Uma unidade produtiva deve entrar em atividade até novembro na cidade de São Paulo
Uma pesquisa da Embrapa Hortaliças (DF), em parceria com a empresa 100% Livre, do ramo de comércio varejista de hortifrutis, pretende elaborar sistemas de produção para diferentes espécies de hortaliças cultivadas em um ambiente controlado e fechado, isto é, em sistemas de agricultura indoor do tipo fazenda vertical e plant factory. Uma unidade produtiva deve entrar em atividade até novembro na cidade de São Paulo.
Esse modelo de plantio de espécies vegetais em um local fechado pressupõe cultivos sem solo ou substratos, iluminação artificial com painéis de LED e controle de diversas variáveis meteorológicas no interior da estrutura de ambiente: temperatura e umidade relativa do ar, radiação líquida e global, concentração de CO2 (gás carbônico), entre outras.
Os experimentos, iniciados em abril deste ano, estão sendo realizados no Laboratório de Agricultura em Ambiente Controlado da Embrapa Hortaliças, uma estrutura de 90 m² composta por dois contêineres acoplados e modificados, com paredes feitas com placas de termopainel para isolamento térmico e totalmente equipada com sensores para monitoramento das condições ambientais.
Mundialmente, esse modelo de agricultura indoor é conhecido como controlled environment agriculture ou pela sigla CEA.
O objetivo principal da pesquisa é definir sistemas de produção para hortaliças folhosas, como alface e rúcula; hortaliças de fruto, como tomate, morango e pimentão; hortaliças condimentares, como manjericão, coentro e salsa; e em uma segunda etapa, sistema para cultivo de brotos ou microgreens. Do ponto de vista do mercado, a escolha das espécies cultivadas é uma etapa importante da pesquisa científica, pois hortaliças com alto valor agregado e ciclo de produção mais curto, com várias safras ao ano, garantem a viabilidade econômica do empreendimento.
Conceitos da agricultura indoor
• Agricultura em ambiente controlado (controlled environment agriculture): forma de cultivo em ambiente fechado em que se otimiza artificialmente todos os fatores ambientais que afetam o crescimento e a produção vegetal (nutrientes, água, temperatura, umidade relativa, iluminação, composição do ar). Também conhecida como agricultura indoor.
• Agricultura de teto (rooftop farming): cultivo, geralmente sem solo, realizado sobre o teto de edifícios como arranha-céus e shoppings, aproveitando a iluminação natural. O plantio pode ser a céu aberto ou protegido.
• Agricultura vertical (vertical farming): cultivo de plantas em camadas verticais com iluminação artificial em cada camada. Normalmente são usadas lâmpadas de menor potência. A agricultura vertical pode ser realizada em edifícios com um só andar, como armazéns, ou em vários andares. O edifício é chamado de fazenda vertical (vertical farm).
• Fábrica de plantas (plant factory): ambiente de agricultura em ambiente controlado em que o cultivo é feito em uma só camada com iluminação artificial no teto. Utiliza-se normalmente lâmpadas de maior potência
• Hidroponia (hydroponics): cultivo de plantas sem solo, em que os nutrientes minerais essenciais às plantas estão dissolvidos na água, denominada solução nutritiva.
• Aeroponia (aeroponics): sistema de cultivo sem solo, em que a solução nutritiva é fornecida às raízes na forma de spray ou névoa, formada pela passagem da solução em microaspersores do tipo fogger ou nebulizadores. Enquanto a planta fica segura em um suporte, o sistema radicular permanece em uma câmara fechada e escura.
Economia de insumos e produção otimizada
Os experimentos também estão avaliando qual é o melhor sistema de cultivo sem solo, a partir de duas possibilidades de manejo da nutrição e da irrigação (fertirrigação) das hortaliças: hidroponia e aeroponia. Ambas as técnicas utilizam a mesma solução nutritiva, com nutrientes minerais solúveis em água, mas há diferença na forma de aplicação. Na hidroponia, a solução nutritiva percorre o fundo das calhas, enquanto na aeroponia a solução nutritiva é injetada sob pressão com equipamentos tipo nebulizador que jogam a névoa da solução diretamente nas raízes das plantas.
A hidroponia já é uma técnica conhecida pela economia de água e nutrientes que, em relação ao cultivo em solo e campo aberto, pode reduzir em até 90% o uso de água e até 70% o de adubos. No caso da aeroponia, quando comparada à hidroponia, a economia de água e nutrientes pode alcançar até 30%, dependendo do cultivo.
A economia de insumos nos modelos de agricultura indoor é uma importante vantagem, especialmente para os grandes centros urbanos localizados em regiões semiáridas e que enfrentam problemas de secas e escassez de água. Fazendas verticais e outros exemplos de agricultura em ambiente controlado podem possibilitar a produção de hortaliças de qualidade em locais que não tenham terra ou clima favorável ou água disponível.
Água, nutrientes, luz e… ação!
Para o sucesso da produção de hortaliças em ambiente controlado, é preciso monitorar as plantas a todo momento para que elas recebam a água e os nutrientes necessários para seu pleno desenvolvimento. Por exemplo, a checagem dos nutrientes da solução é feita a cada dois dias, assim como a análise da qualidade da água e do fluxo de injeção e drenagem da solução nutritiva.
Nos primeiros meses de pesquisa, os agrônomos observaram que as plantas apresentam um desenvolvimento mais acelerado e precoce dentro do contêiner, em um ambiente interno totalmente controlado. Estudos iniciais com hortaliças folhosas, por exemplo, resultaram na diminuição do ciclo de produção. Variedades de alface atingiram o ponto de colheita com 25 dias após o transplante das mudas, um período dez dias inferior ao do cultivo protegido em estufas.
Além da água, dos nutrientes e da luz, entre os ingredientes essenciais para o desenvolvimento das hortaliças está o gás carbônico (CO2), uma substância primordial para a realização da fotossíntese pelas plantas. Por isso, a modelagem de um sistema de produção para hortaliças em ambiente controlado deve considerar o fornecimento e a concentração de CO2 na atmosfera interna e os pesquisadores estudam qual é a melhor maneira de aportar o gás carbônico para as plantas se desenvolverem bem.
Alta qualidade e zero resíduo
Os sistemas de produção que estão sendo desenvolvidos pelos pesquisadores da Embrapa, em parceria com a equipe técnica da empresa 100% Livre, prevêm um modelo de comercialização B2C (business to consumer), ou seja, as hortaliças serão vendidas diretamente ao cliente final prontas para o consumo, sem qualquer necessidade de sanitização. Por isso, fatores relacionados à segurança e à qualidade do alimento são muito importantes.
A cada três dias, por exemplo, é feita uma inspeção aleatória das folhas para detecção de pragas e, para evitar a ocorrência de doenças, a equipe coleta mensalmente amostras de plantas da área cultivada e, no caso de algum sintoma, elas são isoladas e encaminhadas para o laboratório para um diagnóstico preciso.
Esse monitoramento periódico é fundamental porque os sistemas de produção propostos para o modelo de agricultura indoor, que está fisicamente isolado do mundo exterior, dispensam qualquer aplicação de agrotóxicos, o que garante hortaliças livres de resíduos e seguras para o consumo.
Ademais, a equipe pretende definir um protocolo de acesso e de fluxo das rotinas de trabalho para evitar a contaminação por quaisquer agentes externos ao contêiner. O desenho da planta da fazenda vertical baseia-se em normas internacionais de qualidade, como a ISO 22000, que estabelece padrões para produção de alimentos seguros.
Cidades sustentáveis: faça chuva ou faça sol!
A produção de hortaliças em campo aberto, de uma forma geral, depende muito de condições climáticas ideais para ser bem-sucedida. No Brasil, a predominância do clima tropical é um fator impeditivo para o cultivo de várias espécies de hortaliças originárias de regiões de clima mais ameno e temperado, muito embora o esforço das pesquisas na área de melhoramento genético para obter cultivares mais adaptadas às condições brasileiras minimize esse problema.
Com as projeções futuras de mudanças do clima, como aumento da temperatura média ou maior intensidade e frequência de chuvas em algumas regiões do País, é consenso que polos tradicionais de produção de hortaliças – incluindo cinturões verdes – possam, no intervalo das próximas décadas, encontrar dificuldades para manter seus níveis de produtividade, sendo obrigados a migrar para áreas com condições ambientais mais favoráveis.
Na agricultura indoor, há uma total independência da produção em relação às condições de temperatura, umidade do ar ou precipitação. “Ao longo do tempo, a adoção de tecnologias vem mudando o perfil da agricultura brasileira e, diante do risco de desabastecimento dos centros urbanos pela distância entre polos de produção e locais de consumo, ganham força os modelos de cultivo em ambiente controlado, ainda mais para hortaliças, que são alimentos frágeis e muito perecíveis”, indica Guedes. Ele ainda enfatiza que a agricultura indoor é apenas mais uma forma de se cultivar hortaliças, um nicho de mercado que não pretende substituir a agricultura convencional e orgânica ou o cultivo protegido em estufas e casas de vegetação.
Com a proposta de economizar insumos, aproveitar espaços urbanos subutilizados e anular os gastos com logística (e combustíveis fósseis) para escoar a produção do local de plantio até o centro consumidor, a agricultura indoor em metrópoles também ganha pontos porque facilita o acesso ao alimento fresco e de qualidade.
As hortaliças produzidas em uma fazenda vertical podem ser consumidas poucas horas ou mesmo minutos após colhidas. Quando o próprio local de produção se torna o local de comercialização e, até mesmo, de consumo, liquidam-se a alta incidência de folhas e frutos danificados e as perdas pós-colheita que, para algumas hortaliças, podem alcançar até 50% do volume colhido.
Em países de clima tropical, as experiências com produção de hortaliças em ambiente controlado são bastante escassas, por isso, a necessidade de a pesquisa científica desenvolver e aprimorar sistemas de produção de alimentos a partir de nossas especificidades, principalmente ao que se refere a adaptações para redução dos custos de produção que possibilitem a ampliação do acesso de hortaliças de qualidade para parcelas cada vez mais expressivas da população.
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