Modelo mistura conceitos de manejo extensivo e rotacionado para garantir que animais consumam o maior volume de pastagem possível, reduzindo custos com aumento de produção
Consolidado ao longo de quase duas décadas de aplicação, o conceito do Pastoreio Rotatínuo tem devolvido esperança através do aumento na produção e, consequentemente, na renda para produtores leiteiros gaúchos. Conceito elaborado em 2006 pelo Professor zootecnista Paulo César de Faccio Carvalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Manejo Rotatínuo tem ganho cada vez mais adeptos Brasil a fora. Diferente do que alguns pensam, o pastoreio rotatínuo não se refere a um método de pastoreio, mas sim a um conceito de manejo.
A palavra Rotatínuo origina-se da fusão dos nomes rotativo e contínuo, uma vez que pode ser aplicado em ambas as estratégias de manejo. Nem extensivo e nem rotacionado: rotatínuo. É uma nova visão no manejo da pastagem, tendo como foco a conexão pasto e animal. O modelo de pastoreio que tem garantido aumento de produtividade e renda a mais de três mil pecuaristas do sul do Brasil, difundido em parceria com o Sebrae, Sindilat (Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do RS) e outras entidades do setor, é uma mistura das duas formas de manejo mais praticadas no país e, de acordo com seu idealizador, subverte lógica adotada em sistemas de criação até aqui.
Diferente dos demais tipos de manejo, que estão sempre focados no ciclo de vida do pasto, o pasto rotatínuo parte do comportamento natural dos animais e, ao fazer isso, acaba produzindo propostas diferentes das atuais. A partir do comportamento dos animais, o pesquisador constatou que os bovinos têm preferência por consumir apenas a porção superior do pasto no período da manhã e do final da tarde. Não existe nenhuma razão no mundo selvagem para um animal que está solto e livre comer as outras partes da planta, ele jamais faz isso. Quem inventou de comer mais que isso foi o homem porque o homem interpreta que não pode perder. O homem passou de pastor a ditador, submetendo os animais a conceitos absolutamente antrópicos.
Considerações sobre os métodos de pastoreio contínuo e rotativo
Quando se olha para estratégias de manejo, tem-se a visão errônea (do campo), que associa manejo contínuo a manejo extensivo e o manejo rotativo ao intensivo. Na verdade, ambos podem levar a cenários de baixa e alta produtividade, tudo dependendo de como serão conduzidos. Essa “falsa” interpretação, que associa os manejos a extensivo e intensivo, acontece porque na maioria dos casos depara-se com sistemas contínuos muito mal manejados e sistemas rotativos com um manejo satisfatório.
Sem dúvida, a complexidade e a forma de tocar um pastejo rotativo, do ponto de vista do controle do pasto, é melhor. Afinal, nesse método de manejo consegue-se controlar o momento de entrada e saída dos animais no piquete, visto que é possível definir o melhor momento para a colheita do pasto, assim como definir o resíduo que se quer deixar na área.
O foco do manejo rotativo é entrar na área com o máximo acúmulo de folhas verdes, colhendo a forragem produzida com eficiência, rebaixando o pasto até a altura que não comprometa o rebrote. Todo esse manejo (consumo de pasto) deve acontecer em um espaço mais curto de tempo (de preferência antes de começar a termos um rebrote mais intenso), o que leva a uma maior taxa de lotação quando comparado ao manejo contínuo.
Já no manejo contínuo, a complexidade de fazê-lo bem feito é muito maior, uma vez que o controle sobre o pastejo é menor em comparação ao manejo rotativo (dado as oscilações no crescimento da planta ao longo do tempo e o maior período de ocupação dos animais na área). Essa discrepância no crescimento da planta e carga animal que acontece no contínuo, demandaria da lotação animal nas áreas, o que traria uma complexidade a mais no manejo dos animais.
Por isso, na prática, algumas propriedades acabam fazendo um manejo alternado, manejando os animais nas áreas por períodos de ocupação maiores do que no rotacionado, alternando os animais nos piquetes de acordo com a oferta de forragem.
O Manejo Rotatínuo
O que muda com o conceito rotatínuo é trazer à tona o olhar sobre o animal orientando a desfolha do pasto e os manejos aplicados. Ou seja, é um conceito de manejo fundamentado no comportamento de pastejo dos animais (“bem-estar ingestivo”) definindo os momentos de entrada e saída dos animais no piquete.
O sistema tem seus pilares baseados na teoria da minimização do tempo gasto com alimentação. Ou seja, busca-se permitir que o animal maximize a taxa de ingestão afim de que gastem o menor tempo em pastejo. No caso de aplicação deste conceito em pastoreio rotativo, o momento de entrada no piquete (altura de pré-pastejo) deve ser aquele onde os animais consumam mais forragem por unidade de tempo em pastejo.
O sistema se fundamenta na estrutura do pasto e respeito à fisiologia da planta forrageira, além considerar o comportamento animal como parâmetros para entrada e saída nos piquetes. Contribui para um acúmulo de matéria orgânica no solo, que fará com que esse pasto não seja degradado e auxilia para que os nutrientes no solo não se percam.
Como o próprio nome nos indica, combinando o pastejo rotacionado e contínuo, utiliza a divisão de piquetes como no sistema de pastejo rotacionado e permite um pastejo do animal de forma continua onde é o “animal quem manda” e que irá escolher se alimentar da parte mais nobre da pastagem, onde também se encontra o maior valor nutricional. Em resumo, a altura de entrada dos bovinos no pasto corresponde quando o dossel forrageiro atinge 95% de interceptação luminosa e a altura de saída é decidida pelo bovino, quando eles diminuem a quantidade de pastagem consumida por dia é o momento de realizar a trocar dos piquetes, favorecendo o comportamento normal do animal e também contribuindo para que se tenha uma maior eficiência de colheita e utilização da forrageira.
Antes de evoluir sobre esse conceito de manejo, precisamos entender a relação da estrutura do pasto com o consumo de forragem pelo animal tendo o bocado e tempo de pastejo como foco. Para ilustrar e facilitar o entendimento, na ilustração abaixo temos o esquema simplificado do consumo de forragem pelo animal.
Nota-se que a massa do bocado e a taxa de bocados estão diretamente relacionados ao consumo do animal ao longo do dia. Constata-se também que a estrutura do pasto exerce relação direta sobre esses dois fatores. Sendo assim, se queremos otimizar o consumo de forragem pelo animal, precisamos pensar no manejo do pastoreio orientado para os momentos ótimos dos bocados.
Uma vez que existe relação da estrutura do pasto com a formação do bocado, é preciso definir então quais seriam os momentos de melhor estrutura de pastejo sob esse novo olhar. A ideia do conceito do pastoreio rotatínuo é que o pasto precisa ter a melhor estrutura para captura da forragem pelo animal.
Para definir, então, os momentos de entrada e saída, diferente do rotativo que foca no acúmulo máximo de folhas verdes e saída com resíduos mais baixos, no rotatínuo é preciso entender quais seriam os momentos em que o bocado está potencializado.
Na próxima ilustração, pode-se observar a dinâmica do pastejo do animal. Nota-se que, a cada nova faixa de pastejo, ocorre redução tanto no tamanho, quanto na eficiência dos bocados. Isso acontece pois, na primeira faixa há uma maior proporção de folhas, facilitando a formação do bocado. À medida que o pastejo avança pelas faixas ao longo dos dias, a proporção de folhas decresce, o que torna mais desafiadora a formação dos bocados.
Sabendo desse comportamento, a proposta do manejo rotatínuo, é de que a saída dos animais da área (momento ótimo de interromper o pastejo) ocorresse quando o bocado do animal começasse a perder eficiência, o que remete, na prática, a um rebaixamento de até 40% da altura de entrada. Outra forma de se observar esse ponto é quando ainda restam 25% de área intacta (sem pastejo). Se a estrutura do pasto no pós-pastejo estiver parelha, ou homogênea, é por que houve rebaixamento excessivo (erro de manejo!).
Ao aplicar esse novo conceito de manejo, os animais irão consumir somente o “filé mignon” do pasto. Como resultante, ocorrerá a redução do período de ocupação dos animais na área e, consequentemente, o giro mais rápido entre os piquetes, o que abre a oportunidade de trabalhar com menos piquetes dentro de cada módulo de manejo. No sistema rotatínuo o tempo de descanso é menor porque o pasto nunca se cansa. Ele sempre tem resíduo, sempre tem fôlego. Em resumo, o resultado é maior consumo de pastagem pelos animais em menos piquetes, já que o intervalo entre entrada e saída dos animais também diminui. Isso significa menos trabalho manual para conduzir as vacas com um efeito enorme sobre a mão de obra.
Um ponto comum da aplicação do rotatínuo é que as áreas passam a ter baixa intensidade e alta frequência de pastejo. Dados de pesquisa, confirmados por experiências práticas, demonstram um aumento potencial de 25% na produção com a adoção do rotatínuo, o que influencia diretamente o ganho por hectare.
A roçada é um procedimento de correção da estrutura do pasto e deve ser usado quando se tenha perdido o ponto ideal de altura pré-pastejo. Por parte da planta o pastoreio rotatínuo permite crescimento contínuo do pasto, do que decorre aumento na produção de forragem na propriedade e por consequência permite aumento da capacidade de suporte.
Resultados de pesquisa também atestam aumentos na produção animal individual e por área, fruto do pastejo de partes da planta de maior qualidade, predominante folhas e por possibilitar maior consumo de forragem por hectare, benefícios esses que têm sido também observados em nível de campo, nas centenas de propriedades rurais que já adotaram o pastoreio rotatínuo.
Avaliou-se a quantidade e a qualidade da forragem ingerida e seu efeito sobre variáveis bioquímicas sanguíneas e hematológicas e chegou-se a conclusão que os animais manejados sob o conceito do pastoreio rotatínuo compõem sua dieta a partir de lâminas foliares do estrato superior da planta. O consumo de nutrientes solúveis (i.e., proteína bruta, açúcares totais e gordura bruta) é 25% maior, e o perfil sanguíneo dos animais sob o conceito do pastoreio rotatínuo está associado a um melhor estado nutricional e resposta imune ao estresse. Por outro lado, os animais no pastoreio rotativo tradicional são forçados a consumir os estratos mais inferiores das plantas, na perspectiva humana de maior aproveitamento do pasto, acabando por expressar indícios de subnutrição e estresse.
Para o sucesso do sistema de manejo ser atingido é primordial se ter atenção nas alturas pré e pós-pastejo que proporcionam este potencial. É importante se estimar o tempo em que os animais passam se alimentando efetivamente. Não confundir com tempo total de acesso ao pasto, que inclui os períodos que o animal está fazendo outras atividades como ruminando, interagindo socialmente ou em ócio.
Na prática
Produtores relatam que com a adoção do pastoreio rotatínuo a renda praticamente dobrou com o aumento de produtividade. Nos primeiros meses já conseguem constatar um salto de produção. Além disso, com mais tempo livre, as famílias têm a possibilidade de investir na produção de derivados como queijos, iogurtes e doces – o que também contribuiu para o aumento da renda. Algumas já têm até o Selo Arte do Ministério da Agricultura e planejam expandir o laticínio nos próximos anos, conseguindo, assim, processar toda a produção.
O tempo normalmente é uma coisa subestimada dentro do sistema, mas é importante ressaltar que dá para ter uma vida digna na pequena propriedade sem trabalho excessivo, pois o pasto rotatínuo ataca três dos quatro problemas mais mencionados pelos produtores que decidem abandonar a pecuária de leite: custo, preço do leite e mão de obra – o quarto problema mais citado é a sucessão familiar. Quando se diminui o custo – e essa ordem de grandeza é de cerca de 30% mais ou menos – e se aumenta a produção, o produtor passa a esquecer o grande problema dele, que é o preço do leite.
Segundo o pesquisador, 60% dos produtores desistiram da atividade nos últimos oito anos por conta dos desafios enfrentados no setor. Trata-se do fenômeno socioeconômico mais dramático do agro. Nesse sentido, ele destaca o pastoreio rotatínuo como uma ferramenta estratégica pra garantir a permanência no campo, já que a sua adoção não tem custo. É uma tecnologia de processos, e não de insumos, e com uma cascata de consequências positivas rapidamente percebidas pelo produtor.
Não à toa, a sua disseminação se tornou ponto central do programa Produção Integrada em Sistemas Agropecuários (PISA) oferecido pelo Sebrae-RS. O esforço, contudo, não tem sido suficiente para estancar a “sangria” dos pequenos produtores. Paulo Carvalho conta que a demanda é alta e há fila de espera para receber treinamento para adoção da tecnologia. Já se tem tratativas para iniciar a capacitação e adoção do sistema em Mato Grosso e Goiás. Minas Gerais já iniciou no ano passado. Cada vez mais o sistema tem passado por uma maturação de conhecimentos de resultados.