaliação dos reprodutores e garantir uma melhor acurácia das estimativas dos valores genéticos. O chamado valor genético (do inglês breeding value – BV) de um reprodutor para produção de leite é estimado por meio da futura produção de leite das suas filhas, avaliada por meio do teste de progênie. “Esse processo muitas vezes é demorado, uma vez que é necessário esperar o encerramento da primeira lactação das filhas do reprodutor em teste”, explica a pesquisadora.
“Poderemos reduzir esse intervalo de geração e selecionar animais jovens, já prevendo o fenótipo de suas filhas, para os acasalamentos ou para disponibilizar doses de sêmen, disponíveis para aquisição dos criadores para inseminação artificial e multiplicação desse material genético testado superior”, completa. A expectativa é que as informações sobre esse potencial genético estejam presentes em sumários relativos aos rebanhos do Capragene nos próximos meses. A cientista ressalta que o sêmen desses reprodutores identificados estará disponível a qualquer produtor interessado, mesmo que não seja integrante do Programa.
Ganhos na fertilidade do rebanho
Em outra linha de trabalho, o pesquisador Kleibe Moraes lidera ações que pretendem identificar genes associados à presença de chifres e a uma anomalia chamada criptorquidismo (falha na descida dos testículos dos animais machos para o saco escrotal) em uma das raças de ovinos mais adaptadas à região do semiárido, a Morada Nova. Segundo Moraes, a demanda por estudos sobre essas características partiu da interação entre as equipes da Embrapa e os produtores da Associação Brasileira dos Criadores da Raça de Ovinos Morada Nova (Abmova).
“Os produtores têm muito apreço pelo padrão racial dos ovinos dessa raça. Para serem registrados na Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco), uma condição essencial para que os animais participem de exposições é que eles não apresentem chifres. Há algum tempo os criadores vêm cobrando uma solução tecnológica que pudesse evitar crias com chifres na raça”, ressalta o pesquisador. O criptorquidismo, por sua vez, resulta em infertilidade dos machos da raça, pois a característica prejudica a produção de espermatozoides, que depende de temperatura um pouco abaixo da temperatura corporal. Animais com esta anomalia costumam ser descartados pelos produtores.
As duas características, chifres e criptorquidismo, somadas, chegam a atingir 20% dos machos nos rebanhos da raça Morada Nova na Embrapa, um percentual próximo ao que se verifica nos rebanhos dos criadores. “Isso prejudica a seleção de animais para melhoramento genético, pois é preciso uma certa quantidade de reprodutores para evitar endogamia (acasalamento com animais parentes, que pode resultar na redução do desempenho e no aparecimento de anomalias genéticas). Se temos 50 machos aptos para serem avaliados em seleção, após o descarte por essas características, restariam apenas 40”, destaca Moraes. Como não há um rebanho numeroso no Brasil, esse risco de endogamia pode provocar até mesmo o risco de extinção da raça.
Com o uso da metodologia de Estudos de Associação Ampla do Genoma (do inglês Genome-Wide Association Study – GWAS) para a genotipagem e a associação de diferenças nos DNAs dos animais dos rebanhos, a pesquisa busca detectar se essas diferenças são responsáveis por características específicas. “Se identificarmos esses traços genéticos em potenciais reprodutores, podemos descartá-los e, também, direcionar os acasalamentos de modo a evitar que outros machos nasçam com chifres ou com criptorquidismo. Podemos também distinguir se há alguma fêmea que possa transmitir essa característica e descartá-la”, complementa.
A Embrapa possui um banco de dados com a genotipagem de 184 animais da raça Morada Nova e, segundo Moraes, já existe uma grande possibilidade de, em um futuro próximo, os criadores também terem sumários da raça com informações sobre genótipos dos animais, para saber quais características genéticas um animal reprodutor dos rebanhos pode transmitir.
Resistência à verminose
A ação liderada pelo pesquisador Jomar Monteiro está em desenvolvimento e busca identificar, em caprinos, genes associados à resistência a verminoses gastrointestinais. As parasitoses são um dos maiores problemas de sanidade animal na criação de caprinos e ovinos em todo o mundo, pois as infecções causadas por nematoides, especialmente Haemonchus contortus e Trichostrongylus colubriformes, causam redução do consumo de alimentos, anemia, perda de peso, diminuição do potencial reprodutivo e até a morte.
Alguns animais, porém, apresentam variabilidade genética diante dos nematoides: isso se evidencia por apresentarem, no mesmo ambiente e submetidos ao mesmo manejo, graus de infecção diferentes. Diante desses indícios, a Embrapa iniciou, em 2012, pesquisas voltadas para avaliar animais descendentes de cruzamentos entre as raças Anglo Nubiana, uma das mais resistentes ao parasita Haemonchus contortus, e Saanen, uma das mais suscetíveis ao verme.
Inicialmente foram realizados cruzamentos entre essas duas raças, resultando em uma primeira geração de animais (F1). Em seguida, foram feitos novos cruzamentos para se chegar a uma segunda geração (F2). A partir dessa, foram selecionados animais infectados pelo parasita com características extremas: os de grande resistência e de grande suscetibilidade, para avaliar os tecidos de órgãos que estiveram em contato com o verme e fazer o sequenciamento de RNA, com intuito de identificar os genes candidatos à resistência.
“A vantagem da genômica é poder obter esses dados em um período de tempo muito curto. É possível avaliar mais de 20 mil genes em funcionamento em um período em que, se utilizássemos a técnica convencional, analisaríamos no máximo dez genes de cada vez”, destaca Monteiro. Uma vez identificados possíveis marcadores no rebanho experimental da Embrapa, novos testes serão feitos em outros rebanhos, para validação dos resultados. “Assim, avaliaremos se esses marcadores continuam associados à resistência contra a hemoncose (infecção pelo Haemonchus contortus) em uma população independente de animais. Em caso afirmativo, esses dados podem gerar subsídios para programas de melhoramento genético”, reforça o pesquisador.
Existe a expectativa de que a identificação de marcadores associados à resistência à hemoncose permita a seleção de animais resistentes e a redução dos impactos da infecção e das despesas com medicamentos anti-helmínticos. As informações geradas por essa pesquisa também poderão subsidiar futuros estudos para o desenvolvimento de terapias e identificação de novos alvos para medicamentos.
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