Falar de agronegócio exige reverenciar e refletir sobre a importância da cultura negra para o desenvolvimento da agricultura brasileira
Vamos conhecer um pouco da cultura dos quilombolas paulistas, comunidades que começaram a se formar no século 16 a partir dos refúgios dos negros escravizados e que vivem, praticamente, da agricultura familiar.
Mais do que apenas sobrevivência, o plantio, a colheita e a comercialização de alimentos garantem a transmissão das práticas e tradições das comunidades entre gerações, como a relação com a natureza, os laços de parentesco e as manifestações religiosas, de música e dança.
Por isso, a agricultura tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, no sul do estado, foi reconhecida como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Segundo o órgão, esse sistema agrícola é “experiência acumulada na pesquisa e observação das dinâmicas ecológicas e resultados de manejo, mas também fruto do repertório de conhecimentos que remontam origens africanas e indígenas”.
Quase cinco séculos após a formação dos quilombos, essas organizações existem de forma expressiva no país. São mais de 2,4 mil comunidades reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares. Em São Paulo, cerca de 1,5 mil famílias vivem em quilombos.
No Quilombo Cafundó em Salto de Pirapora existem 38 famílias, que vivem em sua maioria da agricultura e do artesanato, e compartilham o território com o Quilombo Caxambu, que era localizado no município de Sarapuí, extinto na década de 1970. Desde então, convivem no mesmo espaço e desenvolvem um trabalho de turismo com base comunitária, educacional e com imersão cultural.
Hoje, a comunidade vive um momento de superação da escassez que o quilombo viveu. Sofreram muito, mas hoje buscam mais oportunidades para oferecer o trabalho. Para eles é muito importante que olhem com mais carinho para a população quilombola, para terem mais acesso, principalmente em políticas públicas.
O agricultor Ivo Santos, do Quilombo Sapatu, no município de Eldorado, no Vale do Ribeira, destaca a importância da valorização da cultura negra. “O livro didático não conta muito a história do quilombo, então a gente divulga no boca a boca. A consciência negra serve para valorizar a história e as lutas dos quilombos e também para demandar questões sociais, como o título de terra”, comenta o agricultor, que também é coordenador da associação da comunidade do Sapatu.
Além da importância cultural, os quilombos guardam parte importante da história do Brasil. Em Sapatu, por exemplo, começou a ser formada por volta de 1870, por escravos refugiados e brasileiros que buscavam fugir do recrutamento militar para a guerra do Paraguai. No Vale do Ribeira, existem quilombos do século 17 que seguem resistindo aos conflitos sociais e ao apagamento cultural.
A preocupação ambiental na produção agrícola é outra característica dessas comunidades. A região do Vale do Ribeira se destaca pelo alto grau de preservação das matas e pela diversidade ecológica. São mais de 2,1 milhões de hectares de florestas que marcam 23% da Mata Atlântica restante no País. “Nossos antepassados já ensinavam a preservar as fontes de água, os rios, e passamos esse aprendizado de geração para geração. Trabalhamos o turismo e a agricultura com responsabilidade, respeitando a fauna e a flora”, afirma Ivo.
No Sapatu, onde vivem aproximadamente 300 pessoas, a maioria dos alimentos é produzida de forma orgânica. No Cafundó, também, tudo é orgânico, produzido de forma artesanal, utilizando folhas, plantas, ervas. Em 2012, quando recuperaram parte do território de grileiros por meio do Incra, encontraram eucaliptos e um porto de areia para construção civil, e buscam recuperar parte do solo que foi danificado durante alguns anos.
No Estado de São Paulo, existem 62 comunidades remanescentes de quilombos, dentre elas 36 são regularizadas e reconhecidas pelo Incra e pelo Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo). Essas comunidades merecem todo o apoio e respeito. São agricultores familiares que produzem alimentos e geram renda para muitas famílias paulistas, mantendo suas ricas tradições.