ONGs e ambientalistas expressam preocupações sobre a falta de regulamentações e o sofrimento animal, além dos impactos ambientais da sobrepesca
A sobrepesca da tainha, uma prática que preocupa cada vez mais os ambientalistas, tem chamado a atenção este ano devido à captura excessiva durante o período de reprodução da espécie. Dados do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) indicam que, em 2024, mais de 3 mil toneladas de tainha foram capturadas, equivalente a cerca de 5,3 milhões de indivíduos.
A ONG internacional Mercy For Animals (MFA) e diversos ambientalistas apresentaram denúncias ao Ministério Público e ao Ibama, apontando possíveis irregularidades no cumprimento das legislações ambientais e de proteção animal. A MFA critica a ausência de medidas de proteção efetivas e estudos sobre a conservação da espécie, além de condenar os métodos de abate que causam sofrimento extremo aos animais. Ainda segundo os ambientalistas, os limites estabelecidos pela Portaria Interministerial MPA/MMA N° 9, DE 1º DE MARÇO DE 2024 para a modalidade de emalhe anilhado foram ultrapassados em 25,39%, situação que se repetiu em 2021 e 2023. A investigação foi baseada em imagens capturadas e em uma avaliação dos dados documentados pelo Ministério da Pesca durante essa temporada. A ONG documentou a cota de pesca também havia sido ultrapassada em anos anteriores. Os ambientalistas afirmam que isso vem acontecendo historicamente. E um dos pontos preocupantes reportados é a falta de estudos conclusivos sobre como essas cotas são estabelecidas.
Este ano, o MPA autorizou um aumento de 20% na cota de pesca artesanal em relação a 2023 e revogou a proibição anterior da pesca industrial. Segundo o MPA, as cotas são estabelecidas a partir de uma avaliação dos estoques marinhos que aponta os parâmetros sobre a quantidade máxima que pode ser capturada da espécie. Em caso de sobrepesca em um ano, no ano seguinte há um desconto da cota que estará disponível.
A pesca da tainha ocorre durante sua migração reprodutiva, um período crítico quando grandes cardumes se deslocam da Argentina, Uruguai e sul do Rio Grande do Sul em direção à Lagoa dos Patos, no norte do estado. Esse momento de vulnerabilidade aumenta o risco de sobrepesca. Segundo os ambientalistas, além de causar sofrimento extremo aos animais, a pesca da tainha representa um risco significativo para o ecossistema marinho, especialmente durante a migração reprodutiva. Por isso, é crucial que sejam implementadas regulamentações adequadas para proteger tanto os animais quanto o meio ambiente, e que as pessoas sejam informadas para que possam tomar decisões alimentares conscientes.
Segundo a ONG Sea Shepherd Brasil, a tainha sofreu muito com cálculos populacionais baseados no tamanho da carga, ou seja, no esforço de pesca. Quando são encontrados os cardumes na pesca com abundância de peixes, a impressão que se tem é que a população está crescendo ano a ano, mas isso não é verdade. O que acontece é que diante da ameaça, para se protegerem, os peixes se unem em cardumes que ficam muito volumosos, o que dá ao pescador a impressão fartura.
Outro problema é a forma como o monitoramento das cotas é realizado. Quem faz a pesca da tainha anilhada e industrial é que registra no sistema do MPA de forma autônoma sem nenhum órgão regulamentador acompanhando, o que é uma maneira inadequada pois se a fiscalização encontra algo errado a reação pode ser muito tardia. Trata-se de um sistema falho.
A pesca artesanal por meio do arrasto de praia não está sendo monitorada e pode ser feita até o fim do ano. Levantamento da MFA aponta que milhares de peixes foram arrastados por redes para fora do mar e deixados para morrer na areia. Os ambientalistas também denunciam que, durante a atual temporada de pesca, especialmente no litoral de Santa Catarina, muitos peixes foram mortos por asfixia, um método inaceitável do ponto de vista científico e ético. Em um dos arrastos, milhares de tainhas foram deixadas na areia, com mais de 17 mil mortes registradas. A investigação da MFA documentou que vários dos peixes abatidos estavam com ovas, havendo relatos e também vários outros indícios que mostram que essas ovas são vendidas e muitas vezes exportadas por alto valor. Um estudo realizado pela organização não governamental Oceana, intitulado “Gestão da Pesca da Tainha entre 2018 e 2022”, aponta que as ovas seriam um fomentador relevante dessa indústria e que existem discrepâncias nos valores do sistema de monitoramento em comparação com os valores de venda das ovas, reforçando a necessidade de melhor controle e estudos mais conclusivos.
Para os técnicos do Ministério da Pesca, a gestão da pesca da tainha é complexa porque é uma atividade muito antiga em Santa Catarina. A cada ano melhora-se o sistema de monitoramento e as regras de ordenamento para que a pesca seja autorizada em quantidade suficiente tanto para que as tainhas continuem se reproduzindo quanto para a manutenção da atividade pesqueira.
Na avaliação da Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR), é necessária a realização de um estudo definitivo sobre a cota de captura, lembrando que a tainha é um peixe que passa pelo Brasil numa determinada época do ano e se não for pescada pelo Brasil, outros países pescarão. Lembra ainda que, todo ano há discussão em torno da pesca da espécie. Sabe-se que o mar é dinâmico e que a produção não é regular e somando-se a isso, o planeta e o Brasil vivem as mudanças climáticas tendo que se adaptar, conciliando essas questões com a realidade brasileira visto que há um número significativo de pescadores artesanais e de empresas que vivem dessa pesca.
A situação dos oceanos é alarmante, com a ONU estimando que 30% das principais espécies de peixes comerciais estão sob exploração extrema. No Atlântico, 41% dos frutos do mar são pescados além da capacidade de reposição da natureza, e no Sudeste do Pacífico, esse número é ainda mais elevado, alcançando 61,5%. A pesca também tem que ser uma atividade desenvolvida numa abordagem sustentável e integrada para o desenvolvimento dos oceanos e das zonas costeiras, com o objetivo de promover a conservação dos recursos marinhos, ao mesmo tempo que se maximiza o crescimento econômico e o bem-estar social.