Sistemas integrados de ovinos e frutíferas resultam em ganhos ambientais e financeiros com projeção para comercializar a carne com marca própria e preço diferenciado
Segundo o IBGE, Casa Nova é o município brasileiro com o maior rebanho de ovinos do país, com mais animais do que gente. São 617.787 cabeças e 72.086 habitantes, deixando evidente a força e a tradição da atividade na região.
A fruticultura e a ovinocultura, as duas principais atividades agropecuárias de Casa Nova, na Bahia, são desenvolvidas de forma integrada por um dos principais produtores de manga e uva irrigadas do Vale do São Francisco, a Grand Valle. De um lado, o esterco produzido pelos animais é aproveitado na adubação dos pomares e, do outro, as sobras do processamento das frutas são destinadas à alimentação dos ovinos. Um ciclo que se fecha visando a um único objetivo: gerar a menor quantidade de resíduos possível.
A empresa, fundada em 1988, mantém 700 hectares em produção, sendo 600 hectares de manga e 100 hectares de uva. A criação de ovelhas sempre esteve presente, mas como hobby, restrita ao manejo de poucos animais, e só ganhou escala após investimentos voltados à integração com a fruticultura. A ideia surgiu após uma viagem para a Europa feita pelo proprietário Gilberto Secchi que visitou criações de ovinos na Espanha, em Portugal e na França. Além da fabricação de queijos a partir do leite das ovelhas, ele notou que os produtores também usavam o rebanho para reaproveitar subprodutos. Assim, constatou que era possível profissionalizar a atividade e fazer com que o hobby se transformasse em algo rentável sem atrapalhar sua atividade principal.
Depois disso, o que se fez foi uma integração de atividades que permitiu à empresa conquistar uma diferenciação no mercado, transformando-se numa atividade única. O que sobra da produção de suco de uva, que é a casca e a semente, é secado ao sol e adicionado à ração. Para alimentar o rebanho, a fazenda ainda mantém 5 hectares de milho irrigado, o que favorece a redução dos custos de produção. O cereal compõe 80% da ração, sendo o restante, silagem de casca de uva.
Das mangas, a fazenda em Casa Nova usa o capim roçado das entrelinhas para oferecer como volumoso aos animais, o que também ajudou a reduzir o custo com aplicação de herbicidas na lavoura. Já a poda serve de lenha para a indústria de produção de suco de uva, de onde sai a casca adicionada à ração. A fazenda ainda mantém 12 hectares de piquetes formados com tifton irrigado para os ovinos. A ovinocultura representa cerca de 1% do faturamento da empresa, uma participação pequena, mas altamente profissional.
As matrizes da raça santa inês, mais adaptadas ao semiárido e com boa habilidade materna, são cruzadas com machos dorper, raça com grande aptidão para o corte. Segundo a Embrapa, esses animais podem pesar até 120 quilos quando adultos. Periodicamente, a proporção de animais das duas raças é invertida, a fim de garantir o padrão genético do rebanho.
A inclusão da uva na alimentação do rebanho tem reflexo no sabor e na qualidade da carne. O objetivo é fazer com que, futuramente, esse diferencial se converta em maior valor agregado na venda da carne, e não apenas do animal vivo. Quando vendem o cordeiro vivo, animal de 180 dias, criado com alimentação controlada, com uma carne macia, recebe o mesmo preço e tratamento de um animal de mais três anos. Dessa forma, a carne com sabor de uva é misturada às demais sem nenhum diferencial.
O plano para os próximos anos é manter o abate terceirizado, mas criar um entreposto de beneficiamento para processar os cortes na própria fazenda. Assim, o frigorífico fica com o couro e os miúdos, enquanto a Grand Valle pode vender a carne com marca própria e preço diferenciado.
A pesquisa da Embrapa
Pesquisadores da Embrapa Meio-Norte, em Teresina, PI, têm avaliado desde 2010 a viabilidade da criação de ovinos em áreas de produção de caju. Além de aumentar o bem-estar a partir do sombreamento gerado por sua copa frondosa, as árvores também garantem alimento adicional aos animais com resultados promissores no ganho de peso. O produto de maior valor comercial no cultivo de caju é a castanha, e o ovino, uma vez presente nessas áreas, não danifica a castanha. Ele come o caju, mas a castanha, não.
Os testes foram realizados com ovelhas santa inês em uma área de 1 hectare mantida na própria Embrapa. Junto dos cajueiros, foi plantado capim massai, oferecido em sistema rotacionado aos animais. A cada três dias, o rebanho foi remanejado para um novo piquete até completar 27 dias, período necessário para recuperação da primeira pastagem consumida pelos ovinos. Durante o estudo, os pesquisadores constataram que os animais mantidos em sistema integrado com o caju apresentaram um ganho médio de peso diário 67% maior do que aqueles mantidos em sistema convencional.
No período de três meses, esse animal estará com cerca de 35 quilos de peso vivo. Ou seja, um animal novo, com uma carne tenra de baixo teor de gordura, tal como o consumidor deseja, e em um lote uniforme, que torna mais fácil para o produtor conseguir vender. A prática de integrar a criação de pequenos animais com fruticultura ainda é pouco disseminada no país, mas apresenta grande potencial. Outros estudos conduzidos dentro da Embrapa têm demonstrado, por exemplo, que os taninos presentes no caju e também na uva contribuem para o controle de verminoses. Para a pesquisadora Tania Maria Leal, responsável pelo estudo, as ferramentas estão aí, as áreas de caju já existem e são muitas, assim como os ovinos. É preciso agora discutir os detalhes desse sistema e ampliar a sua divulgação para enquadrar na realidade do produtor.
O mel de manga da Grand Valle
Além da ovinocultura, a produção de mel é outra atividade que tem ajudado a Grand Valle a aumentar a rentabilidade e a sustentabilidade de seus pomares no Vale do São Francisco. constatou-se que depois que começaram a multiplicar as colmeias, a resposta na floração foi fantástica. A estimativa é que a presença dos insetos garanta um aumento de até 50% na uniformidade da polinização das flores da manga, favorecendo a formação dos frutos.
Paralelamente, 2 toneladas de mel são produzidas a cada três meses. O produto é fruto das flores das mangueiras, mas também de plantas nativas da caatinga presentes na propriedade. Parte foi semeada pela própria empresa para preservação do bioma. A meta é plantar 1.000 mudas por ano. A empresa está registrando a sua produção para receber os selos de inspeção necessários para realizar a venda do mel em todo o país.