Cultura do dendê integrada a sistemas agroflorestais (SAFs) gera serviços ambientais e garante produtividade
Uma pesquisa feita por 12 anos avaliou os cultivos de dendê e outras espécies frutíferas e florestais plantadas em uma mesma área e realizada pela Embrapa Amazônia Oriental (PA) em conjunto com a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta) e com a empresa Natura foi a primeira do gênero no mundo e os resultados atestam a viabilidade da produção de dendê em sistema biodiverso.
Os experimentos foram realizados na área de três agricultores no município de Tomé-Açu (PA). No fim de 2008, em cada propriedade foram implantados dois SAFs com dendê em diferentes graus de diversificação de espécies em áreas que continham um pomar abandonado, pastagem degradada e floresta secundária, também chamada de “capoeira”. Dois tipos de preparo das áreas foram estudados: manual e mecanizado, sem uso do fogo, sendo a vegetação triturada e depositada sobre o solo, formando uma cobertura morta.
Ao longo de 12 anos de avaliações, os sistemas apresentaram boa produtividade e geração de serviços ambientais, como provisão de alimentos, madeira e regulação do clima e da água.
Com uma quantidade de pés de dendê por hectare menor que as formas de cultivo convencionais, o SAF Dendê alcançou uma produtividade semelhante aos índices da monocultura quando considerada a mesma área de plantio. Isso porque a produtividade por planta foi superior, alcançando 180 Kg de cachos de fruto por planta, enquanto no monocultivo esse índice fica em 139 Kg.
Nos diferentes arranjos dos SAFs, de 81 a 99 plantas de dendê por hectare foram combinadas ao longo dos anos com culturas agrícolas, espécies florestais, frutíferas e adubadeiras. Os tratos culturais nas áreas do SAF Dendê se basearam no manejo agroecológico, com adubação orgânica, adubação verde, cobertura viva e uso de biocaldas.
Solo melhor nutrido
O rendimento de óleo de dendê nos SAFs também apresentou diferenças em relação aos cultivos tradicionais. Segundo dados da literatura científica, o teor de óleo no cacho do dendê varia de 18% a 22%. Já no SAF Dendê, esse rendimento atingiu uma média de 24,7%.
Para mensurar o provimento de serviços ambientais que o SAF Dendê pode oferecer, coube à Embrapa avaliar a qualidade do solo durante o projeto. Um dos principais indicadores é a quantidade de carbono total que o sistema de cultivo é capaz de armazenar.
A matéria orgânica no solo é composta por aproximadamente 58% de carbono e a sua maior presença afeta diretamente os atributos de qualidade do solo, como retenção de água, porosidade e atividade de micro-organismos que vão favorecer a ciclagem de nutrientes.
Viabilidade financeira
Além de produtivo e sustentável, o SAF Dendê apresentou viabilidade técnica e financeira mesmo incluindo no custo de produção as boas práticas do manejo agroecológico. A presença de espécies de ciclo curto no SAF torna mais rápido o retorno financeiro para o produtor, enquanto a madeira gera impacto financeiro no fim do ciclo produtivo do insumo – cerca de 25 anos. Muitos insumos presentes no SAF têm, ainda, múltiplos usos e podem gerar mais de um produto, para consumo ou comercialização.
Resultados preliminares de novas áreas implantadas pelo Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (ICRAF), no projeto SAF Dendê, corroboram a viabilidade financeira do sistema atrelada a benefícios socioambientais. Em uma das dez unidades demonstrativas avaliadas, com base em dados de plantios até o quinto ano e projeções baseadas na literatura científica, para uma área de aproximadamente um hectare, com o cultivo de 14 espécies, incluindo o dendê, cacau, açaí, milho, feijão, árvores nativas, adubadeiras, entre outras, o retorno do investimento para o agricultor, considerando um período de 25 anos, poderia ocorrer a partir do quinto ano, menos da metade do tempo necessário para o retorno do investimento inicial em monocultivo de dendê. Outras nove unidades demonstrativas na região de Tomé-Açu estão em análise para estudar o potencial da viabilidade financeira do SAF Dendê em novos arranjos produtivos.
Potencial de aumentar o bem-estar do produtor
Na agrofloresta, a temperatura média é 5 graus mais baixa que no ambiente externo, incrementando o conforto térmico. Além disso, o sistema é resiliente, com produção contínua, crescente ao longo dos anos e baixa incidência de problemas nutricionais, pragas ou doenças.
Outra razão da importância do armazenamento de carbono no solo são as preocupações com os efeitos que os gases de efeito estufa podem exercer sobre o clima do planeta. Por meio da fotossíntese, as plantas transformam o gás carbônico da atmosfera em biomassa que é armazenada no solo tanto pelas raízes quanto pela deposição de folhas e galhos sobre a superfície. Em sentido contrário, o gás carbônico retorna à atmosfera pela respiração das plantas e dos micro-organismos presentes no solo.
Enfrentando as mudanças climáticas
Diante de um futuro que aponta para aumento de temperaturas e eventos extremos, os pesquisadores buscam caminhos para tornar a agricultura menos vulnerável. Ao mesmo tempo em que a atividade agrícola contribui para as emissões de gases de efeito estufa, também pode ser fortemente afetada pelas mudanças climáticas.
Desde maio de 2019, mais de 80 instrumentos, instalados em uma torre de observação micrometeorológica e espalhados no solo de uma das áreas de SAF Dendê, em Tomé-Açu, fornecem diariamente para o centro de pesquisa da Embrapa em Belém (PA) informações sobre o microclima na área do experimento. São dados como radiação solar, precipitação, temperatura e umidade do ar, velocidade e direção do vento, além de umidade e temperatura do solo, que vão permitir relacionar os efeitos das variações do meio físico sobre o desenvolvimento das plantas.
Além de ajudar a modelar cenários futuros, o monitoramento micrometereológico também traz informações sobre a dinâmica do uso da água e a interação entre as plantas dentro do sistema agroflorestal onde o dendê está inserido.
Inovação tecnológica e social
A sustentabilidade da dendeicultura na agricultura familiar da Amazônia é um dos desafios do portfólio de projetos que a Embrapa tem para a região. São 75 projetos em parceria com uma rede de instituições públicas e privadas, que buscam desenvolver, ampliar e incentivar novos modelos de desenvolvimento por meio da integração da ciência, tecnologia e inovação com as políticas públicas, mercado e com a sociedade.
A inovação tecnológica e social e a reformulação das políticas públicas são as principais vertentes para vencer o desafio de conciliar desenvolvimento econômico com inclusão social e melhoria da qualidade de vida da população e a conservação ambiental na região.
Fonte: Embrapa Amazônia Oriental