Governo prepara regulamento técnico para conquista de novos mercados pois o cabacinha é uma riqueza que não se consegue mensurar
Certamente você já ouviu falar no queijo cáccio cavalo, uma iguaria de origem italiana que era um dos principais alimentos vendidos ao povo nômade. Seu nome vem do resultado do processo de secagem dos queijos, amarrados aos pares por um barbante e pendurados em uma vara de madeira “a cavallo” para secarem. Já em terras brasileiras, mais precisamente no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, o queijo recebeu o nome de cabacinha. O motivo é o formato que ele adquire após a secagem, que lembra uma cabaça. A cabaça é o fruto de uma planta trepadeira pertencente à família das Cucurbitáceas, cientificamente conhecida como Lagenaria siceraria que, desidratada e aberta, apresenta a forma de uma espécie de cuia e já foi muito utilizado como utensílio doméstico no Vale do Jequitinhonha e em várias regiões do país, daí no nome do queijo cabacinha.
O queijo cabacinha possui um sabor que lembra os queijos muçarela e provolone, o que o difere é a utilização do leite e o seu processo de fabricação. Ele é produzido com leite cru, massa cozida, filada, salgada em salmoura e, quando atinge o ponto de muçarela, é dividido em porções, enrolado em formato de cabaça, amarrado em uma das pontas com barbante e posto para secagem até esfriar.
No Vale do Jequitinhonha, na propriedade rural Fazenda Bonança em Pedra Azul, o casal José Valério de Souza Filho e Paloma Souza produz o queijo Bonança, um queijo tipo cabacinha, iguaria tão tradicional na região que já ganhou o título de Patrimônio Cultural e Imaterial de Minas Gerais. Começaram em 1994, quando Souza ainda era bancário. Mas a produção só passou a ser a atividade econômica principal em 2018, quando ele se aposentou. Bonança remete à ideia de calmaria, tranquilidade. A palavra também é utilizada como sinônimo de prosperidade e abundância. Mas para o casal, ela significa sabor. No Vale, cerca de 300 famílias vivem dessa produção, legado passado de geração em geração, conforme estimativa da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG).
Na Fazenda Bonança, o dia começa bem cedo, com a ordenha feita no sistema bezerro ao pé, pensando no bem-estar animal. Assim que o leite é coletado, já vai para a queijaria. No tanque, ele é aquecido e recebe o coalho e um pouco do soro coletado da produção anterior, para começar a se formar a massa. Depois da massa pronta, é que se inicia a parte mágica e também mais difícil da produção do cabacinha: torná-la maleável para ser moldada à mão, no formato de uma cabaça, a identidade ao queijo cabacinha. Cada produtor tem seu jeito próprio de fazer o cabacinha, o formato do queijo é como se fosse uma assinatura, a identidade de cada iguaria, pois não existe um molde, o molde vem das mãos.
História e reconhecimento
O queijo cabacinha, como uma tradição no Vale, sempre esteve presente na vida do casal. Desde criança, a mãe e minha tia de Paloma, levavam pra família comer, no sábado. É tradição comer o cabacinha, em Pedra Azul. Conta-se que o cabacinha era feito das rebarbas do queijo parmesão. Naquela época, não se tinha muito como armazenar, refrigerar e o cabacinha tinha uma facilidade maior para ser maturado, porque pode ser pendurado pelo “pescoço”, e isso ficou incutido na mente e na cultura do povo.
Além da versão tradicional, ganha sabores elaborados com a criatividade dos produtores do Vale. Na Fazenda Bonança, por exemplo, eles fazem queijo condimentado com alho e recheado com goiabada. Ele é comumente consumido fresco, mas pode ser maturado, adquirindo com sabor mais marcante.
A trajetória do queijo cabacinha vem de longe, já são mais de oito décadas que seu modo de fazer é passado de geração em geração no Vale do Jequitinhonha. Recentemente, o Governo de Minas deu mais um passo no processo de reconhecimento e valorização dessa cultura, concluindo o estudo de caracterização da iguaria. Trabalho que envolveu técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) e pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), empresas públicas vinculadas à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, juntamente com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG).
O estudo servirá de base agora para a regulamentação junto ao Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), que deve nos próximos meses lançar o regulamento técnico de identidade e qualidade do cabacinha, o passo que falta para retirar essa produção da informalidade e permitir que a iguaria seja comercializada Brasil afora. Dos que produzem constantemente, deve-se ter uns 300 produtores em nove municípios. Com a regulamentação esses produtores vão poder comercializar com mais tranquilidade. Para economia, para a parte cultural, para o turismo, esse é um passo importantíssimo. Alguns produtores já estão abrindo as propriedades para serem visitadas. O cabacinha é uma riqueza que não se consegue mensurar.
Para acompanhar e fortalecer todo esse movimento no Vale, foi criada, com apoio da Emater-MG, a Associação dos Produtores de Queijo Artesanal Cabacinha do Jequitinhonha (Aprocaje), da qual José Valério é o presidente. Atualmente a associação agrega pouco mais de 30 produtores, mas o objetivo é reunir muitos outros, de todos os portes, para terem a oportunidade de crescer e assim desenvolver todo o Vale.