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A tentativa de criminalizar movimento social não deu certo

Ricardo Salles, relator da CPI do MST

Lira não acatou mais um pedido de prorrogação e a CPI ficou sem um relatório final votado e aprovado pelos deputados

A edição do Diário Oficial desta quarta-feira (27) marcou o fim da CPI do MST na Câmara dos Deputados. Presidente e relator da comissão, os deputados federais Luciano Lorenzini Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP), respectivamente, aguardavam a publicação de um ato do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), prorrogando os trabalhos do grupo.

O relatório foi apresentado pelo relator na última quinta (21) e propunha, entre outras coisas, um projeto de lei para enquadrar movimentos sociais como terrorismo. O relatório também resgatou um um projeto de Jair Bolsonaro que queria flexibilizar o porte de armas para proprietários rurais. Na sessão de leitura do texto, na quinta, houve um pedido de vista. A votação só poderia acontecer após duas sessões deliberativas do plenário e, por isso, foi marcada uma audiência para esta terça, data-limite do prazo dos trabalhos da CPI.

Ricardo Salles, relator, e Tenente Coronel Zucco, Presidente da CPI do MST

O pedido de prorrogação foi protocolado na presidência da Casa no mesmo dia (21) por Salles. Lira, que já havia adiado o fim da comissão em 10 dias – a previsão inicial era de encerramento no dia 14 de setembro – não acatou o pedido do relator da CPI. Com o fim determinado, a CPI do MST ficou sem um relatório final votado e aprovado pelos deputados e frustra Salles e Zucco e demais companheiros da oposição ao governo, que contavam com o espaço para criminalizar o movimento.

Zucco e Salles convocaram uma coletiva. Na outra ponta, o MST e parlamentares governistas também convocaram uma coletiva de imprensa para falar sobre o fim desta CPI, que é a quinta comissão instalada para investigar o movimento, desde 2004.

Coletiva da direção da CPI do MST

Coletiva dos parlamentares governistas sobre o fim da CPI do MST

Um grupo de 15 parlamentares protocolou, nesta quarta-feira (27), uma declaração de voto contrária ao parecer produzido por Ricardo Salles (PL-SP), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Como a atividade do colegiado se encerrou na terça (26), data final prevista para o cronograma oficial dos trabalhos da CPI, o documento não tem valor regimental. O texto foi protocolado na Câmara e lido em plenário para que conste futuramente nos anais da Casa.

O deputado Nilto Tatto (PT-SP), que encabeçou a elaboração do documento, afirma que o grupo investiu na iniciativa pelo valor simbólico e para deixar registrado o posicionamento dos parlamentares críticos à condução da CPI. O grupo não aceita a criminalização dos movimentos que lutam por reforma agrária, em especial o MST e a Frente Nacional de Lutas no Campo e Cidade (FNL). Queriam enfrentar essa CPI para debater uma agenda positiva sobre como melhorar as políticas públicas de apoio à agricultura familiar e a política de reforma agrária e em nenhum momento a direção da CPI aceitou fazer esse debate.

O petista Nilto Tatto disse ainda que o grupo que liderou a mesa da CPI não fala em nome do segmento do agronegócio. Além de Salles na relatoria, a comissão tinha como presidente o deputado Luciano Lorenzini Zucco (Republicanos-RS), um dos bolsonaristas mais exaltados da Câmara. Segundo Nilto, eles representam uma minoria do agronegócio, o grupo chamado de ‘ogronegócio’, como disse o ministro da agricultura Fávaro, porque são aqueles 2% que cometem crimes, desmatam e assassinam lideranças indígenas, quilombolas, sem-terra e ambientalistas.

Parlamentares contrários à CPI do MST durante coletiva na Câmara dos Deputados – Foto: Rogério Thomaz

Além de Tatto, assinam a declaração de voto os deputados Daiana Santos (PCdoB-RS), Lídice da Mata (PSB-BA), Gervásio Maia (PSB-PB), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Professora Luciene (PSOL-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ) e os petistas Padre João (MG), Camila Jara (MS), Paulão (AL), Valmir Assunção (BA), Alencar Santana Braga (SP), João Daniel (SE), Marcon (RS) e Gleisi Hoffmann (PR), esta última presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores.

O documento reitera críticas relacionadas ao que chama de “vício de origem” da comissão, que não apontou em seu requerimento de criação qual seria o foco específico das investigações, conforme determinam as regras. Ao criticar a forma como o colegiado foi conduzido nos aspectos administrativo e político, a declaração afirma que houve “elaboração tendenciosa das pautas de votação, obstrução/atraso de acesso aos documentos, centralização das atividades da CPI na figura do relator, desrespeito ao regimento interno da Casa e comportamento misógino da presidência e da relatoria contra deputadas que integram a CPI”.

Também aponta que Salles afronta o Supremo Tribunal Federal (STF) ao incluir no relatório trecho que traz supostas irregularidades no Instituto de Terras de Alagoas (Iteral) e sugerir o indiciamento dos seus gestores. No início de setembro, a Corte chancelou por unanimidade uma liminar do ministro Luís Roberto Barroso que havia suspendido depoimentos dos referidos agentes públicos agendados para a CPI. Na ocasião, os magistrados afirmaram que a convocação de servidores estaduais para uma comissão parlamentar de inquérito do Legislativo Federal atenta contra a autonomia dos entes federados e o pacto federativo.

Dep. Federal Samia Bomfim (PSOL-SP)

A declaração de voto também critica o fato de Salles ter inserido o nome da deputada Sâmia Bomfim no relatório por ter encontrado materiais da campanha eleitoral de 2022 da psolista durante diligência da CPI no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, onde há ocupações da Frente Nacional de Lutas (FNL), cujo líder José Rainha está entre os indiciados no relatório. No parecer, o relator registra que teria localizado um vídeo em que Rainha agradece a correligionários os votos obtidos pela deputada. Em diferentes momentos ao longo dos trabalhos na CPI, Sâmia reagiu às investidas de Salles afirmando que tem eleitores no local e que isso não caracteriza conduta criminosa.

A declaração de voto também critica as tentativas da ala bolsonarista de atingir o deputado Valmir Assunção (PT-BA) por conta de sua ligação com o MST. O parlamentar é assentado do programa de reforma agrária há mais de 30 anos na Bahia, estado que é seu reduto eleitoral e que também entrou na mira da extrema direita ao longo na CPI. O segmento tentou convocar o ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa, como forma de enquadrar o governo Lula e também as ações destinadas ao processo de reforma agrária, mas não conseguiu apoio político suficiente. Salles e Zucco chegaram a ameaçar incluir Assunção na lista dos indiciados, o que não ocorreu.

Com o jogo virado na CPI após o governo trocar componentes da comissão e criar uma expectativa de maioria no colegiado, a ala bolsonarista ficou em maus lençóis e sem apoio necessário para levar a iniciativa adiante. O grupo também tentou sem sucesso uma segunda prorrogação dos trabalhos da comissão para que houvesse mais tempo para submeter o parecer à votação após um pedido de vista coletiva atendido na ultima quinta (21), mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não concedeu aval.

Parlamentares na comissão – Foto: Leandro Rodrigues

Em coletiva de imprensa dada no meio da tarde na Câmara, Zucco e Salles afirmaram que o grupo tinha maioria para aprovar o parecer do relator, caso ele tivesse sido submetido à análise do colegiado. A projeção foi contestada pela deputada Sâmia Bomfim, que classificou o final dos trabalhos da CPI como “melancólico”.

A prerrogativa de convocar uma sessão para aprovar o relatório era do presidente. Passaram-se várias sessões e não convocaram reunião (antes do prazo regimental previsto para pedido de vista) para tentar votar e aprovar, pois não tinham votos suficientes para aprovação. Segundo a deputada, não tinham por um simples motivo: “fizeram um relatório mentiroso, que tentava criminalizar o MST e parlamentares, como se fosse crime ser de um movimento social e ser eleito pela luta e pelo compromisso com as causas de movimento social. Isso não é crime nenhum.”

“Ao contrário, crime é invadir terras indígenas, invadir terras públicas, como fazem todos os dias os grileiros, que eles defendem. É manter trabalhador em situação análoga ao trabalho escravo, como muitos dos financiadores deles fazem todos os dias. Crime é espalhar fake news, como eles também fazem contra os movimentos sociais, e crime também é a exportação ilegal de madeira, que, aliás, tornou o relator um ‘réulator’. E também é crime a violência política de gênero, pela qual o presidente e o relator agora respondem em um inquérito corretamente aberto pela PGR (Procuradoria-Geral da República)”, emenda a psolista.

João Pedro Stedile, um dos líderes do MST – Foto: Vitor Nuzzi/RBA

Apesar de não ter incluído o nome de Assunção na lista de indiciados, Salles cita o nome do petista pelo menos 17 vezes no documento. Em nota direcionada à imprensa após a apresentação do relatório, Assunção disse que o parecer tem o objetivo de “atacar o governo da Bahia, os movimentos sociais e suas lideranças”.

“Meu nome é por vezes inserido não porque há algo de fato imputado, afinal, não tenho empresa, não há cometimento de nenhum crime eleitoral que envolva meu mandato. Sou citado porque, ao longo destes quatro mandatos como deputado federal, nunca me esquivei da minha identidade de sem-terra, da minha defesa às causas negra, indígena e quilombola no meu estado e no Brasil”, acrescentou o petista.

Na declaração de voto apresentada à Câmara, os 15 deputados signatários destacam que a “CPI não tem competência para investigar parlamentares, nem pelas vias dos denominados fatos conexos”. “Aliás, fosse esse o mote, não poderia deixar de citar que o relator já é réu em ação judicial pelos ilícitos que cometeu quando ministro do Meio Ambiente no governo anterior.”

José Rainha, um dos líderes da Frente Nacional de Lutas no Campo e Cidade (FNL) – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Lideranças do MST também se pronunciaram nesta quarta-feira (27), após a confirmação de que a CPI do MST não teria aval para seguir com os trabalhos até a votação do relatório. Ceres Hadich, da direção nacional da entidade, destaca que vê fracasso na CPI no sentido de tentar criminalizar a organização.

“Nós do MST seguimos nessa missão há quase 40 anos e nos dedicamos a produzir comida e a melhorar a vida do povo brasileiro, não só dos que estão no campo, mas também dos que estão na cidade. Esperamos que, a partir de agora, possamos avançar, junto ao governo e à sociedade brasileira, nesta pauta que tanto nos interessa, que é o avanço da reforma agrária no país pra gente conseguir contribuir cada vez mais com o combate à fome e às desigualdades no país.”

Para Sâmia Bomfim, a CPI acabou tendo um efeito inverso ao esperado pela ala bolsonarista. “Houve o efeito de popularizar o MST, torná-lo ainda mais conhecido, colocar de volta na ordem do dia o debate sobre a reforma agrária, que, talvez, pras novas gerações de luta e mobilização, não fosse um tema tão presente. E também serviu, sem dúvida nenhuma, para a desmoralização completa do presidente e do relator da CPI”, analisa.

Deputada Federal Talíria Petrone (PSOL-RJ)

“Queria acrescentar que a CPI se encerra, mas as nossas tarefas, não, porque, enquanto houver concentração de renda, conflito fundiário no pais, haverá luta e o fortalecimento do MST e dos demais movimentos no campo do Brasil. Enquanto esses problemas seguirem, haverá também parlamentares parceiros dos movimentos e dispostos a lutarem até o fim para a manutenção do direito de luta”, encerra Bomfim.

Ruralistas reclamam de “inação” de aliados

Os deputados Tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS), Kim Kataguiri (União-SP) e Ricardo Salles (PL-SP)

A bancada ruralista do Congresso Nacional vive uma fase de conflito interno com o fim da CPI do MST. Enquanto alguns defendem uma pressão maior sobre o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) pela prorrogação dos trabalhos, a maioria avalia que a comissão foi uma perda de tempo.

Os que criticam dizem que o trabalho da oposição foi sem foco, com diversas derrapadas e brigas desnecessárias. A atuação de Ricardo Salles foi perturbada, segundo seus colegas, por polêmicas e interferência de outros poderes. O relator, por exemplo, virou réu em ação que apura exportação ilegal de madeira em meio às reuniões. Salles e Zucco foram engolidos por deputados governistas, sobretudo pelas deputadas Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Talíria Petrone (Psol-RJ).

Sem CPI, agora os ruralistas focam na tese do Marco Temporal das terras indígenas (cujo contexto tem o poder de impactar até 303 terras, que somam 11 milhões de hectares, onde vivem cerca de 197 mil indígenas), que depois de ser derrubada pelo STF que considerou a medida inconstitucional, foi aprovada essa semana no plenário do Senado. Vamos aguardar os próximos passos. Nesse país cada dia é um flash.

Texto baseado em reportagens dos portais Brasil de Fato, Metrópoles e Diário do Centro do Mundo.

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