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Solução da crise climática é mudar o sistema econômico

Satish Kumar tem sua história contada no documentário "Amor Radical"

Satish Kumar, 88, decidiu que viraria um monge jainista aos 9 anos. Dentro do monastério, teve um sonho em que Mahatma Gandhi o aconselhava a viver a espiritualidade na vida cotidiana. Ao acordar, ele estava decidido: iria embora. Durante uma madrugada, pegou suas coisas e fugiu. Tentou retornar para a casa da mãe, mas foi repreendido pelo abandono da vida monástica. Foi então que, aos 18 anos, Kumar se transformou em um peregrino do mundo, um título que reivindica para si até hoje.

Suas caminhadas o levaram a se juntar a protestos pela reforma agrária na Índia e, mais tarde, a percorrer 13 mil quilômetros por 15 países em 1962, durante a Guerra Fria. A marcha tinha como objetivo alertar sobre os riscos de uma guerra nuclear. Do túmulo de Gandhi, em Nova Déli, Kumar passou a pé e de barco por Moscou, Paris, Londres e Washington — uma jornada que durou dois anos e meio. Na época, Kumar tinha 26 anos e tornou-se um dos grandes nomes do movimento pacifista do mundo.

Livro de Kumar, publicado em 2023, que inspirou
o filme “Amor Radical”, agora no streaming

A história do ativista agora é recontada no documentário “Amor Radical”, de Julio Hey. A obra foi exibida na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e chega ao serviço de streaming Aquarius no dia 15 de novembro. O nome do filme remete a um livro de Kumar, publicado em 2023, em que ele defende o amor como uma prática cotidiana.

“Amor une. Se você deseja união e relação, então você precisa de amor. É como a gravidade: ela segura o mundo físico. Assim é o amor. Então, antes do conhecimento, da ciência e da verdade, precisamos do amor. E o amor radical é amar sem expectativas. Apenas aceitar a outra pessoa como ela é. E, se ela não te amar de volta, você continua amando-a”, disse ele.

Foi com essa visão que Kumar continuou a caminhar pelo mundo e transformou-se em um ativista também pelo meio ambiente. Nos anos 1970, ele se mudou para a Inglaterra, onde trabalhou como editor na revista de ecologia “Resurgence”. No Reino Unido, escreveu livros, participou de projetos midiáticos e, em 1991, criou a Schumacher College, um centro de estudos que, segundo ele, é a “escola do futuro” e já chegou ao Brasil. “É onde a ecologia, a

espiritualidade, a sustentabilidade, a economia regenerativa e tudo relacionado a isso possam ser ensinados em conjunto, de forma holística”, explica.

A experiência de vida na Índia e mais tarde no Reino Unido transformaram a mente de Kumar na “síntese do Ocidente e Oriente”, como ele próprio define.

“O Ocidente é sobre o externo. Tudo tem que ser medido. É mais materialista e a própria matéria tem que ser medida. As maiores ênfases da cultura ocidental são a indústria, a economia e a tecnologia. Isso é bom, mas não é o suficiente. Tem algo que nós não podemos medir que é a espiritualidade. E isso é o que está no Oriente em países como China, Japão, Índia, e até alguns países da África e culturas indígenas pelo mundo. O que precisamos é trazer ambas visões de mundo unidas para ter uma imagem [da vida] mais completa”, diz ele.

Para Kumar, essa visão materialista levou o mundo a uma das maiores emergências atuais.

A proposta do ativista é mudar a mentalidade para um modelo circular. “A economia da natureza é cíclica. E ela é a verdadeira economia. É evidente que a tecnologia, a energia renovável, a implementação de painéis solares são ferramentas úteis e devemos usá-las, mas tudo deve voltar à natureza e ser absorvido por ela“.

A própria perspectiva do que é natureza deve ser reavaliada. Para o ativista, natureza não é apenas o conjunto de montanhas, rios ou animais selvagens.

Assim, Kumar resgata a cosmovisão de povos originários e tradicionais para propor uma reintegração, que ele diz ser essencial na superação de obstáculos globais. “Cuidar da natureza, dar a ela direitos, é também preservar os direitos humanos. Assim como nós, a natureza tem um valor intrínseco. Muitas vezes pensamos no valor dela em como podemos lucrar a partir da derrubada de florestas, da agricultura, por exemplo. A natureza torna-se uma mercadoria e isso precisa mudar. Temos que dizer que a Natureza não tem valor apenas pela utilidade para os humanos, ela tem valor em si.”

Satish Kumar, o peregrino do mundo

Para Kumar, o ativismo é um trabalho sem fim. “Virei um ativista quando tinha 18 anos ao integrar o movimento de Mahatma Ghandi. Agora, tenho 88 anos e continuo sendo um ativista. E quero ser até o último suspiro da minha vida”, reflete.

O trabalho, segundo ele, é estar conectado ao mundo, mas sempre ligado às raízes e à comunidade. “Os pés devem estar enraizados, mas a mente é cósmica, universal. A internet pode ser útil para conectar-se com outras pessoas, mas é apenas uma pequena cereja no bolo. A verdadeira comunidade é onde você mora, os seus amigos, familiares, vizinhos, e a terra onde você está, com seus animais e pássaros, onde quer que você esteja“, defende. “As pessoas devem ter uma comunidade forte e sólida.”

Em “Amor Radical”, as câmeras acompanham Kumar em sua rotina comum: viagens pelo mundo, encontro com amigos, debates de ideias com outros ativistas, como a filósofa Vandana Shiva, e rodas de conversas em que ele passa a sabedoria de décadas para as novas gerações, a quem ele diz encontrar combustível para seguir tendo esperança. “As pessoas mais jovens estão surgindo com novas ideias, novas imaginações e mais criatividade. E isso me dá esperança de um futuro melhor. Acredito que a humanidade pode ter um bom futuro”, diz. “Para ser ativista, é necessário ser otimista.”

Fonte: Ecoa

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