A planta era vista como uma praga na região e a população cortava as mudas e ateava fogo na área invadida para destrui-la
A erva-baleeira (Varronia curassavica), nativa do Brasil e considerada invasora em áreas agrícolas, agora gera renda para agricultores familiares comunidade de Miramar, Eunápolis, Bahia. A Associação Miramar é uma comunidade com 1.212 hectares divididos em 84 lotes onde moram diversas famílias de agricultores. Na comunidade, agricultores familiares de fazendas de cacau, café e pimenta-do-reino lutavam há anos contra a invasão da erva-baleeira. A planta, nativa da Mata Atlântica, se espalha com muita facilidade, e ocupa as áreas destinadas a pastagens e cultivo.
A alta concentração da maria-preta, nome que recebe na região, chamou atenção de pesquisadores e empresas. Isso porque a planta tem valor medicinal: o óleo essencial extraído das suas folhas pode ser usado como um anti-inflamatório e analgésico natural, com grande potencial de venda na indústria farmacêutica como pomada contra dores musculares. A venda de um quilo do óleo essencial gera aproximadamente R$ 2 mil, podendo chegar a até R$ 3 mil.
A UFSB já atua na comunidade Miramar desde 2014, com o intuito de fortalecer e incentivar a agricultura familiar e disseminar as melhores técnicas de agroecologia. A Veracel, que opera na região, entrou na iniciativa em 2019, parte de sua estratégia de responsabilidade social e apoio à inclusão produtiva que já impacta 60 comunidades agrícolas em 11 cidades. Assim surgiu, o programa Desenvolvimento Socioambiental para a Agricultura Familiar (DSAF), que faz parte da do NEA Pau-Brasil, da UFSB.
A parceria busca capacitar os agricultores familiares para que possam obter uma renda extra a partir da extração do óleo essencial da baleeira. O processo, no entanto, esbarra por mudar a mentalidade dos produtores, e tornar a planta, antes vista como uma ameaça, em uma oportunidade de negócios. O projeto começou com a identificação da ocorrência da espécie na região, o que trouxe resultados animadores desde o início. Os pesquisadores da UFSB identificaram a ocorrência da espécie na região. A quantidade de mudas da maria-preta surpreendeu os pesquisadores envolvidos no projeto. Para os olhos do botânico, foi uma maravilha. Começaram a explorar a região para verificar a quantidade, e foi uma visão impressionante. Fizeram fotos com drones e conversaram com os moradores e agricultores para entender se conheciam a planta. Nenhum agricultor conhecia o óleo da erva baleeira ou sabia para que ele servia. Eles usavam a planta como chá.
Em geral, esses agricultores escolhem seus cultivos pelo valor de mercado, se esquecendo da grande biodiversidade que existe em suas áreas. E foi o caso em Miramar. Por ser uma vegetação nativa à região, era necessário entender a qualidade do óleo. Entre 2019 e 2022, na fase embrionária, os pesquisadores trocaram informações com outros colegas para avaliar a viabilidade da planta enquanto óleo essencial, fizeram análises da composição química do óleo junto a Universidade Federal do Paraná, depois, estudos dos aspectos agronômicos da planta.
Para que o óleo possa ser utilizado pela indústria farmacêutica, é necessário que contenha ao menos 2% de compostos fitoterápicos: alfa-humuleno e trans-cariofileno, compostos anti-inflamatórios e relaxantes. Os resultados dos testes mostraram uma concentração superior a 2%, indicador do potencial de venda do óleo. Após isso, levaram todas as informações para os agricultores. Fizeram cortes para entender quanto tempo demora até o novo brotamento e buscaram o melhor formato para extrair a folha, de modo que o trabalho não fosse tão duro, considerando o calor e o conforto dos agricultores. Esses participaram diretamente dando sugestões e testando com os pesquisadores.
Os alunos e pesquisadores envolvidos no projeto DSAF passaram a acompanhar e orientar os agricultores e suas famílias sobre os usos e o potencial econômico da maria-preta, os processos produtivos, os métodos de colheita, armazenagem e extração do óleo, auxiliando-os a potencializar sua renda com a terra. Por conta da dificuldade de acesso à energia e água, a extração do óleo não pode ser realizada na comunidade de Miramar. Por isso, a Veracel adquiriu os equipamentos necessários para a extração, que é realizada na sede do Instituto Fotossíntese, organização de iniciativas ambientais parceira do projeto.
O projeto-piloto do negócio começou a ser feito com dez famílias da comunidade. Ao longo dos meses, a participação das famílias foi caindo, até que após os três meses de treinamento, apenas três famílias estavam dispostas a continuar do projeto. Para os pesquisadores, um dos motivos foi a dificuldade de mudar a visão dos agricultores, já que para eles imaginar um potencial de uso na maria-preta era uma tarefa difícil. Uma das ações tomadas para engajar novamente as famílias de agricultores foi a compra garantida: todo o óleo extraído seria adquirido pelo Instituto Fotossíntese, que revende para a indústria sem ganho financeiro. O plano deu certo. Atualmente, 12 famílias de agricultores participam da ação.
De acordo com capacidade dos equipamentos, cada família pode colher até 250 quilogramas de folhas, o que gera por volta de 2,5 quilos de óleo essencial. O lucro médio é de R$ 5 mil, valor que ajuda a pagar o aluguel das fazendas em que produzem suas culturas. A expectativa do projeto é conseguir mais clientes para a revenda do óleo. Outra proposta, sendo alinhada entre a UFSB e o governo da Bahia, é a comercialização do óleo essencial para o Sistema Único de Saúde, considerando o uso de plantas medicinais e fitoterápicas no tratamento de pacientes.
O próximo passo para os agricultores familiares é entender novas oportunidades de negócio entre suas fazendas e cultivos. As novas oportunidades desbloqueiam o potencial econômico de soluções baseadas na natureza para a agricultura de base, sendo uma virada de chave na vida dos agricultores. A produção do óleo essencial feita em Miramar leva em conta os aspectos sociais, por ser uma produção feita totalmente por agricultores familiares, e aspectos ambientais, por se tratar do uso e da preservação da biodiversidade brasileira, o que adiciona ainda mais valor a esse produto. O próximo passo é obter certificação para venda à indústria farmacêutica, visando maior rentabilidade para a comunidade.
A erva baleeira hoje é a base do primeiro fitoterápico produzido integralmente no Brasil. O negócio tem potencial de expansão, apesar da demanda ainda ser limitada. Agora, a erva pode se tornar uma fonte de renda para as famílias.