Traumatizados com o bicudo-do-algodão, que devastou plantações há mais de duas décadas, muitos produtores abandonaram a cultura
Hoje, eles se preparam para colher uma área plantada de aproximadamente dois mil hectares de algodão a partir de julho, o equivalente ao dobro da safra anterior. O resultado é da segunda safra do Programa de Implantação da Cultura do Algodão no Ceará, que trouxe frutos que vão além dos capulhos (cápsula que envolve o algodão) de algodão.
Hoje, com novas cultivares desenvolvidas pela pesquisa, manejo moderno, apoio de assistência técnica rural e incentivo de grandes empresas têxteis, o estado estabeleceu bases para a ampliação sustentável da produção da pluma nos próximos anos.
Garantia de compra
Outro ponto que favorece esse avanço é o fato de o estado abrigar um forte polo têxtil, o que reduz os custos de transporte. Segundo o Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral no Estado (Sinditêxtil), o Ceará é o terceiro maior polo nacional, com um dos mais modernos parques tecnológicos do País, mão de obra com aptidões naturais, localização estratégica para as exportações e infraestrutura aeroportuária, que contribuem para o aumento de competitividade da cadeia têxtil cearense.
Nesta safra, já estão cadastrados mais de 1.800 hectares com garantia de compra do algodão e parte dessa área será de colheita mecanizada. Atualmente, a produção de algodão no Ceará se concentra em três polos principais: Cariri, Sertão Central e Chapada do Apodi.
Um terço do custo do Cerrado
O pesquisador da Embrapa Fábio Aquino de Albuquerque, que trabalha no Campo Experimental em Barbalha (CE), observa melhor desempenho do algodão na seca comparado a outras culturas. “Desde 2019, nós começamos a produzir em uma nova base tecnológica adaptada à região. Ainda temos ajustes técnicos a fazer no sistema, mas isso é algo que ocorre em todo o País”, observa. “Com a tecnologia que dispomos hoje, o Ceará tem todas as condições de ter um algodão de alta produtividade e qualidade, com um custo de produção equivalente entre 30% e 50% quando comparado ao algodão hoje produzido no cerrado. Nestas duas safras, nós observamos que com pouca chuva, o algodão se sobressai às demais culturas”, complementa.
O chefe-geral da Embrapa Algodão, Liv Soares Severino, avalia que o algodão produzido no Ceará é capaz de se destacar pela qualidade. “A indústria têxtil local percebeu a alta qualidade do produto e isso aumentou muito o interesse pelo algodão cearense. Isso foi obtido pelo uso de variedades modernas, como a BRS 433FL B2RF, da Embrapa, que foi selecionada por essas características. E o clima da região é favorável à cultura, pois o algodoeiro se desenvolve melhor em ambiente de alta luminosidade como o sertão cearense”, conta.
O renascimento de uma indústria após o bicudo
O primeiro desafio? Fazer com que os produtores voltassem a acreditar que o algodão é uma cultura rentável. O bicudo ainda é um tabu muito forte na região. Muitos questionam: ‘Mas e o bicudo deixou de ser praga?’ A resposta é não.
O bicudo ainda é uma praga importante do algodão, mas o conhecimento acumulado e a tecnologia usada hoje permite produzir algodão de qualidade mesmo com a presença do inseto. Para isso, é preciso que o conhecimento técnico-científico chegue ao produtor.
Sementes
Outro gargalo para a expansão da área era a oferta de sementes de algodão certificadas. Para suprir essa demanda, a Embrapa Algodão(https://www.embrapa.br/algodao) firmou parceria com a empresa Semilla Sementes, que está multiplicando sementes das cultivares transgênicas BRS 368 RF e BRS 433FL B2RF para a próxima safra. Serão produzidas cerca de 11 toneladas de sementes da BRS 368RF – o que será suficiente para cultivar cerca de 860 hectares – e 71,68 toneladas de sementes da BRS 433FL B2RF, o suficiente para plantar cerca de 5.500 hectares.
Também estão sendo instalados campos de multiplicação de sementes da cultivar convencional BRS 286 (não transgênica), por meio de parceria firmada pela Embrapa com a produtora Francieli Silva. A expectativa é ter sementes para plantar 540 hectares na próxima safra.
O chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Algodão, João Henrique Zonta, salienta que o uso de sementes que não sejam certificadas é um risco para o produtor e a Agência de Defesa Agropecuária do Ceará, com o Ministério da Agricultura, estão fiscalizando o comércio desse tipo de semente para evitar que a baixa qualidade da semente comprometa o crescimento da produção de algodão no estado. “O objetivo da Embrapa e seus parceiros licenciados é oferecer sementes com tecnologia para atender a todos os produtores da região, desde aqueles que fazem o cultivo orgânico, convencional, em pequenas propriedades familiares, até os mais tecnificados, com materiais transgênicos de alta tecnologia, com resistência a lagartas e herbicidas, e alta qualidade de fibras, inclusive com materiais indicados para o plantio de áreas de refúgio”, afirma.