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Restauração da Mata Atlântica pode reduzir risco de transmissão do hantavírus

Mata Atlântica
Recomposição de área prevista em lei da vegetação nativa ajudaria a controlar a população de roedores que propagam o patógeno
Remanescente de Mata Atlântica em Linhares, norte do Espírito Santo: restando pouco mais de 32 milhões de hectares de sua cobertura original, esse ambiente é um dos mais ameaçados do mundo – Foto Eduardo Cesar.
Artigo de Rodrigo de Oliveira Andrade
A recuperação de áreas degradadas de Mata Atlântica pode levar a uma redução significativa das populações de roedores que transmitem o hantavírus, agente responsável pela hantavirose, síndrome pulmonar pouco frequente em humanos, mas fatal em grande parte dos casos.
 
Isso teria o potencial de diminuir o risco de indivíduos que vivem em áreas próximas a esse ambiente se contaminem com o patógeno e desenvolvam a doença, ainda sem tratamento específico. A conclusão consta de um estudo publicado em agosto na revista Science of the Total Environment. Sob coordenação do ecólogo Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), e da bióloga Paula Prist, do Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação da USP, pesquisadores de diferentes instituições paulistas analisaram o impacto da recomposição florestal sobre as populações de Oligoryzomys nigripes e Necromys lasiurus, duas espécies de roedores que hospedam o vírus e são amplamente distribuídas nos ambientes de Mata Atlântica no Brasil.
 
Os pesquisadores primeiro estudaram a distribuição dessas espécies em 104 áreas de Mata Atlântica no sul do estado de São Paulo. Em seguida, extrapolaram esses dados para o resto do bioma no país. Por meio de modelos computacionais, simularam a variação no número de indivíduos dessas espécies em dois cenários distintos.
Necromys lasiurus
 
O primeiro levou em conta a cobertura atual de Mata Atlântica. Restando pouco mais de 32 milhões de hectares (28%) de sua cobertura original, esse ambiente é um dos mais ameaçados do mundo. O segundo cenário tomou como base uma situação em que a atual lei de proteção da vegetação nativa, o novo Código Florestal, de 2012, é respeitada. A lei obriga a proteção mínima de 20% da vegetação nativa em terras privadas, as quais ocupam 20% da área de Mata Atlântica — existem hoje aproximadamente 6,2 milhões de hectares a serem restaurados.
 
Os pesquisadores verificaram que a recuperação dessa área de vegetação original diminuiria em até 90% a abundância de roedores da espécie O. nigripes. A população de N. lasiurus também encolheria, mas menos, cerca de 46%, por causa das características das áreas pelas quais esses animais têm preferência.
 
O impacto da restauração nas populações de O. nigripes, que vive no interior das florestas, ocorreria, sobretudo, porque a recomposição de ambientes florestais tende a atrair espécies predadoras desses animais. “Elas voltam a habitar ambientes outrora degradados, evitando que esses roedores se reproduzam de forma descontrolada”, esclarece a bióloga. De acordo com as estimativas do grupo, a diminuição das populações dos roedores ocorreria em cerca de 45% de toda Mata Atlântica, com potencial de diminuir o risco de transmissão do hantavírus, o que beneficiaria até 2,8 milhões de pessoas.
Recuperação de área de vegetação original diminuiria em até 90% a
abundância de roedores da espécie Oligoryzomys nigripes
em cerca de 45% de toda Mata Atlântica. 
Foto: Miguel Nema Neto/Fundação Florestal
 
A destruição das florestas amplia o risco de seres humanos entrarem em contato com animais hospedeiros de vírus que podem causar doenças desconhecidas (ver reportagem “Da floresta para as cidades”). O avanço da agricultura e da pecuária sobre a mata, por exemplo, tende a aumentar a densidade populacional na região. Muitas pessoas se estabelecem em áreas próximas a fragmentos florestais, onde humanos e animais silvestres compartilham o mesmo espaço.
 
A transmissão do hantavírus se dá por meio da inalação de aerossóis contendo o vírus, eliminado na urina e fezes de roedores infectados – existem casos raros de contágio de uma pessoa para outra, por meio do contato com secreções e fluidos contaminados.
 
Um contingente de 1.781 casos de hantavirose foi registrado no Brasil entre 1993 e 2013. Pode parecer pouco, mas Prist destaca que a doença é subnotificada e de difícil diagnóstico, de modo que não há como saber sua real extensão na população brasileira. “Seus sintomas assemelham-se aos da Covid-19, manifestando-se ora como uma gripe, ora como uma síndrome respiratória grave”, explica a pesquisadora. Se a pessoa infectada for encaminhada a um centro que já tenha atendido outros casos de hantavirose, pode ser que seja diagnosticada corretamente e receba um tratamento mais adequado — quase sempre baseado na administração de medicamentos que ajudam no controle dos principais sintomas. No Brasil, metade das pessoas infectadas morre. “Daí a importância de investir em projetos de restauração de ambientes degradados, uma vez que isso tende a diminuir o risco de transmissão desse e de outros agentes causadores de doenças”, diz Prist.

Projeto

Projeto interface: Relações entre estrutura da paisagem, processos ecológicos, biodiversidade e serviços ecossistêmicos (nº 13/23457-6); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Jean Paul Walter Metzger (USP); Investimento R$ 2.361.366,06.

Artigo científico

PRIST, P. et al. Moving to healthier landscapes: Forest restoration decreases the abundance of Hantavirus reservoir rodents in tropical forests. Science of The Total Environment. ago. 2020.

Fonte: Site Revista Pesquisa da Fapesp

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