Os trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas, condições degradantes e foram vítimas de fraude, promessa enganosa e ameaça
A Vale foi inserida no cadastro de empregadores responsabilizados por mão de obra análoga à de escravo, conhecido como “lista suja“. O caso envolve uma operação que flagrou 309 pessoas nessas condições, na Mina do Pico, em Itabirito, MG. O flagrante ocorreu em fevereiro de 2015, mas a empresa questionou judicialmente os autos de infração, pedindo sua anulação. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, a mineradora perdeu a ação e, com isso, foi inserida no cadastro.
Os envolvidos eram motoristas que levavam o minério de ferro pela estrada particular da Vale que liga duas minas no município. Embora fossem empregados por uma empresa subcontratada, a Ouro Verde Locação e Serviço S.A., os auditores da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais apontaram a Vale como responsável. Segundo a fiscalização, os trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas, condições degradantes e foram vítimas de fraude, promessa enganosa e ameaça.
A Vale contestou a inserção e afirmou que adotará as medidas para a exclusão. Segundo a empresa, foi proferida decisão judicial em maio de 2024 que reconhece indevida a lavratura de auto de infração em razão da fiscalização ocorrida em 2015, o que torna indevida sua inscrição no cadastro. Na época, reportagem de Ana Aranha, da Repórter Brasil, apontou casos como o de um motorista que dirigiu por 23 horas com um intervalo de apenas 40 minutos e outro que trabalhou de 14 de dezembro a 11 de janeiro sem folgas. Os banheiros eram impraticáveis, o que levavam os trabalhadores a fazerem necessidade na estrada. Promessas para quem trabalhasse mais e de forma mais intensa (colocando em risco a sua vida e a de outros) foram feitas e não cumpridas. E quando os trabalhadores passaram a reclamar, foram ameaçados, segundo a fiscalização.
“A Vale repudia toda, e qualquer, forma de desrespeito aos direitos humanos, e às condições indignas de trabalho, e reforça seu compromisso, alinhado com suas políticas, na manutenção de condições dignas para toda sua cadeia produtiva”, afirma a empresa.
Na época da operação, a Ouro Verde Locação e Serviço S.A. emitiu nota dizendo que as irregularidades constatadas na jornada dos trabalhadores seriam “decorrentes de problemas sistêmicos no relógio ponto” e rechaçou a existência de promessas enganosas e ameaças.
Criada em novembro de 2003, a “lista suja“ é atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os nomes dos empregadores são incluídos após os autuados exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa e lá permanecem por dois anos.
Apesar de a portaria interministerial que prevê a lista não obrigar a um bloqueio comercial ou financeiro, ela tem sido usada por empresas e bancos brasileiros e estrangeiros para seu gerenciamento de risco. Isso tornou o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pelas Nações Unidas.
O Conselho Monetário Nacional proibiu, em 2010, a concessão de crédito rural a quem está na lista. E o BNDES a usa antes de fechar negócios.
Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a constitucionalidade da “lista suja“, por nove votos a zero, ao analisar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
Trabalho escravo hoje no Brasil
Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 63,5 mil trabalhadores foram resgatados. Participam desses grupos, além da Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Defensoria Publica da União.
Por Leonardo Sakamoto e Isabel Harari