A implementação de tecnologias de recuperação de pastagens degradadas teria o potencial de gerar receitas mais do que suficientes para compensar esses custos
Um estudo desenvolvido pelo Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV) revela que 18,94% do território brasileiro é composto por áreas de pastagens. Isso corresponde a aproximadamente 160 milhões de hectares. Deste total, 52% apresentam algum nível de degradação (cerca de 89 milhões de hectares), sobretudo, na Amazônia e no Cerrado. Para recuperar e reformar todas as áreas de pastagem que apresentam algum nível de degradação seriam necessários, aproximadamente, R$ 383,77 bilhões. Entretanto, a implementação de tecnologias de recuperação de pastagens degradadas teria o potencial de gerar receitas mais do que suficientes para compensar esses custos.
Os resultados do estudo mostram que os custos de recuperação, reforma e manutenção de pastagens diferem não apenas em relação à localização geográfica e condições edafoclimáticas, mas, sobretudo, de acordo com o nível de degradação.
Um aspecto importante e que irá condicionar a escolha da estratégia de recuperação a ser adotada é o nível de degradação apresentado pela pastagem. Os diferentes níveis de degradação tornam necessários níveis também distintos de intervenção para que a recuperação seja realizada. Por exemplo, áreas em estágios iniciais de degradação exigem menor intervenção e menores custos operacionais a fim de conter a redução da produtividade. Por outro lado, se o processo de degradação se encontra em estágio avançado, são necessárias ações mais intensivas e dispendiosas, uma vez que, o alto grau de degradação compromete a capacidade de manter a produção e a qualidade da forragem e a resistência aos efeitos nocivos de doenças, pragas e plantas invasoras. Portanto, é fundamental definir estratégias de recuperação, reforma ou renovação associadas ao estágio de degradação observado.
Em resumo, o custo médio para recuperar um hectare de pastagem em estágio moderado de degradação variou entre R$ 979,42 e R$ 1.541,37. Por sua vez, o custo médio para reformar um hectare de pastagem severamente degradada variou entre R$ 1.563,31 e R$ 2.100,71.
Os custos operacionais incorridos no processo de recuperação, reforma e manutenção devem-se, principalmente, à etapa do plantio, sobretudo, em função do uso de fertilizantes. No caso das pastagens em estágio severo de degradação, também são expressivos os custos com implementos. Para recuperar e reformar todas as áreas de pastagem que apresentam algum nível de degradação seriam necessários, aproximadamente, R$ 383,77 bilhões.
Entre as regiões brasileiras, a Região Sudeste é aquela que apresenta os menores custos de implementação de tecnologias de recuperação e reforma de pastagens degradadas. Essa particularidade está fortemente relacionada ao fato de, aproximadamente, 60% das áreas de pastagens degradadas da região estarem localizadas no bioma Mata Atlântica, onde os preços dos fertilizantes e corretivos são relativamente menores.
O estudo aponta ainda que caso o Brasil implementasse as metas definidas no Acordo de Paris de recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030, com o objetivo de reduzir as emissões líquidas totais de gases de efeito estufa, seria necessário investir, aproximadamente, R$ 21,17 bilhões e os custos maiores estariam nos estados de São Paulo, Pernambuco e Ceará. No cenário atual, a receita proveniente da recuperação seria de R$ 36,77 bilhões, gerando assim um excedente de R$ 15,60 bilhões. Considerando um cenário menos otimista, a receita seria de R$ 21,75 bilhões, significativamente inferior àquela obtida no cenário atual, mas ainda assim haveria retorno positivo com a adoção de tecnologias de recuperação de R$ 581,25 milhões.
Sobre o Plano ABC+, que tem como objetivo recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas, entre 2020 a 2030, seriam necessários, aproximadamente, R$ 42,51 bilhões, em 22 estados brasileiros e no Distrito Federal. Nesse caso, os maiores custos de recuperação estariam associados aos Estados de Tocantins, São Paulo, Pernambuco e, principalmente, aos Estados de Goiás e Rondônia (nos quais seriam investidos cerca de R$ 11 bilhões). Esses resultados mostram como ainda é tímida a alocação de recursos do plano safra na Agricultura ABC. No plano de 2022 o valor foi de 2% do total do plano. Em 2023 foi menor, 1,8%. Com o avanço do mercado voluntario de carbono, a recuperação de pastagens tem uma grande possibilidade de gerar renda para a pecuária.
No cenário atual, a receita potencial advinda da recuperação de 30 milhões de hectares seria de R$ 75,55 bilhões resultando em um lucro de R$ 33,04 bilhões. Um cenário menos otimista, por sua vez, promoveria uma receita de R$ 44,69 bilhões e, consequentemente, um excedente de R$ 2,18 bilhões.
Apesar dos ganhos evidentes, a difusão das boas práticas para os pecuaristas ainda é um desafio. É fundamental aprofundar o entendimento do assunto, considerando os diferentes ciclos produtivos e os diferentes perfis de produtores. Ainda que com características comuns, o “pecuarista” é composto por um público heterogêneo, que tende a ser avesso ao risco e a novidades.
Estudos evidenciam 112 iniciativas de pecuária sustentável no Brasil envolvendo 142 instituições com reflexo direto na produtividade nacional. A taxa de lotação passou de 1,39 animal por hectare para 1,48 animal por hectare e a produtividade em arrobas por animal ao ano passou de 16,5 para 17,7.
Na avaliação dos pesquisadores, o crescimento desses indicadores se deveu, além das práticas de sustentabilidade, às pressões do mercado por animais cada vez mais jovens – em especial da China, principal cliente internacional do Brasil.
Todavia, esse processo não é absorvido por todos os ciclos da atividade produtiva da pecuária, sendo os produtores de cria os mais fragilizados e com menor acesso a oportunidades de modernização da produção. O produtor é o elemento central para uma efetiva modernização da pecuária brasileira diante dos desafios ambientais que se colocam para o setor.
A comparação entre a região Centro-Oeste e Norte do país, que concentram mais da metade do rebanho nacional, revela que esse avanço tem se dado de forma desigual. Enquanto no Centro-Oeste as áreas de pastagens reduziram e o rebanho aumentou, a região Norte registrou aumento no rebanho junto com o aumento nas áreas de pastagens. Ou seja, enquanto o Centro-Oeste vem transformando áreas de pastagem em áreas com outros usos e aumentando o rebanho com ganhos de produtividade, na região Norte ocorre o crescimento de lotação de forma “extensiva”, ou seja, concomitante com a expansão de áreas de pastagem, especialmente sobre áreas de vegetação nativa.
É preciso trazer o produtor para o centro da questão, provendo condições para que o mesmo opte pela adoção de boas práticas. A possibilidade de auferir lucros fictícios (a percepção de lucro por parte dos pecuaristas é proveniente da frequente não incorporação de custos de terra e/ou mão de obra em suas análises financeiras, o que distorce os resultados reais) torna ainda mais complexa essa mudança de tomada de decisão. Sendo assim, um conjunto de instrumentos e incentivos para a reversão desse processo deve ser adotado.
Os resultados constatam que a implementação de tecnologias de recuperação de pastagens degradadas teria o potencial de gerar receitas mais do que suficientes para compensar os custos incorridos na recuperação de 15 e 30 milhões de hectares de pastagens. Portanto, dados as externalidades ambientais positivas e os benefícios econômicos que pastagens recuperadas podem promover, a tecnologia de recuperação de pastagens degradadas pode ser um instrumento efetivo e viável para potencializar a descarbonização do setor pecuário.