O Parque Nacional da Serra do Gandarela é uma importante área de conservação ambiental, criada em 13 de outubro de 2014, no coração do Quadrilátero Ferrífero, a 40 km de Belo Horizonte
Lugar de exuberantes serras, rios e cachoeiras, tem sua vegetação composta por um dos mais contínuos fragmentos de Mata Atlântica de Minas Gerais em transição com formações de cerrado.
O Parque Nacional da Serra do Gandarela é uma importante fonte de recursos hídricos, formando grandes aquíferos e contribuindo para o abastecimento de várias cidades, inclusive a capital mineira. Toda essa água também aparece nos inúmeros córregos e rios presentes no parque drenando para as bacias dos rios Doce e das Velhas.
Risco de destruição
Em tempos de mudanças climáticas, a Vale (mais uma vez!) planeja implantar mais um megaempreendimento em solos “sagrados” mineiros.
Apolo! É assim que chamam o projeto
Parece uma contradição, visto que o Deus, em suas virtudes, fazia os homens conscientes de seus pecados e era o agente de sua purificação ritual. Coisa que parece não estar acontecendo com os acionistas, diretores e técnicos da Vale.
Além disso, era o deus da beleza, da perfeição, da harmonia, do equilíbrio e da razão! Por incrível que pareça, ele estava ligado intimamente à natureza, às ervas e aos rebanhos e era o protetor dos pastores! Mais que isso, mas também o deus da cura e da proteção contra as forças malignas! Como pode um projeto que visa apenas destruição e lucro ter um nome desse?
Acreditem! O nome é perfeito! Isto porque, pesquisando um pouco mais, descobrimos facetas não tão dignas de Apolo: ele também era conhecido como o Deus da morte súbita, das pragas e doenças! Agora sim, parece que o nome faz jus não apenas a esse projeto da Vale, mas a todos similares.
O projeto, que avança sem dó em direção ao Parque Nacional da Serra do Gandarela, mostra o quanto o nome é adequado!
Reserva hídrica não “vale” nada! Biodiversidade não “vale” nada!
O que “vale” é o minério! O que “vale” é o vil metal!
A serra representa uma das maiores riquezas ambientais, especialmente hídricas, do país e é a última área intocada pela mineração no Quadrilátero Aquífero-Ferrífero, em Minas Gerais. Segundo ambientalistas, Apolo deverá mostrar seus podres mais abjetos e poderá acabar com a Serra do Gandarela, trazendo prejuízos para todo o estado em benefício da empresa.
Vamos aos fatos (que por si só já são uma vergonha!)
Um acordo entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) retirou do desenho original do Parque Nacional da Serra do Gandarela uma área de 1.700 hectares para a implantação da mina Apolo pela Vale.
(Aqui já começam a surgir dúvidas em nossas cabeças! Você está confuso? Por que duas entidades que deveriam proteger áreas como Garandela permitem esse avanço?)
Mas, a Vale quer mais! A companhia pleiteia uma área de 5.300 hectares para futuras ampliações com o argumento de que, se essa área não for concedida, o projeto, de R$ 4 bilhões, fica inviável.
(Nessa parte, as autoridades deveriam responder: Procura outro canto, Vale querida!)
Você pensa que a Vale parou por aí? Não! Ela quer mais! A mineradora também pede outras duas áreas, onde estão as minas Baú e Capanema, que somam 1.583 hectares.
As informações são do relatório do Grupo de Trabalho que tentou conciliar os interesses das mineradoras com os do Parque Nacional. Participaram desse grupo representantes da Vale, da Semad, do ICMBio, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico (Sede), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas de Minas Gerais (Sindiextra) e de organizações não governamentais (ONGs).
Vocês devem estar pensando: Bem, pelo menos os responsáveis pela conservação desses santuários estão lutando bravamente contra as mineradoras!
Ledo engano! Foram avaliadas também várias propostas de mineração de outras empresas. Em todos os casos houve acordo (essa deu!)… com exceção dos projetos da Vale. Mais um caso para causar estranheza.
Nas audiências públicas que ocorreram, a proposta que está em discussão é a do acordo entre Semad e ICMBio. A decisão final ocorre por meio de decreto presidencial (dá até medo só de pensar!).
Conforme consta no relatório do Grupo de Trabalho, a Vale argumenta que a mina Apolo terá uma vida útil de 30 anos e que o empreendimento teria produção de 24 milhões de toneladas anuais (MTA) de minério, portanto a empresa precisa de uma área maior para “futuras expansões”.
Os acionistas estão em polvorosa: a mineradora tem na gaveta, desde março de 2010, um estudo para ampliação da produção para 37,5 milhões de MTA. Já imaginou o quanto o bolso deles ficaria ainda mais cheio?
Representantes da 11ª região do ICMBio afirmam que a Vale não concorda com a área já concedida para o projeto Apolo. Eles dizem que a razão de criação do Parque é proteger as áreas de cangas e a Vale pretende um avanço muito grande sobre esse tipo formação geológica, quando na verdade, ela não deveria avançar um centímetro sequer.
Vamos falar de números?
O relatório do grupo de trabalho afirma ainda que, enquanto os demais empreendedores apresentaram propostas que reduziam a área afetada por seus empreendimentos em relação à proposta do acordo ICMBio/Semad, ou o aumentavam em, no máximo, 31% (como se fosse pouco!), incluindo compensações, a Vale apresentou uma proposta que aumenta a área a ser retirada da proposta do Parque em cerca de 280% em relação à proposta do acordo ICMBio/Semad.
Desculpem a pergunta, mas alguém ainda crê nessas entidades de defesa e preservação ambiental?
Vamos fazer um resumo rápido para você não se perder
- Problema: Vale (velha conhecida)
- Projeto: Mina Apolo – extração de ferro
- Atividades geradoras do conflito: Mineração, garimpo e siderurgia
- Municípios atingidos: Rio Acima (MG), Barão de Cocais (MG), Caeté (MG), Itabirito (MG), Mariana (MG), Nova Lima (MG), Ouro Preto (MG), Raposos (MG), Rio Acima (MG), Santa Bárbara (MG)
- População/vítimas: Agricultores familiares, comunidades rurais e urbanas
- Impactos socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, assoreamento de recurso hídrico, contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, desmatamento e/ou queimada, poluição de recurso hídrico
- Danos à saúde: Piora na qualidade de vida
- Os opositores/“os vilões”: moradores e defensores do ambiente
Ou seja, Apolo versus o cidadão comum. Batalha inglória, principalmente se analisarmos que Apolo, o Deus (no caso a Vale e seu projeto) nunca perdeu uma batalha!
Eles resistem (ou tentam resistir!)
Os moradores do entorno da Serra do Gandarela, incluindo-se aí algumas sedes de pequenos municípios e povoados rurais, resistem à mina Apolo por conta dos riscos de poluição e contaminação da água, dos impactos sobre a vegetação nativa da região e a fauna, sobre a infraestrutura urbana das pequenas sedes municipais, sobre o ecoturismo praticado na região, e sobre o próprio estilo de vida dos povoados rurais do entorno da serra.
Ao longo deste processo de resistência, destaca-se o trabalho sistemático do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela. Apesar das pressões exercidas pelos movimentos sociais e dos órgãos ambientais, o Parque Nacional da Serra do Gandarela foi decretado em outubro de 2014 com uma área menor que a proposta submetida pelo ICMBio, e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável não foi criada. Esta luta vem sendo travada pelo menos desde 2008!
Será que um Manifesto digital resolve?
Bem, é uma esperança!
De olho no avanço da mineradora e na ameaça representada pelo Projeto Apolo, ambientalistas lançaram a campanha “SIM À SERRA DO GANDARELA E AO PARQUE NACIONAL”.
O objetivo do manifesto, que pode ser assinado por qualquer pessoa, é alertar a sociedade civil sobre os riscos que aquela relevante área ambiental, especialmente hídrica, está correndo.
Patrimônio presente e pré-histórico X cobiça mineradora
Lar de animais gigantes no passado, a cadeia de montanhas é hoje parque nacional pela abundância de águas cristalinas, contudo, segue ameaçada por projeto da Vale.
Em uma manhã de céu limpo em 2011, um pequeno grupo de ambientalistas partiu, junto de fotógrafos amigos, rumo a uma caverna bem no alto da Serra do Gandarela, a cerca de 50 Km de Belo Horizonte. O local poderia ter sido destruído dois anos antes por uma pesquisa mineral da Vale, que sem sucesso tentou uma licença ambiental simplificada para extrair desse ponto 16,5 mil toneladas de minério de ferro. A análise do material estava relacionada ao projeto Apolo, que previa um grande complexo minerário nos municípios de Caeté, Santa Bárbara, Rio Acima e Raposos.
No alto do Gandarela, com vista das intermináveis montanhas da região, o grupo ficou estupefato pelo que viu ao adentrar a caverna: um amplo sistema de câmaras, escavado em vários níveis, com túneis arredondados de até 3 m de altura e 6 m de largura, que se abriam em diversas direções. O teto e as paredes eram formados por cangas, solo ferruginoso duro, e tudo parecia intocado por milhões de anos.
A importância do achado seria atestada cientificamente pouco tempo depois. Tratava-se de uma paleotoca — um abrigo subterrâneo de animais da megafauna, nesse caso preguiças-gigantes de dois dedos, que mediam de 3 a 4 m de altura —, a primeira encontrada na região do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero e a segunda maior em solo brasileiro, com 345 m de comprimento total.
As paleotocas são escavações feitas por animais extintos, vestígios de atividades biológicas fósseis (os icnofósseis) que podem ser utilizados para reconstruir aspectos do passado do planeta. A megafauna é o conjunto de mamíferos gigantes que viveu à época do Pleistoceno, entre 2,5 milhões e 11.700 anos atrás, marcada pelas glaciações. Na América do Sul, haviam preguiças, tatus, tamanduás, entre outros. Em 1834, o fóssil de uma preguiça-gigante foi encontrado em Lagoa Santa, na bacia do Rio das Velhas, pelo naturalista Peter Lund. Quase na crista da serra, a paleotoca do Gandarela também é a ocorrência em maior altitude no país, 1.531 metros.
Ainda que não soubessem, os ambientalistas chegaram à paleotoca quase simultaneamente ao professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Francisco Buchmann, pioneiro no registro e estudo dessas estruturas no Brasil e coordenador do Projeto Paleotocas. Entre os anos de 2010 e 2011, o professor Buchmann visitou as cavernas do Gandarela e teve “certeza de imediato do que se tratava” quando entrou na distinta cavidade, “uma das mais fantásticas entre as que conheci”, diz o paleontólogo. Ele publicou o achado pela primeira vez em 2012 em um artigo acadêmico escrito com outros pesquisadores.
Cava e paleotoca
A Vale manifestou em 2007 seu interesse em explorar as reservas de ferro do Gandarela, as únicas ainda intactas no desfigurado Quadrilátero. Após promessas à população local e à imprensa de vultosos “investimentos em Minas Gerais”, a empresa solicitou declarações de conformidade às prefeituras dos municípios que receberiam o projeto Apolo. À época também se iniciou a articulação daqueles que se opunham à mineração no local.
No início de 2009, a empresa deu entrada na Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) ao pedido de uma licença simplificada para pesquisa mineral na área, depois negada. No segundo semestre, foi iniciado o licenciamento ambiental do projeto Apolo, com a disponibilização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) contratado pela Vale.
No mapa da Vale, a paleotoca seria uma pedra no meio do caminho, incrustada na área prevista para a cava do projeto Apolo. Cientes do inestimável valor científico e histórico-cultural da paleotoca e da necessidade de sua proteção, um movimento ambientalista defensor da Serra do Gandarela comunicou a descoberta em 2012 à Promotoria de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que visitou a cavidade e se comprometeu a atuar para preservá-la. O artigo científico do professor Buchmann ainda não havia sido publicado a essa altura.
Na petição ao MPMG, as organizações relatam uma série de eventos que gerou grave suspeita sobre a Vale: a mineradora, sabendo que a caverna no alto do Gandarela possivelmente tinha valor paleontológico, tentou destruí-la com a pesquisa mineral no primeiro semestre de 2009 de modo a facilitar o posterior licenciamento do projeto Apolo.
Isso porque descobriu-se que um dos dois pontos que a Vale explodiria em sua pesquisa mineral era exatamente o da futura descoberta da paleotoca. Entre a centena de cavidades do Gandarela, o EIA do projeto Apolo listou a caverna AP-38 como de máxima relevância, com “possível valor paleontológico/educacional”. A AP-38 também estava registrada no sistema do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav), vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Foi com as coordenadas indicadas no EIA dessa caverna de máxima relevância em mãos que o grupo de ambientalistas da região subiu o Gandarela em 2011 para avaliá-la. Depois, compararam com o ponto de amostragem mineral indicado pela Vale anos antes. Comentando a suspeita, Maria Teresa Corujo, a Teca, moradora de Caeté e ambientalista defensora do Gandarela, afirma: “seria apagado da história sem ninguém saber”.
O PARNA da Serra do Gandarela também é rico em fauna
A região onde o Parna da Serra do Gandarela está inserido é área de transição entre os biomas Mata Atlântica e Cerrado, o que contribui para um aumento de diversidade de espécies, pela presença de espécies típicas dos dois biomas. Já foram registradas na região algumas espécies de importância para a conservação, podendo ser citadas a águia-cinzenta (Harpyhaliaetus coronatus), o capacetinho-do-oco-do-pau (Poospiza cinerea), a onça-parda (Puma concolor), o cateto (Pecari tajacu) e onça-pintada (Panthera onca).
A proposta de uma Unidade de Conservação
O episódio da paleotoca é um entre muitos outros memoráveis esforços para frear as investidas da Vale e preservar o Gandarela. Após o início do licenciamento do projeto Apolo, em uma reunião na sede do Projeto Manuelzão, na Faculdade de Medicina da UFMG, foi criado por moradores e ambientalistas da região o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, o mesmo que comunicaria ao MPMG em 2012 a existência da paleotoca e o risco que corria.
O movimento tinha como tarefas iniciais pedir audiências públicas e analisar o EIA do projeto, além de iniciar estudos sobre a relevância ambiental e cultural do lugar, a fim de pedir a criação de uma Unidade de Conservação (UC). Optou-se por pleitear ao ICMBio a criação de um parque nacional. Foi elaborado um dossiê, encaminhado ao órgão junto de um ofício, assinado pelo Projeto Manuelzão e vários outros movimentos ambientalistas.
O ICMBio abriu um processo para análise da proposta do parque nacional, que em menos de um ano era a prioridade máxima do órgão, enquanto a Vale sofria reveses em seu licenciamento. Na região do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, as montanhas em que se encontra minério são repletas de água subterrânea. É o único caso no planeta em que os aquíferos coincidem com as principais áreas de recarga dessas formações, os topos de morro, que são Área de Proteção Permanente (APP). As cangas ferruginosas, muito presentes no Gandarela, são as formações geológicas mais valiosas para a recarga hídrica, capazes de absorver até 30% da água caída das chuvas.
Por ser a única área não minerada do Quadrilátero, as reservas de água subterrânea do Gandarela têm importância redobrada e refletem-se na enorme disponibilidade de águas que abastecem as bacias do Rio das Velhas, em uma vertente, e do Rio Piracicaba, em outra. Centenas de nascentes se originam na serra, que guarda também a segunda maior faixa contínua de vegetação remanescente de Mata Atlântica de Minas Gerais.
A riqueza desse ambiente — a pureza de suas águas e a abundância de seus frutos —, a mesma capaz de sustentar a vida de grandes animais em um passado distante, se adaptou e atravessou o tempo, se oferecendo até os dias de hoje. Não sem muito esforço para mantê-la viva, a proveito de todos.