O processo de inscrição do bem foi conduzido pelo Iphan e instituições mineiras parceiras e a votação deve acontecer no final do ano
Em dezembro deste ano, o modo de fazer do Queijo Minas Artesanal (QMA), importante iguaria mineira, pode se tornar o primeiro Patrimônio Imaterial da Humanidade na área da gastronomia do Brasil. O país já conta com os títulos na área cultural como o samba de roda no Recôncavo Baiano, a Arte Kusiwa; o frevo do Recife (PE); o Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA) e a roda de capoeira e o complexo Cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão. Na gastronomia, a expectativa é que o QMA honre o país.
A candidatura do Modo de Fazer do Queijo Minas Artesanal como Patrimônio Imaterial da Humanidade foi protocolada na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em março de 2023. Quem explica é a gerente de Patrimônio Cultural Imaterial do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG), Nicole Faria Batista: “para o bem concorrer como um bem imaterial internacional, é preciso ser um bem registrado em nível nacional, no caso pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Assim, é o Iphan que faz todo o protocolo formal da candidatura. Porém, como o bem imaterial em questão é de Minas Gerais e também é registrado como patrimônio no Iepha, a candidatura está sendo feita em parceria”.
A partir da entrega do formulário de inscrição e caracterização do bem cultural, o corpo técnico do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural da Unesco procede com uma análise que leva em conta a adequação da proposta, a vigência do bem cultural, sua salvaguarda pelos órgãos do país de origem, a participação dos detentores no processo, além da relevância do bem cultural como saberes e ofícios que compreendem o rol do patrimônio imaterial da humanidade.
O processo de candidatura compreende um ciclo de dois anos. No primeiro ano, complementações de informações podem ser solicitadas pelo comitê e, no segundo ano, a análise continua sendo feita, culminando com a votação em uma sessão que reunirá todos os delegados de países que compõem o órgão. No caso, a votação dos Modos de Fazer o QMA como Patrimônio da Humanidade irá ocorrer em dezembro deste ano.
Durante o ciclo da candidatura, diversas ações de promoção podem ser realizadas visando sensibilizar os delegados dos países votantes e a sociedade do país de origem acerca do andamento dos processos. E é o que as instituições vêm fazendo. As ações têm apoio do governo de Minas, via Secretaria da Cultura (Secult), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), da Secretaria de Agricultura e Pecuária (Seapa) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater/MG) e, na esfera federal, do Iphan.
Produção mineira de queijo se destaca no país
Atualmente, Minas possui dez regiões caracterizadas como produtoras de Queijo Minas Artesanal: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra do Salitre, Serras da Ibitipoca, Serro e Triângulo Mineiro. A caracterização e o reconhecimento das regiões são respaldados por estudos que avaliam o processo de fabricação e as características peculiares do local de origem, como a história, a economia, a cultura, relevo, altitude, vegetação, o clima, entre outros fatores.
Além delas, o estado também conta com cinco regiões caracterizadas como produtoras de outros tipos de queijos artesanais: Vale do Suaçuí, Serra Geral, Alagoa, Mantiqueira e Jequitinhonha.
Em Minas, de acordo o Sindicato da Indústria de Laticínios de Minas Gerais (Silemg), do volume total de toneladas de queijo produzidos no Brasil, cerca de 40% têm origem no estado que fabrica diversos tipos de queijos, desde os feitos com leite pasteurizado, como o Queijo Minas Frescal, Queijo Minas Padrão, Mussarela e Provolone, até os fabricados artesanalmente com leite cru, os chamados artesanais.
O Queijo Minas Artesanal possui uma produção expressiva no Estado, com um volume estimado de 21,8 mil toneladas por ano, segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), representando 65,27% da produção dos queijos artesanais das agroindústrias familiares no estado.
Título fortalece a candidatura
Produtor de queijo em função da greve dos caminhoneiros de 2018, Wagner Ribeiro até então viu na falta de escoamento do leite – portanto, há seis anos – uma oportunidade para produzir a iguaria tão admirada no Estado. Ele e a esposa Izabela Ribeiro produzem, desde então, o queijo Ribeiro Fiorentini.
Em menos de cinco anos no mercado de queijos, duas iguarias da Ribeiro Fiorentini foram premiadas na 6ª edição do Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, em Tours, na França, ocorrida no ano passado. No concurso, os queijos produzidos no estado conquistaram 43 medalhas, das 81 conquistadas por queijos brasileiros. E ao todo, os produtores mineiros ganharam 10 medalhas de ouro, 17 de prata e 17 de bronze. Duas delas estão justamente na fazenda de Ribeiro, em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce. Os queijos Giovanna e Luiza ganharam, respectivamente, ouro e bronze na competição.
Os queijos são autorais, feitos de forma artesanal, tradicional e seguindo todos os protocolos. A padronização foi e é uma dos maiores desafios do produtor de queijo. A legislação exige a mesma condição de uma grande indústria de queijo.
A valorização da cadeia produtiva é uma das consequências de um título de patrimônio imaterial da humanidade, oportunidade dos pequenos produtores demonstrarem a força do ponto de vista cultural, social, histórico e econômico também. São produtos que expressam características de cada região e que possuem um importante papel social, já que a maioria dos produtores são familiares. Tudo que vem para mostrar o valor, proteger e estimular essa riqueza é importante, tendo em vista o panorama desigual no mercado. A indústria emprega muita gente, movimenta muito dinheiro, sendo fácil para esse setor solicitar melhorias, conseguir crédito. Para a indústria, sobreviver nesse mercado é mais fácil do que para o pequeno produtor.
Prova de resistência que o Queijo do Caraça tem superado com louvor. Produzido na Fazenda do Engenho, no complexo do Santuário do Caraça, entre dois municípios mineiros, Catas Altas e Santa Bárbara, ele também faz parte da importante cadeia de produção de Queijos Artesanais Mineiros.
De 08 a 10 queijos por dia são produzidos por lá. Um volume de produção razoável para o tamanho da fazenda, já que para um queijo são necessários entre 07 e 10 litros de leite. Para o gerente geral do Santuário, Pablo Azevedo, o título, se conquistado, é importante para valorizar o processo produtivo e para reconhecer o queijo como um produto de valor e qualidade. Ele acredita que os títulos enobrecem o produto, que já foi muito desvalorizado, lembrando que até pouco tempo havia queijo sendo vendido a R$ 10, o era uma desvalorização do processo produtivo. Ele reforça que esse tipo de iniciativa reconhece o produto como de qualidade, de tradição, que traz um sabor diferente, com reconhecimento internacional e valorizando ainda mais o queijo artesanal de mineiro.