
Estudo mostra perda de mais de 85% do estoque de carbono na região e o maior desafio será trazer as terras afetadas de volta aos níveis de produção pré-existentes
Por causa das enchentes de abril e maio do ano passado, a serra gaúcha perdeu mais de 85% do estoque de carbono no solo de pomares da região. A reposição desse importante nutriente pode demorar de 14 a 40 anos. As informações são resultados de um estudo intitulado “Reagindo aos Eventos Extremos: Impactos Socioeconômicos e Práticas de Reconstrução” da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), divulgado no seminário RS Resiliência e Sustentabilidade, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O evento discutiu temas relativos aos impactos da enchente do ano passado, aspectos das mudanças climáticas e alternativas de soluções para encarar o cenário preocupante. Após as fortes chuvas que inundaram áreas de plantações, levando embora a fertilidade da terra, pesquisadores, técnicos e produtores rurais trabalham para recuperar a base de todas as fontes de alimentos. Com o solo degradado pelas inundações, ficou seriamente comprometido o trabalho do produtor rural para que busque fertilidade nas plantações. As cidades da serra gaúcha ficaram entre as regiões mais afetadas pela chuva em curto espaço de tempo. Isso estimulou o escoamento da água na superfície, a transferência de solo de partes mais altas para partes mais baixas causando importantes consequências e danos.

sobre os impactos causados pela catástofre ambiental de 2024 no RS
Foto – Hiago Reisdoerfer

O primeiro dano foi a perda de solo, especialmente da camada superficial, já que nem toda a água conseguiu infiltrar. Por isso, ocorreu perda de nutrientes que normalmente estão no solo e que são fontes para as plantas, para que elas consigam crescer, produzir e ter um produto de qualidade. Parte da matéria orgânica e dos nutrientes foram para partes baixas do relevo e também, em alguns casos, em águas superficiais. No futuro, isso poderá gerar contaminação da água. Esse dano ocorreu em virtude do excesso de precipitação. Verifica-se perda de solo em áreas não cultivadas e também em áreas cultivadas.
Pelo estudo feito na cidade de Bento Gonçalves, por exemplo, constatou-se que houve também a diminuição dos teores de fósforo nas áreas de deslizamento. Se as áreas que foram degradadas pelo excesso de chuva forem incorporadas novamente à agricultura, o produtor vai ter que comprar mais fertilizante. Com isso ele vai ter um aumento, provavelmente, do seu custo na propriedade.
A perda de fósforo pode gerar a contaminação da água. Com a perda da matéria orgânica do solo, perdeu-se uma fonte importante que vai disponibilizar nutrientes para as plantas. Para repor nutrientes, é necessário conhecimento e investimento. Serão necessárias estratégias para que, no futuro, se isso acontecer novamente, haja possibilidade de minimizar esse problema. Inclusive será necessário refazer o nivelamento do solo para que o produtor consiga novamente cultivar a sua área.

descritas como “a maior catástrofe climática” da história do estado
Foto: Fernando Dias/Seapi

alteradas pelas enchentes – Foto: Mauricio Tonetto/Governo RS
Para os pesquisadores, o caminho é utilizar técnicas reconhecidas e aceitas na área da agronomia, como a calagem (prática para corrigir a acidez, neutralizar o alumínio e fornecer cálcio e magnésio) e adubação em conjunto com a utilização de plantas de cobertura. Práticas de manejo chamadas de conservacionistas para recuperação dos estragos das enchentes deverão ser implementadas urgentemente. Além do uso de plantas de cobertura, uso de terraços em áreas, por exemplo, de culturas frutíferas perenes. Essa técnica é uma forma de reter a água, estimular a infiltração da água, diminuir a perda de água e de solo. O maior desafio será trazer as terras afetadas de volta aos níveis de produção pré-existentes. Surpreende a diversidade de situações encontradas, muitas vezes dentro da mesma propriedade. São situações inéditas. As terras agrícolas precisam de reparos biológicos, físicos e químicos, para recuperação a fertilidade do solo antes de retornar à produção

Além do diagnóstico sobre o solo, o evento apontou outros impactos, como o social. As enchentes no estado deixaram um desastre que requer políticas públicas diante das perdas de postos de trabalho e queda de arrecadação. Para se ter uma ideia, nos municípios com apenas 10% da população afetada, houve uma perda de quatro empregos a cada mil habitantes, além de queda salarial e de assistência de saúde. Quanto maior foi a exposição do município à área de inundação, mais há perdas de emprego formal, queda na arrecadação municipal, aumento de casos de leptospirose, redução de visitas e toda assistência básica em saúde.
Nas cidades com maior nível de exposição (com mais de 50% da população afetada), houve o maior volume de queda de empregos formal e, por consequência, maior diminuição de ICMS. Paralisou-se praticamente a economia do estado, principalmente nesses municípios que tiveram um maior nível de exposição à inundação.