MEIO AMBIENTE -  Como atrair corrupião

Açaí garante o sustento de muitas famílias na ilha do Marajó - Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

No município de Breves (PA), na Ilha do Marajó, apesar da internet lenta disponível na comunidade de Jupatituba, as pessoas dão um jeito de usar o celular para para postar vídeos e estudar para galgar alguns degraus na vida. Quem quer ir além, espera usar tecnologia para ajudas no dia a dia, se informar e cuidar de suas terras onde boa parte maneja o açaí. William Batista é um entusiasta das tecnologias digitais usa o celular em especial para estudar para o curso de magistério e acredita que com um drone poderia fazer um mapeamento e identificar as áreas mais adequadas para o plantio do seu açaí, sem ter de necessariamente ir até o local, que muitas vezes é de difícil acesso.

Essa necessidade da tecnologia foi uma das muitas demandas ouvidas pelos pesquisadores do Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Agricultura Digital (Semear Digital) durante visita à comunidade em outubro passado, acompanhada pela Agência FAPESP. Sediado na Embrapa Agricultura Digital, em Campinas, o Semear Digital é um dos Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCDs) apoiados pela FAPESP. Seu objetivo é levar conectividade, capacitação e desenvolvimento de tecnologias de agricultura digital para pequenos e médios produtores das cinco regiões do país, por meio de dez Distritos Agrotecnológicos (DATs) (leia mais em: agencia.fapesp.br/41128 e agencia.fapesp.br/50214).

Dos dez Distritos Agrotecnológicos (DATs) previstos, o DAT 9 é o de Breves, no Marajó
Dos dez Distritos Agrotecnológicos (DATs) previstos, o DAT 9 é o de Breves, no Marajó

Na Amazônia foi selecionado o DAT 9, de Breves. Assim como os outros nove Distritos Agrotecnológicos do Semear Digital distribuídos no Brasil, o município foi escolhido por meio de uma metodologia desenvolvida no Instituto de Economia Agrícola, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Entre os mais de 5 mil municípios brasileiros, foram cruzadas oito variáveis, como educação, economia, infraestrutura e estrutura fundiária, e, a partir delas, 33 indicadores. A ideia era que, nos municípios escolhidos, a implantação do projeto pudesse causar impacto real na população e na agricultura. A partir de uma lista com os mais adequados na região Norte, Breves foi escolhido levando em consideração fatores adicionais, como governança local e atividade agropecuária. O DAT de Breves tem características muito diferentes dos outros selecionados no Brasil, pois a base de sua economia agrícola é o extrativismo. Além disso, possui dificuldades de mobilidade entre as comunidades e nessas condições, a agricultura digital e a conectividade causarão grande impacto não só na população ribeirinha, mas também em toda a cadeia de valor do açaí e do mel.

O DAT de Breves terá como foco a cadeia produtiva do açaí e o manejo de abelhas nativas. Atualmente, a Embrapa Amazônia Oriental, com sede em Belém, realiza atividades afins neste e em outros municípios da Ilha do Marajó. Por isso, a unidade da empresa será o ponto focal do projeto na localidade.

Durante as atividades junto aos produtores, os pesquisadores perceberam que as pessoas levavam o celular para o campo, mesmo que este não tivesse propriamente uma função na atividade. Foi aí que viram o potencial para desenvolver aplicações que pudessem apoiar, por exemplo, o manejo de mínimo impacto de açaizais nativos, uma tecnologia desenvolvida pela Embrapa. Daí a criação do aplicativo Manejatech Açaí, por meio do qual é possível fazer o inventário dos açaizais de uma área e aplicar os métodos mais adequados de manejo, como espaçamento entre as plantas e o número de árvores de outras espécies que devem estar no mesmo espaço. A aplicação funciona mesmo sem acesso à internet. O processo se deu através da coleta de informações pelos pesquisadores, levadas para a Embrapa, processadas e levadas para os produtores em uma nova visita à área. Com a tecnologia, tudo ficou mais fácil. Atualmente tudo se dá de forma instantânea, com muita agilidade entre a pesquisa e a adoção da tecnologia.

Açaizal nativo na Ilha de Marajó, município de Breves - Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa
Açaizal nativo na Ilha de Marajó, município de Breves – Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Açaí e mel

O Semear Digital vai apoiar ainda uma atividade recente na região, com grande potencial de geração de renda aos agricultores: a melipolinicultura. A criação de abelhas nativas, sem ferrão, ajuda a conservar espécies desse inseto social ameaçadas justamente pela atividade humana, ao mesmo tempo em que aumenta a produtividade dos açaizais entre 30% e 70%, a depender da espécie e da distância das colmeias em relação às flores do açaizeiro.

As abelhas sem ferrão têm um vínculo muito próximo com a cultura do açaí, principalmente porque uma boa parte delas são abelhas pequenas, então conseguem polinizar as flores dos açaizeiros. Existe uma relação antiga entre as populações da região e as abelhas, mas esse conhecimento foi perdido por uma série de fatores. Entre as diversas espécies de abelhas nativas, muitas exclusivas da Ilha do Marajó, algumas produzem méis com propriedades bioativas diferentes das encontradas nos mais conhecidos, o que pode ter um grande apelo de mercado. A conectividade vem para facilitar a interação com o maior número possível de produtores, possibilitando que esse conhecimento possa ser novamente apropriado por essas populações.

Agroextrativista em Breves, Maciel Toledo segura cacho de açaí - Foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP
Agroextrativista em Breves, Maciel Toledo segura cacho de açaí – Foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP
Meliponicultura será uma das frentes de ação junto à comunidade
Meliponicultura será uma das frentes de ação junto à comunidade

Atualmente, a Embrapa Amazônia Oriental disponibiliza duas aplicações digitais voltadas à melipolinicultura. O Infobee agrega informações sobre as diferentes espécies e formas de manejo. Enquanto o Zapbee usa inteligência artificial para permitir que melipolinicultores possam tirar dúvidas pelo Whatsapp com um robô sobre a criação de abelhas, tanto nativas quanto introduzidas. A tecnologia está sendo aprimorada para que as pessoas possam mandar mensagens de voz e receberem as respostas também em áudio, facilitando o acesso mesmo para aqueles com baixa escolaridade.

Demandas

Com cerca de 40 mil km2, a Ilha do Marajó tem em torno de 97% de áreas naturais, exercendo grande contribuição para a regulação climática e a manutenção da biodiversidade. O município de Breves, com pouco mais de 106 mil habitantes, possui cerca de metade da população na área urbana, que ocupa cerca de 9,3 km2, um milésimo do território do município, de mais de 9 mil km2 (a área da cidade de São Paulo, por exemplo, é de pouco de mais de 1,5 mil km2). Em 2022, apenas 6,1% dos domicílios estavam conectados à rede de esgoto e 9% da população tinha emprego formal. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o município figura com a marca de 0,503, pouco acima da vizinha Melgaço, cidade com o pior desempenho do Brasil (0,418) e bem abaixo da primeira colocada, São Caetano do Sul (SP) (0,862). Os números de IDH.

Celso Vegro, pesquisador do IEA, realiza entrevista em comunidade de Breves - Foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP
Celso Vegro, pesquisador do IEA, realiza entrevista em comunidade de Breves
Foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP

A principal tarefa na primeira visita foi justamente o levantamento das demandas da população. A ideia era entender como a agricultura digital pode ajudar na produção do açaí, principal produto da região, e na melipolinicultura, que ainda dá os primeiros passos no território. Como em todos os outros DATs, a primeira necessidade relatada foi o acesso à internet de qualidade. Uma das ideias é usar a conectividade para melhorar a venda do açaí e a compra de insumos, sem falar em como ela poderia melhorar o acesso à saúde e à educação. Durante a dinâmica de grupo em que participaram com representantes da comunidade, os pesquisadores identificaram ainda uma demanda por rastreabilidade e certificação da produção, um dos eixos temáticos de pesquisa do Semear Digital. Outros eixos incluem inteligência artificial, sensoriamento remoto e agricultura de precisão.

O açaí colhido na região passa por dois ou três atravessadores até chegar ao consumidor. Os produtores gostariam que a qualidade do produto deles fosse reconhecida em Belém e nas outras cidades onde é consumido. Com base na visita, um relatório elaborado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), uma das instituições parceiras do Semear Digital, apontou as principais possibilidades para instalação de conexão de melhor qualidade na área. O projeto não instala internet nas comunidades, mas articula com empresas locais e o poder público para que isso ocorra.

Augusto Cesar Andrade, da Embrapa Amazônia Oriental, apresenta ações da Unidade na comunidade de Santo Ezequiel Moreno, em Portel. - Foto: Graziella Galinari/Embrapa
Augusto Cesar Andrade, da Embrapa Amazônia Oriental, apresenta
ações da Unidade na comunidade de Santo Ezequiel Moreno, em Portel
Foto: Graziella Galinari/Embrapa

Além das opções de conexão via satélite, atualmente no limite de operação, vislumbra-se como viável a implementação de uma infraestrutura de conectividade terrestre. A proposta envolve a instalação de uma antena de 50 metros de altura em um torrão de terra firme previamente identificado, oferecendo cobertura 5G. Essa configuração permitiria alcançar um raio de aproximadamente 10 km a partir do local da antena, beneficiando a maioria das comunidades na região.

O Semear Digital tem ainda como instituições associadas o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), o Instituto Agronômico (IAC), o Instituto de Economia Agrícola (IEA), o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) e a Universidade Federal de Lavras (UFLA).

Fonte: Embrapa/Fapesp

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